Como não cair em uma fraude: Entenda por que você não deveria odiar os short sellers de uma ação
O short seller é o investidor que está apostando na queda do preço da ação de uma empresa. Em alguns casos, ele enxerga uma fraude, um golpe, e faz sua operação porque acredita que a empresa deveria valer zero
“A função mais importante que um short seller fundamentalista traz ao mercado é a de detetive financeiro em tempo real”
— Jim Chanos
Se eu tivesse assistido a “O Escândalo da Wirecard” achando que fosse uma história de ficção, provavelmente teria abandonado no meio. Seguramente eu acharia a história maluca demais, os personagens excessivamente caricatos e a trama extremamente rocambolesca para uma roteiro ligado ao mercado financeiro.
Acontece que se trata de um DOCUMENTÁRIO.
A história do filme da Netflix, apesar de fazer jus a todos os adjetivos acima, é chocantemente real, e, portanto, traz elementos comuns a outras fraudes, podendo servir de lição para que você, investidor de boa fé, não caia em armadilhas.
Vamos ao contexto da fraude da Wirecard
A Wirecard era uma empresa de serviços financeiros (principalmente pagamentos), sediada na Alemanha.
Fundada em 1999, a companhia cresceu basicamente lavando dinheiro de companhias duvidosas de apostas e pornografia mundo afora, criando empresas de fachada na Ásia para justificar seus números e inventando lucros bilionários que nunca existiram.
A companhia operou assim por mais de uma década, e não foi nas sombras. A Wirecard tinha capital aberto, chegou a entrar no DAX, principal índice de ações da Alemanha, e cogitou comprar o Deutsche Bank (ele mesmo).
O documentário conta como tudo isso aconteceu e a saga de uma equipe de reportagem que tenta por anos convencer o público e as autoridades de que algo estranho acontecia, sem ser levada a sério e sofrendo consequências sinistras.
Algumas lições sobre fraude
Recomendo veementemente que você assista ao documentário, pois esta não é a história da Wirecard, sim algumas lições sobre fraude que vêm do filme.
Abaixo, exerço a prerrogativa de engenheiro de obra pronta que meu CNPI me dá e listo alguns elementos desse golpe que poderiam ter sido identificados como sinal de alerta, mas não foram pela maioria.
Esses elementos são comuns a outros golpes — arrisco dizer, inclusive, a aqueles que ainda não foram desmascarados.
Empresas e o ódio aos short sellers
Se sua empresa favorita está em guerra contra um short seller, reveja seus investimentos.
O short seller é o investidor que está apostando na queda do preço da ação de uma empresa.
Compreensivelmente, CEOs e donos das companhias não costumam gostar de quem faz isso, por que um short é fundamentalmente uma afirmação como “essa empresa deveria valer menos do que vale; o patrimônio deste CEO deveria ser menor; o trabalho desta equipe tem menos valor do que o mercado acredita”.
O short é uma discordância de preços, mas em alguns casos o short seller enxerga uma fraude, um golpe, e faz sua operação porque acredita que a empresa deveria valer zero.
É o caso da Wirecard
A Wirecard e a guerra contra a imprensa
A empresa começa a enfrentar problemas de credibilidade quando o Financial Times expõe inconsistências em seus balanços e questiona seu modelo de negócios.
Sem argumentos para refutar o conteúdo, a companhia acusa o jornal e o repórter responsável pelo conteúdo de estarem sendo pagos pelos short sellers, que têm interesse em ver a queda do preço dos papéis.
A guerra da Wirecard contra a imprensa foi longe e chegou a envolver arapongas, microfones ultra-sensíveis e táticas de hacking.
É uma manobra inútil a longo prazo, mas que rendeu algum tempo e empatia à Wirecard (ao menos em um curto período).
Como o filme revela, short sellers estavam entre as fontes do Financial Times, mas isso não tornava a fraude falsa.
Short sell e a estratégia do IRB
No Brasil, vimos o IRB tentar usar parte dessa tática contra a Squadra.
Quando a gestora revelou sua carta de mais de 200 páginas que acusava a resseguradora de fraude, a defesa da companhia se resumiu a lembrar os investidores que tinha sido auditada e que a Squadra mantinha um short.
Autoridades lenientes e auditoria
Ter passado por uma auditoria e estar em dia com as autoridades também não garante muitas coisas.
No caso da Wirecard, a empresa foi até protegida pelas autoridades regulatórias alemãs.
Quando as notícias do FT vieram a público, a reação da BaFin, a CVM alemã, foi a de proibir short com as ações da Wirecard e abrir uma investigação contra o jornal e seus repórteres.
A empresa também passava constantemente por auditorias de grandes consultorias e nada havia sido encontrado.
O que o documentário revela é que elas não foram capazes nem de checar nos bancos apontados pela companhia como depositário de seus bilhões se o dinheiro estava efetivamente lá.
O Cosplay de Steve Jobs
A Wirecard era comandada por Markus Braun, um executivo afeito às camisas pretas de gola rolê e aos lançamentos em forma de palestra no qual encantava o público ao mesmo tempo que confundia, falando de conceitos abstratos e que não podem ser checados independentemente por ninguém.
Era comum que o Dr. Braun, como era conhecido, falasse em suas apresentações em machine learning e inteligência artificial, mas relatos posteriores de pessoas de dentro da empresa revelam que, enquanto ele falava coisas desse tipo, a empresa era operada 100% em planilhas no Excel.
Cabe lembrar que o Cosplay de Steve Jobs foi usado também por ninguém menos que Elizabeth Holmes, fundadora da Theranos, que prometeu ao mundo exames feitos na farmácia com apenas uma gota de sangue e que detectariam qualquer doença.
Depois de encantar a imprensa também de gola rolê, arrecadar milhões de venture capital e mentir como se não houvesse amanhã, Holmes foi desmascarada e condenada. Ela tem seu próprio documentário.
Convite
Na semana que vem, o Market Makers dá o pontapé inicial para o projeto mais significativo para mim, o Salomão, o Josué e o Matheus.
É o projeto que vai dar sentido a nossa empresa e a concretização do que nós mais acreditamos: conteúdo + investimento + skin in the game. Tudo junto.
Entre para o nosso Telegram para ficar sabendo de tudo.
Um abraço,
Renato Santiago
O Enduro da bolsa: mercado acelera com início da temporada de balanços do 1T24, mas na neblina à espera do PCE
Na corrida dos mercados, Usiminas dá a largada na divulgação de resultados. Lá fora, investidores reagem ao balanço da Tesla
Decisão do Copom em xeque: o que muda para a Selic depois dos últimos acontecimentos?
O Banco Central do Brasil enfrentará um grande dilema nas próximas semanas
Felipe Miranda: A pobreza das ações
Em uma conversa regada a vinho, dois sujeitos se envolvem em um embate atípico, mas quem está com a razão?
Enquanto o dólar não para de subir… Brasil sobe em ranking internacional e este bilionário indonésio fica 10x mais rico em um ano
Veja os destaques da semana na ‘De repente no mercado’
Dividendos de Klabin (KLBN11), Gerdau (GGBR4) e Petrobras (PETR4), halving do bitcoin e Campos Neto dá pistas sobre o futuro da Selic — veja tudo o que foi destaque na semana
A ‘copa do mundo’ das criptomoedas aconteceu de novo. A recompensa dos mineradores por bloco de bitcoin caiu pela metade
Meu pai me ajudou a comprar um imóvel; agora ele faleceu, e meu irmão quer uma parte do valor; foi adiantamento de herança?
O irmão desta leitora está questionando a partilha da herança do pai falecido; ele tem razão?
A ação que dá show em abril e mostra a importância de evitar histórias com altas expectativas na bolsa
Ações que embutiam em seus múltiplos elevadas expectativas de melhora macroeconômica e crescimento de lucros decepcionaram e desabaram nos últimos dias, mas há aquela que brilha mesmo em um cenário adverso
Rodolfo Amstalden: ChatGPT resiste às tentações de uma linda narrativa?
Não somos perfeitos em tarefas de raciocínio lógico, mas tudo bem: inventamos a inteligência artificial justamente para cuidar desses problemas mais chatos, não é verdade?
Ataque do Irã poderia ter sido muito pior: não estamos diante da Terceira Guerra Mundial — mas saiba como você pode proteger seu dinheiro
Em outubro, após o ataque do Hamas, apontei para um “Kit Geopolítico” para auxiliar investidores a navegar por esse ambiente incerto
Felipe Miranda: Cinco coisas que deveriam acabar no mercado financeiro
O sócio-fundador da Empiricus lista práticas do universo dos investimentos que gostaria de ver eliminadas
Leia Também
-
O vilão da Vale (VALE3): o que fez o lucro da mineradora cair 9% no primeiro trimestre; provisões bilionárias de 2024 são atualizadas
-
Magazine Luiza (MGLU3) recebe sinal verde para grupamento de ações e dá prazo para acionistas ajustarem as posições
-
O que deu errado para Zuckerberg? Ação da dona do Instagram cai mais de 18% mesmo com lucro acima da meta
Mais lidas
-
1
Órfão das LCI e LCA? Banco indica 9 títulos isentos de imposto de renda que rendem mais que o CDI e o Tesouro IPCA+
-
2
Após o halving, um protocolo 'surge' para revolucionar o bitcoin (BTC): entenda o impacto do protocolo Runes
-
3
Adeus, dólar: Com sanções de volta, Venezuela planeja usar criptomoedas para negociar petróleo