Governo dos 100 dias
O período entre a fuga de Napoleão do exílio na Ilha de Elba em março de 1815 e sua derrota definitiva na batalha de Waterloo é bastante conhecido. Enquanto o Congresso de Viena tenta restabelecer a ordem e a monarquia na Europa depois das guerras napoleônicas, foi subitamente surpreendido pela aclamação de Napoleão, cujo objetivo era reconquistar o que havia perdido, em Paris. Ele acabaria derrotado 100 dias depois pela Sétima Coligação contra a França, coalizão formada por Inglaterra, Rússia, Prússia e Áustria.
Com alguma frequência, recupera-se a expressão “Governo dos 100 dias” para se referir a algum período específico de determinadas administrações em que se deve aprovar muita coisa em pouco tempo. De maneira mais típica, isso acontece nos começos de mandato, quando o eleito goza de prestígio popular e político, supostamente dispondo de capacidade de impor sua agenda e seu programa de governo.
Metaforicamente, entendo que estamos diante de algo semelhante. É como se começasse um novo governo Bolsonaro em termos práticos. Se terá mais cara de um “Dilma 3.0”, de um “Temer 2.0” ou de uma mistura macunaímica das duas coisas, o que até me parece mais provável, descobriremos nas cenas dos próximos capítulos. Qual caminho tomaremos nesta encruzilhada?
O momento é particularmente importante e por isso invoco a ideia do governo dos 100 dias.
De algum modo, entre erros e acertos, conseguíamos caminhar no começo de governo com algumas reformas — claro que sempre aquém dos platônicos desejos do mercado, muitas vezes preso em seus próprios ideais (o problema dos ideais é que eles ficam no mundo das ideias) e sem tanto conhecimento das nuances do pântano político partidário. Mesmo a Previdência, que era uma “reforma impossível”, aconteceu, inclusive melhor do que se supunha e do que aquela anteriormente proposta por Michel Temer.
Então, veio a pandemia. Sem muita alternativa, a pauta neoclássica e liberal cedeu lugar ao keynesianismo — se até Kenneth Rogoff trouxe prescrição semelhante à contida na Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, então é porque não havia mesmo meios de sobrevivência para a austeridade fiscal naquele momento. Era pertinente. A cartilha ortodoxa recomenda: em momentos de recessão ou depressão econômica, o preenchimento da falta de demanda só pode vir com a expansão dos gastos públicos. O fato de envolver uma grave crise sanitária dava contornos mais dramáticos à coisa. Então, mesmo já em trajetória delicada de nossa dívida/PIB, fizemos o maior gasto público como percentual do PIB de todos os mercados emergentes e, surpreendentemente, foi tolerado.
Leia Também
As lições do Chile para o Brasil, ata do Copom, dados dos EUA e o que mais movimenta a bolsa hoje
Chile vira a página — o Brasil vai ler ou rasgar o livro?
Agora, porém, a situação é outra. Chegamos ao limite de nossa capacidade fiscal (talvez até o tenhamos superado; a economia é o ambiente curioso em que se transita além do potencial). Além disso, se antes a suposta culpa da falta de avanço das reformas fiscais e liberais era do opositor presidente da Câmara e do foco total na pandemia, os termos mudaram agora.
Temos presidentes das duas Câmaras no Parlamento alinhados ao governo — com efeito, a interlocução do ministro Paulo Guedes com o Congresso é hoje muito superior àquela da época de Rodrigo Maia — e o mundo está a poucos meses de virar a página da pandemia. O keynesianismo global clássico, em sua expansão fiscal grotesca, deve perder espaço, ainda que o neokeynesianismo da expansão monetária e das injeções de liquidez possam continuar. A inexorável agenda de mais gasto público em meio à pandemia encontra um novo ambiente conforme se acelera a vacinação — embora, claro, ainda estejamos atrasados no processo de imunização.
Acho um erro a afirmação de que o governo Bolsonaro não é liberal. Como também acho um erro a afirmação de que o governo Bolsonaro não é intervencionista, corporativista e populista. Convivem ali dentro várias forças, algumas ambivalentes, o médico e o monstro. A sensação é de que se acende uma vela para Deus e outra para o diabo ao mesmo tempo. Um olho no fiscal, outro na popularidade. Um afago nos caminhoneiros, um carinho em Paulo Guedes.
O problema é que Deus não costuma ser muito tolerante com o politeísmo. A ira do Velho Testamento é conhecida. O mercado não gosta de volatilidade e incerteza. E gol tomado fora de casa conta mais. O zero a zero é melhor do que o um a um, por conta da aversão ao risco e da maior dispersão de resultados possíveis.
Talvez hoje possamos ter uma pista interessante, com a possível votação da PEC Emergencial no Senado. É fundamental que sejam preservados os gatilhos fiscais. Não há aqui ilusões ou falsas esperanças. É uma utopia acreditar numa completa amarração fiscal, com, por exemplo, desvinculação de gastos com saúde e educação. Mas há uma chance na mesa aqui.
Os próximos dias deixarão mais claro qual caminho decidimos seguir. Cada jogo é uma nova batalha. Emprestamos um termo tradicionalmente usado na política monetária para empregá-lo no prognóstico para a trajetória fiscal: estamos “data dependent”, dependente da evolução dos dados. Se conseguirmos avançar na PEC Emergencial com gatilhos fiscais e pouca desidratação, o ministro Paulo Guedes recupera força e poderemos sonhar com reforma administrativa, privatização de Eletrobras e Correios, uma bateria de reformas infraconstitucionais e melhora do ambiente de negócios. Em sendo o caso, poderemos ter 100 dias simplesmente gloriosos. Do contrário, a Argentina é logo ali. O ministro Guedes falou em seis meses. Talvez não passe de quatro.
P.S.: Se você quiser estar comigo e com o Rodolfo diariamente te ajudando a enfrentar essa batalha, poderá não só se proteger mas também sair com alguns trocados a mais. Formaremos um grupo segunda-feira, os detalhes estão aqui.
Flávio Day: veja dicas para proteger seu patrimônio com contratos de opções e escolhas de boas ações
Veja como proteger seu patrimônio com contratos de opções e com escolhas de boas empresas
Flávio Day nos lembra a importância de ter proteção e investir em boas empresas
O evento mostra que ainda não chegou a hora de colocar qualquer ação na carteira. Por enquanto, vamos apenas com aquelas empresas boas, segundo a definição de André Esteves: que vão bem em qualquer cenário
A busca pelo rendimento alto sem risco, os juros no Brasil, e o que mais move os mercados hoje
A janela para buscar retornos de 1% ao mês na renda fixa está acabando; mercado vai reagir à manutenção da Selic e à falta de indicações do Copom sobre cortes futuros de juros
Rodolfo Amstalden: E olha que ele nem estava lá, imagina se estivesse…
Entre choques externos e incertezas eleitorais, o pregão de 5 de dezembro revelou que os preços já carregavam mais política do que os investidores admitiam — e que a Bolsa pode reagir tanto a fatores invisíveis quanto a surpresas ainda por vir
A mensagem do Copom para a Selic, juros nos EUA, eleições no Brasil e o que mexe com seu bolso hoje
Investidores e analistas vão avaliar cada vírgula do comunicado do Banco Central para buscar pistas sobre o caminho da taxa básica de juros no ano que vem
Os testes da família Bolsonaro, o sonho de consumo do Magalu (MGLU3), e o que move a bolsa hoje
Veja por que a pré-candidatura de Flávio Bolsonaro à presidência derrubou os mercados; Magazine Luiza inaugura megaloja para turbinar suas receitas
O suposto balão de ensaio do clã Bolsonaro que furou o mercado: como fica o cenário eleitoral agora?
Ainda que o processo eleitoral esteja longe de qualquer definição, a reação ao anúncio da candidatura de Flávio Bolsonaro deixou claro que o caminho até 2026 tende a ser marcado por tensão e volatilidade
Felipe Miranda: Os últimos passos de um homem — ou, compre na fraqueza
A reação do mercado à possível candidatura de Flávio Bolsonaro reacende memórias do Joesley Day, mas há oportunidade
Bolha nas ações de IA, app da B3, e definições de juros: veja o que você precisa saber para investir hoje
Veja o que especialista de gestora com mais de US$ 1,5 trilhão em ativos diz sobre a alta das ações de tecnologia e qual é o impacto para o mercado brasileiro. Acompanhe também a agenda da semana
É o fim da pirâmide corporativa? Como a IA muda a base do trabalho, ameaça os cargos de entrada e reescreve a carreira
As ofertas de emprego para posições de entrada tiveram fortes quedas desde 2024 em razão da adoção da IA. Como os novos trabalhadores vão aprender?
As dicas para quem quer receber dividendos de Natal, e por que Gerdau (GGBR4) e Direcional (DIRR3) são boas apostas
O que o investidor deve olhar antes de investir em uma empresa de olho dos proventos, segundo o colunista do Seu Dinheiro
Tsunami de dividendos extraordinários: como a taxação abre uma janela rara para os amantes de proventos
Ainda que a antecipação seja muito vantajosa em algumas circunstâncias, é preciso analisar caso a caso e não se animar com qualquer anúncio de dividendo extraordinário
Quais são os FIIs campeões de dezembro, divulgação do PIB e da balança comercial e o que mais o mercado espera para hoje
Sete FIIs disputam a liderança no mês de dezembro; veja o que mais você precisa saber hoje antes de investir
Copel (CPLE3) é a ação do mês, Ibovespa bate novo recorde, e o que mais movimenta os mercados hoje
Empresa de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, a Copel é a favorita para investir em dezembro. Veja o que mais você precisa saber sobre os mercados hoje
Mais empresas no nó do Master e Vorcaro, a escolha do Fed e o que move as bolsas hoje
Titan Capital surge como peça-chave no emaranhado de negócios de Daniel Vorcaro, envolvendo mais de 30 empresas; qual o risco da perda da independência do Fed, e o que mais o investidor precisa saber hoje
A sucessão no Fed: o risco silencioso por trás da queda dos juros
A simples possibilidade de mudança no comando do BC dos EUA já começou a mexer na curva de juros, refletindo a percepção de que o “jogo” da política monetária em 2026 será bem diferente do atual
Tony Volpon: Bolhas não acabam assim
Wall Street vivencia hoje uma bolha especulativa no mercado de ações? Entenda o que está acontecendo nas bolsas norte-americanas, e o que a inteligência artificial tem a ver com isso
As lições da Black Friday para o universo dos fundos imobiliários e uma indicação de FII que realmente vale a pena agora
Descontos na bolsa, retorno com dividendos elevados, movimentos de consolidação: que tipo de investimento realmente compensa na Black Friday dos FIIs?
Os futuros dividendos da Estapar (ALPK3), o plano da Petrobras (PETR3), as falas de Galípolo e o que mais move o mercado
Com mudanças contábeis, Estapar antecipa pagamentos de dividendos. Petrobras divulga seu plano estratégico, e presidente do BC se mantém duro em sua política de juros
Jogada de mestre: proposta da Estapar (ALPK3) reduz a espera por dividendos em até 8 anos, ações disparam e esse pode ser só o começo
A companhia possui um prejuízo acumulado bilionário e precisaria de mais 8 anos para conseguir zerar esse saldo para distribuir dividendos. Essa espera, porém, pode cair drasticamente se duas propostas forem aprovadas na AGE de dezembro.