Dez surpresas para 2021
Mesmo diante da extraordinariedade de 2020, sete de dez surpresas mencionadas acabaram se materializando, uma bela taxa de acerto
Este é meu primeiro Day One de 2021. Entrar em férias é bom. Só é pior do que trabalhar. Saio do escritório, mas os mercados não saem completamente de mim. Animal of the markets…
Minha estreia neste calendário dá continuidade à já clássica tradição lançada há 12 meses: as dez surpresas projetadas para o ano. Num típico Golpe de Estado, penso que “meu caso de amor virou um caso sério, cobrindo minha vida de mistério” — roqueiros entenderão. Depois do ocorrido nas “Dez surpresas para 2020”, a brincadeira virou coisa séria, embora ainda seja tratada aqui com leveza e apenas um farol para nos iluminar sobre alguns temas importantes.
Mesmo diante da extraordinariedade de 2020, sete de dez surpresas mencionadas acabaram se materializando. É uma bela taxa de acerto. Pela essência e natureza das “surpresas”, se cinco delas se concretizassem, já implicaria sucesso. Isso se deve à própria definição do termo.
Por “surpresa”, entendemos aqui um evento para o qual o consenso de mercado atribui uma probabilidade igual ou inferior a 33%, enquanto, na nossa opinião, ele goza de uma chance superior a 50% de ocorrência. Ou seja, é um evento sobre o qual o mercado atribui baixa probabilidade, de modo que sua potencial materialização implica um bom payoff, mais ganho potencial do que perda potencial. Se você acerta cinco e erra cinco, mas cada acerto paga mais do que cada erro lhe gera prejuízo, então você acaba saindo com lucro consolidado.
É a exata mesma definição de Byron Wien, da Blackstone, que desde 1986 publica em janeiro suas Surprises for the year — sim, você está certo: estou copiando a ideia desde o ano passado. Tenho esse péssimo hábito. Verdade inconveniente: se você se acha original, você apenas não leu o suficiente.
O objetivo, obviamente, não é acertar as dez surpresas para o ano. Apenas apontamos nossa divergência em relação ao consenso em determinados tópicos, em que estamos mais confiantes em sua respectiva materialização do que a média dos demais participantes do mercado. Trata-se de um exercício de pensamento probabilístico, não de um esforço de futurologia.
Leia Também
O salvador da pátria para a Raízen, e o que esperar dos mercados hoje
Felipe Miranda: Um conto de duas cidades
Começo pelo balanço de 2020. Erramos que o Ibovespa fecharia o ano acima de 150 mil.
Talvez rolasse não fosse a pandemia, mas pouco importa. Acertamos que o índice passaria por pelo menos duas correções superiores a 10% (essa foi folgada).
Também dissemos que os bancos seriam os grandes perdedores do ano. Placar: 2x1 pra “nóis” até agora.
Projetamos o fechamento de capital da Cielo por um preço inferior às cotações de tela naquele momento. Até arrisco dizer que poderia reivindicar um meio certo nesta questão, dado que as ações da Cielo sofreram grandes perdas no ano, de modo que quem apostou nesse item acabou ganhando bastante dinheiro — os papéis fecharam, de fato, bem abaixo do preço de tela do início de janeiro. Mas sejamos rigorosos. Gol dos caras. Agora: 2x2.
Afirmamos que XP terminaria o ano com valor de mercado superior a R$ 100 bilhões. Bingo!
Contra-ataque: apostamos na privatização da Eletrobras e em impacto positivo importante sobre suas ações. Como sabemos, não rolou.
Daí em diante, foi cada enxadada, uma minhoca.
“O S&P superará a marca de 3.500 pontos”;
“A eleição americana, apesar de trazer muita volatilidade a Wall Street, com várias correções superiores a 5% ao longo do ano, acaba sendo driver positivo aos mercados. Warren e Sanders parecem extremistas demais para serem alçados à Casa Branca, enquanto Biden e Bloomberg não seriam ameaças reais a Wall Street”;
“O ouro alcançará a marca de US$ 1.800 por onça diante de nova flexibilização monetária e lançamentos de pacotes fiscais adicionais, além de ganhar apelo num mundo onde taxas de juro negativas continuam a viver aqui e ali”;
“Por mais de uma vez no ano, o dólar subirá além da marca de R$ 4,30, sob redução estrutural do diferencial de juros entre Brasil e exterior e diante dos aumentos súbitos do grau de aversão ao risco”.
Placar final: 7x3.
Obviamente, algumas dessas coisas, talvez todas, parecem óbvias agora, sob o viés da retrospectiva. Mas há de se lembrar o momento de sua escrita, quando tais afirmações ainda eram vistas como improváveis.
O texto original para 2020 pode ser encontrado neste link.
Agora vamos para 2021.
i. O Ibovespa fechará o ano acima de 150 mil pontos. Começo rigorosamente da mesma forma, para ver se mantém a sorte. Brincadeira, claro. A verdade é que os nomes de commodities do índice, em especial Petro e Vale, continuam bastante baratos, sobretudo nesse preço das matérias-primas. Utilities também estão muito atraentes. Os nomes ligados à reabertura da economia podem, no geral, ir bem com a vacina, como educacionais (exceto Cogna, de que eu não gosto), shoppings, aéreas (prefiro Azul). Na parte de consumo, tenho especial apreço por aqueles que entenderam o real valor do omnichannel — Magazine continua indo bem, Lame pode ser porrada (mais sobre isso à frente).
ii. O S&P 500 vai superar a marca dos 4.000 pontos. A verdade é que a Bolsa americana é a grande ganhadora de longo prazo (junto com os REITs). Historicamente (não é uma opinião, é uma observação estatística), isso costuma andar bem após períodos de recessão econômica. Os juros devem continuar muito baixos, ainda que as taxas de mercado possam subir um pouco. O prêmio de risco da Bolsa sobre a renda fixa continua em patamares razoáveis e existe uma quantidade brutal de dinheiro na economia. Os lucros crescem bem, até pela base de comparação fraca. Segue a migração para as ações em âmbito global — até porque não tem muita coisa para se fazer com o dinheiro.
iii. Juro real longo no Brasil virá abaixo de 3%, com recuo do dólar (aqui e lá fora) e alguns avanços fiscais. Parte do ajuste fiscal será feito pela recuperação do PIB, outra parte pela inflação e uma terceira por reformas aprovadas aos trancos e barrancos, sem ingenuidade, mas pragmáticas. Se “o Brasil está quebrado e eu não consigo fazer nada”, só há um caminho: tirar o país da bancarrota. Não é por convicção ou conversão liberal. É pelo medo do precipício, por perceber o risco de se perder uma eleição caso sejamos jogados numa recessão brutal às vésperas do pleito presidencial. Sem reforma, o dólar sobe forte, os juros precisam subir, aborta-se a recuperação cíclica. Com inflação (dado o repasse cambial) e o desemprego explodindo (dada a subida de juro), Bolsonaro perderia a eleição. Nada como o medo da derrota nas urnas para forçar um batismo na religião liberal.
iv. Bancos tradicionais voltarão a ter uma performance relativa ruim, porque é um trend de longo prazo. Já não estão mais tão baratos. Não se beneficiam tão diretamente dos maiores gastos fiscais de Biden como as commodities. E vão ter seu profit pool cada vez mais atacado. Regulação, fintech, maquininhas, plataformas de investimentos, pressão por menores tarifas e taxas de administração de seus fundos, bancos digitais se multiplicando como Gremlins na água…
v. A performance dos mercados emergentes vai ser, na média, o dobro daquela do S&P, com liderança do Emerging Asia, dado rápido crescimento e polo de tecnologia, com situação fiscal mais controlada.
vi. BTG Pactual vai valer mais do que XP. Pode até ter um múltiplo menor, porque a parte mais tradicional do banco cresce menos e consome muito capital, mas terá um market cap maior. Pela simples razão de que assim deve ser. BTG Digital pega tração e inicia-se um processo vigoroso de cross sell e upsell no varejo a partir dele e do Banco Pan. O mercado começa a fazer conta e considerar um spin-off da operação lá na frente, com listagem em Bolsa, mas preservação do controle. O banco segue dividindo com Itaú BBA processos de IPOs, follow-ons, privatizações, emissão de dívida. A XP, por sua vez, começa a sofrer pressão de margem, tendo primeiras dificuldades em sair de um ambiente de monopólio em termos práticos para outro de real concorrência. Modelo de agente autônomo começa a ser questionado de maneira mais veemente, pelo mercado e pelos clientes, por conta do conflito e também porque implica mais custos à operação (a plataforma tem que dividir o bolo com o AAI e, portanto, vai ter menos margem ou vai cobrar mais caro do cliente; fica difícil concorrer com plataformas 100% digitais, que pagam cashback, não têm conflito e podem oferecer produtos mais baratos e alinhados com o cliente). Além disso, começa sua penetração em nicho de mercado de maior consumo de capital e taxas menores de crescimento, o que vai implicar de-rating (múltiplos menores).
vii. A prata vai subir mais de 25% no ano. Primeiramente pela continuidade da impressão cavalar de dinheiro, que deprime o valor da moeda fiduciária e valoriza ativos físicos. E depois por conta de seu uso industrial, num ambiente em que ainda predominam grandes dificuldades de produção e logística nas cadeias de suprimentos.
viii. A Direcional Engenharia (DIRR3) será a grande surpresa de dividendos em 2021. Na minha conta, a companhia vai fazer R$ 210 milhões de lucro neste ano (e algo absurdo entre R$ 320 milhões e R$ 350 milhões em 2022). Somando recompra e dividendos, a remuneração ao acionista vai passar de 10%, para uma companhia que é P/E 5x lá na frente. Pode dobrar, pagando 10% de yield.
ix. Vamos acabar com essa história de LAME4, LAME3, BTOW3… Com o desenvolvimento do e-commerce e do omnichannel, com uma possibilidade quase única de transitar entre os mundos físicos, digital, de crédito e, se quiser, até de investimentos (tem cultura, cliente e disponibilidade de capital para isso), não faz muito sentido manter todas essas coisas listadas em separado. No contexto atual, não me surpreenderia se o controlador estivesse incomodado e resolvesse implementar uma reestruturação societária que implicasse listagem num único veículo, migração para o Novo Mercado e simplificação da estrutura. O resultado seria melhora da governança, mais liquidez, ganho de participação nos índices e, claro, boa valorização em Bolsa.
x. O bitcoin vai subir mais 50% neste ano, mesmo depois da explosão em 2020. Não há aumento de oferta, por definição. Demanda vem aumentando, seja por uso como meio de troca (ainda que fora do mainstream mais clássico), seja por objetivo especulativo. Segue o tema “cash is trash”, o famoso “bear market do dinheiro”, valorizando tudo que é alternativa. Vai ficando mais institucionalizado e vira uma espécie de bola de neve, numa profecia autorrealizável.
E para imitar de vez Byron Wien, deixo uma última de sobra.
Não acho que tenha errado sobre a privatização da Eletrobras — apenas fui um homem à frente do meu tempo (esclarecimento: isso é uma piada.). Acredito que sai em 2021, depois de muito choro e ranger de dentes, de termos convicção de que não sairia. As ações sobem bastante como consequência, mas Coelce (COCE5) sobe ainda mais, porque abre-se caminho para fechamento de capital pela Enel, um desejo antigo que só não se materializou ainda pelas dificuldades impostas pela acionista estatal. Seria a surpresa em cima da surpresa. O gol de bicicleta. Assim poderíamos encerrar. Termina no auge antes de fazer bobagem.
Rodolfo Amstalden: Só um momento, por favor
Qualquer aposta que fizermos na direção de um trade eleitoral deverá ser permeada e contida pela indefinição em relação ao futuro
Cada um tem seu momento: Ibovespa tenta manter o bom momento em dia de pacote de Lula contra o tarifaço
Expectativa de corte de juros nos Estados Unidos mantém aberto o apetite por risco nos mercados financeiros internacionais
De olho nos preços: Ibovespa aguarda dados de inflação nos Brasil e nos EUA com impasse comercial como pano de fundo
Projeções indicam que IPCA de julho deve acelerar em relação a junho e perder força no acumulado em 12 meses
As projeções para a inflação caem há 11 semanas; o que ainda segura o Banco Central de cortar juros?
Dados de inflação no Brasil e nos EUA podem redefinir apostas em cortes de juros, caso o impacto tarifário seja limitado e os preços continuem cedendo
Felipe Miranda: Parada súbita ou razões para uma Selic bem mais baixa à frente
Uma Selic abaixo de 12% ainda seria bastante alta, mas já muito diferente dos níveis atuais. Estamos amortecidos, anestesiados pelas doses homeopáticas de sofrimento e pelo barulho da polarização política, intensificada com o tarifaço
Ninguém segura: Ibovespa tenta manter bom momento em semana de balanços e dados de inflação, mas tarifaço segue no radar
Enquanto Brasil trabalha em plano de contingência para o tarifaço, trégua entre EUA e China se aproxima do fim
O que Donald Trump e o tarifaço nos ensinam sobre negociação com pessoas difíceis?
Somos todos negociadores. Você negocia com seu filho, com seu chefe, com o vendedor ambulante. A diferença é que alguns negociam sem preparo, enquanto outros usam estratégias.
Efeito Trumpoleta: Ibovespa repercute balanços em dia de agenda fraca; resultado da Petrobras (PETR4) é destaque
Investidores reagem a balanços enquanto monitoram possível reunião entre Donald Trump e Vladimir Putin
Ainda dá tempo de investir na Eletrobras (ELET3)? A resposta é sim — mas não demore muito
Pelo histórico mais curto (como empresa privada) e um dividendo até pouco tempo escasso, a Eletrobras ainda negocia com um múltiplo de cinco vezes, mas o potencial de crescimento é significativo
De olho no fluxo: Ibovespa reage a balanços em dia de alívio momentâneo com a guerra comercial e expectativa com Petrobras
Ibovespa vem de três altas seguidas; decisão brasileira de não retaliar os EUA desfaz parte da tensão no mercado
Rodolfo Amstalden: Como lucrar com o pegapacapá entre Hume e Descartes?
A ocasião faz o ladrão, e também faz o filósofo. Há momentos convidativos para adotarmos uma ou outra visão de mundo e de mercado.
Complicar para depois descomplicar: Ibovespa repercute balanços e início do tarifaço enquanto monitora Brasília
Ibovespa vem de duas leves altas consecutivas; balança comercial de julho é destaque entre indicadores
Anjos e demônios na bolsa: Ibovespa reage a balanços, ata do Copom e possível impacto de prisão de Bolsonaro sobre tarifaço de Trump
Investidores estão em compasso de espera quanto à reação da Trump à prisão domiciliar de Bolsonaro
O Brasil entre o impulso de confrontar e a necessidade de negociar com Trump
Guerra comercial com os EUA se mistura com cenário pré-eleitoral no Brasil e não deixa espaço para o tédio até a disputa pelo Planalto no ano que vem
Felipe Miranda: Em busca do heroísmo genuíno
O “Império da Lei” e do respeito à regra, tão caro aos EUA e tão atrelado a eles desde Tocqueville e sua “Democracia na América”, vai dando lugar à necessidade de laços pessoais e lealdade individual, no que, inclusive, aproxima-os de uma caracterização tipicamente brasileira
No pain, no gain: Ibovespa e outras bolsas buscam recompensa depois do sacrifício do último pregão
Ibovespa tenta acompanhar bolsas internacionais às vésperas da entra em vigor do tarifaço de Trump contra o Brasil
Gen Z stare e o silêncio que diz (muito) mais do que parece
Fomos treinados a reconhecer atenção por gestos claros: acenos, olho no olho, perguntas bem colocadas. Essa era a gramática da interação no trabalho. Mas e se os GenZs estiverem escrevendo com outra sintaxe?
Sem trégua: Tarifaço de Trump desata maré vermelha nos mercados internacionais; Ibovespa também repercute Vale
Donald Trump assinou na noite de ontem decreto com novas tarifas para mais de 90 países que fazem comércio com os EUA; sobretaxa de 50% ao Brasil ficou para a semana que vem
A ação que caiu com as tarifas de Trump mas, diferente de Embraer (EMBR3), ainda não voltou — e segue barata
Essas ações ainda estão bem abaixo dos níveis de 8 de julho, véspera do anúncio da taxação ao Brasil — o que para mim é uma oportunidade, já que negociam por apenas 4 vezes o Ebitda
O amarelo, o laranja e o café: Ibovespa reage a tarifaço aguado e à temporada de balanços enquanto aguarda Vale
Rescaldo da guerra comercial e da Super Quarta competem com repercussão de balanços no Brasil e nos EUA