Carta a um jovem analista
Meu jovem amigo,
Imagino que você ainda não tenha decidido qual será sua profissão. Você estaria procurando neste texto alguma indicação para descobrir se quer mesmo se tornar analista de investimentos. E estaria perguntando: será que há como saber se tenho o que é preciso para dar certo?
É uma ótima pergunta. Para ser bom analista, é útil que a gente possua alguns traços de caráter ou de personalidade que, dito aqui entre nós, dificilmente podem ser adquiridos no decorrer da formação: melhor mesmo que eles estejam com você desde o começo.
A esta altura, talvez você já tenha percebido: eu me correspondo com esta newsletter usando como referência o livro “Cartas a um jovem terapeuta”, do Contardo Calligaris, me apropriando do título e de seu começo para nossa conversa.
Primeiro para servir de uma espécie de pequena homenagem e demonstração de minha gratidão ao Contardo. Aprendi muito com ele, em seus textos, palestras e cursos. Até mesmo suas ideias sobre imanência e transcendência me são úteis nas escolhas intertemporais de investimento. Falei mais de minha admiração no último episódio do podcast Empiricus Puro Malte.
Também gostaria de agradecê-lo pela generosidade com que nos atendeu em um dos eventos de aniversário da Empiricus. Almoçamos juntos naquele dia e conversamos sobre várias coisas, de ideias para o Brasil a passeios de moto, preferências musicais e jeitos de cuidar do dinheiro.
Leia Também
Por mais que tenhamos estado juntos presencialmente só uma vez, eu o tinha como um amigo, dada sua influência intelectual sobre mim, ainda que ele jamais tenha sabido da nossa rica amizade unilateral. Foi também nesse dia que, de algum modo, sem que isso também possa expressar uma proximidade além daquela que temos de fato, estabeleci uma relação com a Maria Homem, que muito admiro — tenho a esperança de que ela possa ser revisora do meu próximo livro, uma adaptação para crianças do “Princípios do Estrategista”. Para minha alegria, já houve um aceite informal e eu espero que ela possa ser acalentada neste difícil momento da partida. Para mim, educação infantil — e incluo, claro, a educação financeira como parte importante disso — é coisa séria, de modo que fiz questão de que o livro fosse submetido a um(a) psicoterapeuta antes de sua publicação.
O segundo motivo de me referir explícita e tacitamente a “Cartas a um jovem terapeuta” é que entendo que a própria leitura do livro poderia lhe ser útil para sua formação como analista e investidor.
Explico.
Há características recomendáveis a um terapeuta que se estendem também a um analista de investimento. Sejamos sinceros: empresas, em última instância, são pessoas. Este será o grande diferencial, em especial num mundo que muda tão depressa: a capacidade humana de reagir e se adaptar a um novo cenário. Portanto, o analista — seja ele de pessoas ou de empresas, que no fundo é a mesma coisa — terá de ter uma sensibilidade desenvolvida, dispondo, ele mesmo, de elementos de observação e empatia social.
Claro que você também vai precisar do conhecimento do instrumental teórico clássico das finanças, do domínio das técnicas de valuation, da capacidade de operar planilhas, do rigor formal do cálculo matemático e da disciplina estoica para atualizar modelos quantitativos razoavelmente pesados. Mas, sejamos sinceros, depois da Wikipédia e do Excel, isso virou ciclo básico. Quaisquer poucas horas à frente do Google e do YouTube perfazem esse escopo. O diferencial mesmo não virá daí. Conta e tabela todo mundo sabe fazer. O preenchimento de planilhas não gera inteligência.
Recorro a algumas ideias do próprio Contardo sobre características desejáveis para um terapeuta. Eu as adapto para o contexto dos investimentos.
Contardo faz um primeiro alerta importante: o psicoterapeuta não encontra nada parecido com a espécie de gratidão que, em geral, é reservada ao médico. Talvez essa seja uma dinâmica mais geral. Lembro-me de Kafka: “Você conhece a gratidão dos filhos…”. Essa é mesmo uma virtude rara. O analista não deve esperar gratidão de seus leitores. Se o investidor seguir sua recomendação e der certo, o mérito será sempre do investidor. Já se der errado, culpa do analista, claro. E lembre-se: muitas vezes, vai dar errado. Todos nós erramos, todos os dias. Freud dizia que há três tarefas impossíveis: educar, governar e analisar — aqui, ele fala de analisar no sentido psicanalítico, mas bem que poderia transpor-se também para o contexto dos investimentos. Teria sido um ato falho de seu inconsciente, antevendo o “financial deepening” em mais de um século?
Haveria, segundo Contardo, quatro traços de caráter a serem procurados em quem quisesse se tornar psicoterapeuta:
1. “Um gosto pronunciado pela palavra e um carinho espontâneo pelas pessoas, por mais diferentes que sejam de você.” No nosso contexto, vale para pessoas e para empresas. Até Warren Buffett já manifestou a importância do apreço pela palavra, dizendo que saber escrever costuma ser um diferencial importante do bom investidor (ou analista/gestor). Mais do que isso, há uma coisa fundamental: capacidade de interlocução. Você só terá acesso à informação de qualidade, que é a fonte primeira de geração de retornos extraordinários, a partir da conexão com as pessoas certas, seja dentro das empresas, seja com outros gestores, analistas, políticos. Essa capacidade de criar laços é relevante. E ela precisa ser genuína, com pessoas e com as companhias. Não há espaço para atitudes do tipo “essa empresa do setor elétrico é muito diferente da Empiricus; não gosto dela e, portanto, não vou recomendar”. Não se permite o narcisismo das pequenas diferenças em Bolsa. Você precisa manter uma perspectiva aberta e aproximar-se das empresas, de qualquer setor ou ramo de atividade, de forma empática e até mesmo carinhosa.
2. “Uma extrema curiosidade pela variedade da experiência humana com o mínimo possível de preconceito. Você pode ter crenças e convicções. Aliás, é ótimo que você as tenha, mas, se essas convicções acarretam aprovação ou desaprovação morais preconcebidas das condutas humanas, sua chance de ser um bom psicoterapeuta é muito reduzida, para não dizer nula.” Você precisa ser profundamente curioso para descobrir algo que o mercado ainda não colocou no preço do respectivo ativo. E deve aplicar essa curiosidade sem nenhum tipo de preconceito. Você pode ser um liberal convicto — como é o meu caso. Mas não deveria impedir que sua descrença no Estado como gestor contaminasse eventuais decisões sobre investir em estatais, quando os preços se mostram especialmente convidativos. Você pode ter perdido muito dinheiro com telecom no passado, mas não deve permitir que isso seja um bloqueio para novas investidas no setor — ao contrário, a experiência pregressa pode servir de guia para evitar novos percalços e identificar o que faltou daquela vez e pode estar presente agora.
3. “Além de uma grande e indulgente curiosidade pela variedade da experiência humana, eu gostaria que o futuro terapeuta tivesse, nessa variedade, uma certa quilometragem rodada.” Dificilmente você vai conseguir separar uma real boa oportunidade de uma ruim se não tiver certa vivência. Do sublime ao ridículo é só um passo. Do “value” ao “value trap” também. Da persistência à teimosia, idem. Inteligência de rua conta. Pode parecer ridículo mas, embora não possa provar isso cientificamente, carrego uma suspeita forte de que experiências sexuais, etílicas (ou qualquer outra substância de sua preferência, sem preconceitos), coletivas, esportivas e de liderança compõem um rico repertório para a formação de um grande investidor. Desenvolve-se intuição, que é a capacidade de reconhecer padrões — ora, como identificar um padrão se você nunca viveu aquilo? Quanto mais experiências, em profundidade e amplitude, melhor… Como resume Contardo, “gostaria que a capacidade de considerar a variedade das vidas e das condutas com carinho e indulgência viesse ao terapeuta da variedade animada da sua própria vida”. Meninos de apartamento, criados à base de leite com pera, herdeiros, cintos combinando com o sapato… essas coisas podem dar certo, claro, mas a chance é menor. Uma mente aberta, estimulada por uma experiência humana plural, ajuda. Street smartness não se aprende na Wikipédia.
4. “O quarto e último traço que gostaria de encontrar no futuro psicoterapeuta é uma boa dose de sofrimento psíquico. Desaconselho a profissão a quem está ‘muito bem, obrigado’.” Aqui vale literal e metaforicamente. Sob a ótica literal, a sensibilidade, já demonstrada como importante para identificar boas oportunidades de investimento nas linhas acima, dificilmente será desenvolvida sem alguma dose de sofrimento psíquico. Como metáfora, o sofrimento para o investidor é o prejuízo financeiro. É improvável ser um grande investidor se você não acumula uma série de prejuízos. Só há um analista/gestor/investidor imaculado: o iniciante, aquele que nunca fez nada. Os erros, as cicatrizes, as costas marcadas de tanto apanhar são demonstrações de anos na estrada, do acúmulo de experiência que o prepara para a situação posterior. São os equívocos pretéritos que pavimentam a via para o acerto futuro. No pain, no gain.
Se você preenche os pontos de 1 a 4, então, bem-vindo ao clube: talvez a análise de investimentos seja uma profissão para você.
As lições do Chile para o Brasil, ata do Copom, dados dos EUA e o que mais movimenta a bolsa hoje
Chile, assim como a Argentina, vive mudanças políticas que podem servir de sinal para o que está por vir no Brasil. Mercado aguarda ata do Banco Central e dados de emprego nos EUA
Chile vira a página — o Brasil vai ler ou rasgar o livro?
Não por acaso, ganha força a leitura de que o Chile de 2025 antecipa, em diversos aspectos, o Brasil de 2026
Felipe Miranda: Uma visão de Brasil, por Daniel Goldberg
O fundador da Lumina Capital participou de um dos episódios de ‘Hello, Brasil!’ e faz um diagnóstico da realidade brasileira
Dividendos em 2026, empresas encrencadas e agenda da semana: veja tudo que mexe com seu bolso hoje
O Seu Dinheiro traz um levantamento do enorme volume de dividendos pagos pelas empresas neste ano e diz o que esperar para os proventos em 2026
Como enterrar um projeto: você já fez a lista do que vai abandonar em 2025?
Talvez você ou sua empresa já tenham sua lista de metas para 2026. Mas você já fez a lista do que vai abandonar em 2025?
Flávio Day: veja dicas para proteger seu patrimônio com contratos de opções e escolhas de boas ações
Veja como proteger seu patrimônio com contratos de opções e com escolhas de boas empresas
Flávio Day nos lembra a importância de ter proteção e investir em boas empresas
O evento mostra que ainda não chegou a hora de colocar qualquer ação na carteira. Por enquanto, vamos apenas com aquelas empresas boas, segundo a definição de André Esteves: que vão bem em qualquer cenário
A busca pelo rendimento alto sem risco, os juros no Brasil, e o que mais move os mercados hoje
A janela para buscar retornos de 1% ao mês na renda fixa está acabando; mercado vai reagir à manutenção da Selic e à falta de indicações do Copom sobre cortes futuros de juros
Rodolfo Amstalden: E olha que ele nem estava lá, imagina se estivesse…
Entre choques externos e incertezas eleitorais, o pregão de 5 de dezembro revelou que os preços já carregavam mais política do que os investidores admitiam — e que a Bolsa pode reagir tanto a fatores invisíveis quanto a surpresas ainda por vir
A mensagem do Copom para a Selic, juros nos EUA, eleições no Brasil e o que mexe com seu bolso hoje
Investidores e analistas vão avaliar cada vírgula do comunicado do Banco Central para buscar pistas sobre o caminho da taxa básica de juros no ano que vem
Os testes da família Bolsonaro, o sonho de consumo do Magalu (MGLU3), e o que move a bolsa hoje
Veja por que a pré-candidatura de Flávio Bolsonaro à presidência derrubou os mercados; Magazine Luiza inaugura megaloja para turbinar suas receitas
O suposto balão de ensaio do clã Bolsonaro que furou o mercado: como fica o cenário eleitoral agora?
Ainda que o processo eleitoral esteja longe de qualquer definição, a reação ao anúncio da candidatura de Flávio Bolsonaro deixou claro que o caminho até 2026 tende a ser marcado por tensão e volatilidade
Felipe Miranda: Os últimos passos de um homem — ou, compre na fraqueza
A reação do mercado à possível candidatura de Flávio Bolsonaro reacende memórias do Joesley Day, mas há oportunidade
Bolha nas ações de IA, app da B3, e definições de juros: veja o que você precisa saber para investir hoje
Veja o que especialista de gestora com mais de US$ 1,5 trilhão em ativos diz sobre a alta das ações de tecnologia e qual é o impacto para o mercado brasileiro. Acompanhe também a agenda da semana
É o fim da pirâmide corporativa? Como a IA muda a base do trabalho, ameaça os cargos de entrada e reescreve a carreira
As ofertas de emprego para posições de entrada tiveram fortes quedas desde 2024 em razão da adoção da IA. Como os novos trabalhadores vão aprender?
As dicas para quem quer receber dividendos de Natal, e por que Gerdau (GGBR4) e Direcional (DIRR3) são boas apostas
O que o investidor deve olhar antes de investir em uma empresa de olho dos proventos, segundo o colunista do Seu Dinheiro
Tsunami de dividendos extraordinários: como a taxação abre uma janela rara para os amantes de proventos
Ainda que a antecipação seja muito vantajosa em algumas circunstâncias, é preciso analisar caso a caso e não se animar com qualquer anúncio de dividendo extraordinário
Quais são os FIIs campeões de dezembro, divulgação do PIB e da balança comercial e o que mais o mercado espera para hoje
Sete FIIs disputam a liderança no mês de dezembro; veja o que mais você precisa saber hoje antes de investir
Copel (CPLE3) é a ação do mês, Ibovespa bate novo recorde, e o que mais movimenta os mercados hoje
Empresa de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, a Copel é a favorita para investir em dezembro. Veja o que mais você precisa saber sobre os mercados hoje
Mais empresas no nó do Master e Vorcaro, a escolha do Fed e o que move as bolsas hoje
Titan Capital surge como peça-chave no emaranhado de negócios de Daniel Vorcaro, envolvendo mais de 30 empresas; qual o risco da perda da independência do Fed, e o que mais o investidor precisa saber hoje