Mesmo com a pandemia de Covid-19 e as instabilidades na economia doméstica, a bolsa brasileira viu uma explosão no número de aberturas de capital (IPOs): de 2020 para cá, 71 empresas estrearam na B3 e conseguiram levantar recursos valiosos em meio à crise — só que, passada a euforia inicial, a maior parte dessas companhias têm passado por apuros.
Levantamento feito pelo Seu Dinheiro mostra que, entre as novatas da bolsa, apenas 22 estão com desempenho positivo em relação ao preço do IPO — o que equivale a apenas 30,9% do total. Entre as que estão no vermelho, há ações que acumulam perdas de mais de 70% desde a estreia.
E o que explica esse comportamento? Bem, não há uma causa única — a piora nas perspectivas da economia, a desconfiança em relação a determinados setores de atividade, a perda de confiança em algumas teses de investimento após os balanços trimestrais e a própria instabilidade da bolsa em si estão entre os principais motivos.
Entre as maiores baixas, Oceanpact ON (OPCT3), Moura Dubeux ON (MDNE3), Westwing ON (WEST3), Mobly ON (MBLY3) e D1000 ON (DMVF3) aparecem na lanterna do ranking — um grupo de ações bastante heterogêneo e que engloba setores bastante diversos da economia.
Na ponta oposta, no entanto, há alguns casos de bastante sucesso. Locaweb ON (LWSA3), por exemplo, mais que triplicou de valor desde o IPO, impulsionada por uma execução bastante firme de sua estratégia de crescimento; Méliuz ON (CASH3) e Grupo Vamos ON (VAMO3) completam o pódio das vencedoras dos IPOs — e, não à toa, as três já fizeram desdobramentos de suas ações, dada a valorização exponencial.
Empresa | Código | Setor | Preço IPO | Preço 19/11 | Variação |
Locaweb* | LWSA3 | Tecnologia | 4,31 | 15,05 | +249,2% |
Méliuz** | CASH3 | Serviços financeiros / tecnologia | 1,67 | 3,97 | +138,2% |
Grupo Vamos* | VAMO3 | Infraestrutura e logística | 6,50 | 12,87 | +98,0% |
Ambipar | AMBP3 | Infraestrutura e logística | 24,75 | 46,00 | +85,9% |
Intelbras | INTB3 | Varejo | 15,75 | 29,05 | +84,4% |
Armac | ARML3 | Infraestrutura e logística | 16,63 | 25,70 | +54,5% |
Grupo Soma | SOMA3 | Varejo | 9,90 | 15,27 | +54,2% |
Boa Safra | SOJA3 | Agroindústria | 9,90 | 14,92 | +50,7% |
Aeris | AERI3 | Infraestrutura e logística | 5,50 | 8,14 | +48,0% |
Grupo Vittia | VITT3 | Agroindústria | 8,60 | 12,60 | +46,5% |
Track&Field | TFCO4 | Varejo | 9,25 | 13,31 | +43,9% |
Petz | PETZ3 | Varejo | 13,75 | 19,55 | +42,2% |
3R Petroleum | RRRP3 | Commodities | 21,00 | 29,00 | +38,1% |
Grupo GPS | GGPS3 | Infraestrutura e logística | 12,00 | 15,65 | +30,4% |
Orizon | ORVR3 | Infraestrutura e logística | 22,00 | 26,77 | +21,7% |
Jalles Machado | JALL3 | Agroindústria | 8,30 | 10,05 | +21,1% |
BR Partners | BRBI11 | Serviços financeiros | 16,00 | 18,00 | +12,5% |
CBA Alumínio | CBAV3 | Commodities | 11,50 | 12,48 | +8,5% |
Viveo | VVEO3 | Saúde | 19,92 | 20,59 | +3,4% |
Pague Menos | PGMN3 | Varejo | 8,50 | 8,69 | +2,2% |
Infracommerce | IFCM3 | Tecnologia | 16,00 | 16,10 | +0,6% |
Sequoia | SEQL3 | Infraestrutura e logística | 12,40 | 12,42 | +0,2% |
SmartFit | SMFT3 | Varejo | 23,00 | 22,72 | -1,2% |
Caixa Seguridade | CXSE3 | Serviços financeiros | 9,67 | 9,46 | -2,2% |
Rede D'Or | RDOR3 | Saúde | 57,92 | 55,70 | -3,8% |
Blau Famacêutica | BLAU3 | Saúde | 40,14 | 38,13 | -5,0% |
Allied | ALLD3 | Tecnologia | 18,00 | 16,92 | -6,0% |
Petrorecôncavo | RECV3 | Commodities | 14,75 | 13,56 | -8,1% |
Alphaville | AVLL3 | Construção e incorporação | 29,50 | 26,50 | -10,2% |
Hospital Mater Dei | MATD3 | Saúde | 17,44 | 15,58 | -10,7% |
Quero Quero | LJQQ3 | Varejo | 12,65 | 11,28 | -10,8% |
Raízen | RAIZ4 | Energia | 7,40 | 5,93 | -19,9% |
Livetech da Bahia | LVTC3 | Tecnologia | 23,20 | 18,35 | -20,9% |
Unifique | FIQE3 | Tecnologia | 8,60 | 6,60 | -23,3% |
Cury | CURY3 | Construção e incorporação | 9,35 | 6,99 | -25,2% |
Kora Saúde | KRSA3 | Saúde | 7,20 | 5,35 | -25,7% |
Priner | PRNR3 | Infraestrutura e logística | 10,00 | 7,36 | -26,4% |
Grupo Mateus | GMAT3 | Varejo | 8,97 | 6,60 | -26,4% |
Focus Energia | POWE3 | Energia | 18,02 | 13,05 | -27,6% |
3tentos | TTEN3 | Agroindústria | 12,25 | 8,86 | -27,7% |
Neogrid | NGRD3 | Tecnologia | 4,50 | 3,25 | -27,8% |
Desktop | DESK3 | Varejo | 23,50 | 16,60 | -29,4% |
Bemobi | BMOB3 | Tecnologia | 22,00 | 15,53 | -29,4% |
CSN Mineração | CMIN3 | Commodities | 8,50 | 5,93 | -30,2% |
Boa Vista | BOAS3 | Serviços financeiros | 12,20 | 8,51 | -30,2% |
TradersClub | TRAD3 | Tecnologia | 9,50 | 6,59 | -30,6% |
Eletromidia | ELMD3 | Tecnologia | 17,81 | 12,33 | -30,8% |
Clear Sale | CLSA3 | Tecnologia | 25,00 | 16,60 | -33,6% |
Agrogalaxy | AGXY3 | Agroindústria | 13,75 | 9,00 | -34,5% |
Multilaser | MLAS3 | Varejo | 11,10 | 6,96 | -37,3% |
Modalmais | MODL11 | Serviços financeiros | 20,01 | 12,24 | -38,8% |
Lavvi | LAVV3 | Construção e incorporação | 9,50 | 5,15 | -45,8% |
HBR Realty | HBRE3 | Construção e incorporação | 19,10 | 10,35 | -45,8% |
Espaçolaser | ESPA3 | Saúde | 17,90 | 9,56 | -46,6% |
Brisanet | BRIT3 | Tecnologia | 13,92 | 6,85 | -50,8% |
Melnick | MELK3 | Construção e incorporação | 8,50 | 4,11 | -51,6% |
Cruzeiro do Sul | CSED3 | Educação | 14,00 | 6,60 | -52,9% |
Oncoclínicas | ONCO3 | Saúde | 19,75 | 9,23 | -53,3% |
Estapar | ALPK3 | Infraestrutura e logística | 10,50 | 4,73 | -55,0% |
Mosaico | MOSI3 | Tecnologia | 19,80 | 8,90 | -55,1% |
Hidrovias do Brasil | HBSA3 | Infraestrutura e logística | 7,56 | 3,01 | -60,2% |
Plano & Plano | PLPL3 | Construção e incorporação | 9,40 | 3,28 | -65,1% |
Mitre Realty | MTRE3 | Construção e incorporação | 19,30 | 6,60 | -65,8% |
Enjoei | ENJU3 | Varejo/tecnologia | 10,25 | 3,46 | -66,2% |
GetNinjas | NINJ3 | Tecnologia | 20,00 | 6,56 | -67,2% |
Dotz | DOTZ3 | Serviços financeiros | 13,20 | 4,20 | -68,2% |
D1000 | DMVF3 | Varejo | 17,00 | 5,05 | -70,3% |
Mobly | MBLY3 | Varejo / Tecnologia | 21,00 | 6,19 | -70,5% |
Westwing | WEST3 | Varejo / Tecnologia | 13,00 | 3,75 | -71,2% |
Moura Dubeux | MDNE3 | Construção e incorporação | 19,00 | 5,44 | -71,4% |
Oceanpact | OPCT3 | Infraestrutura e logística | 11,15 | 3,10 | -72,2% |
IPOs que dão dor de cabeça
Ao optar pelo caminho da abertura de capital, uma empresa precisa cumprir uma série de rituais. É necessário protocolar documentos que mostrem, em detalhes, a evolução dos principais indicadores operacionais e financeiros e as perspectivas para o curto, médio e longo prazos; os fatores de risco ao negócio e o destino dos recursos a serem levantados com os IPOs também devem ser expostos.
A ideia é passar o quadro mais completo possível para os potenciais investidores: uma vez exposto esse 'raio x' da companhia, os participantes do mercado de ações podem decidir se vale a pena ou não entrar nos IPOs. Assim, quem opta por fazer parte do processo está convencido de que os papéis irão se valorizar na bolsa.
Dito isso, o xis da questão é exatamente a parte das perspectivas: há uma série de fatores externos às empresas que afetar drasticamente as projeções — e a piora nas variáveis macroeconômicas teve um efeito bastante nocivo para muitas das estreantes.
Veja, por exemplo, a elevação na Selic: a taxa básica de juros estava em 2% ao ano em janeiro, nas mínimas históricas; era um cenário animador para companhias que estão numa fase de forte crescimento, como as do setor de tecnologia — quanto menores os juros, menor é a taxa de desconto nas ações.
Só que a inflação alta fez com que o BC entrasse num ciclo de aperto monetário bastante intenso, levando a Selic a 7,75% ao ano; o consenso no mercado é de que os juros vão continuar subindo em 2022, ficando acima dos 10%. Isso, por si só, obriga uma correção no preço das ações das techs, que agora têm uma taxa maior de desconto.
Construtoras e incorporadoras também são particularmente impactadas pela elevação na Selic, uma vez que juros mais altos implicam em condições menos favoráveis para o financiamento imobiliário. A competição acirrada em alguns mercados e a presença de players consolidados e com grande poder de fogo, como MRV e Cyrela, é uma dificuldade extra para esse segmento.
Mas não é só isso. Juros mais altos implicam em menor crescimento econômico e, consequentemente, comprime a expectativa de lucro das empresas — o que tira o impulso do mercado de ações e eleva a cautela dos investidores, que passam a procurar teses mais defensivas e resilientes. E, em geral, IPOs recém-concluídos não têm essas categorias.
É claro que os fatores exógenos não são os únicos culpados pelo mau desempenho de muitas das estreantes da bolsa. Os balanços do segundo e do terceiro trimestre decepcionaram muitos dos investidores, que enxergaram uma taxa de crescimento aquém do esperado em algumas dessas empresas — um pecado quase capital na confiança do mercado.
Nem tudo é ruim
Considerando essa combinação de fatores, há algumas estreantes que têm tido bastante sucesso na bolsa brasileira. Seja por executarem sua estratégia à risca, seja por atuarem num mercado que está aquecido, algumas empresas caíram nas graças dos investidores e, inclusive, já fazem parte da carteira do Ibovespa.
Locaweb e Ambipar são dois dos exemplos mais emblemáticos: ambas prometeram usar os recursos dos IPOs para fazer aquisições e crescer — e têm feito isso de maneira consistente, anunciando compras e fusões de outras empresas com relativa frequência e entregando resultados trimestrais fortes.
Grupo Soma (SOMA3) e Petz (PETZ3) também se destacaram desde a estreia na bolsa, realizando aquisições estratégicas e entregando um ritmo de crescimento acima da média — o que, de certa maneira, permitiu a elas realizarem novas captações via emissão de ações, apesar das condições desfavoráveis do mercado.