O Brasil é um meme macunaímico, mas antifrágil
Há muito tempo, tenho comigo que o Brasil — não sei se por razões sociológicas, antropológicas ou econômicas — carrega uma tendência à mediocridade, à complacência, à procrastinação, à reversão à média

“Muitas vezes, parece que o Brasil vai cair no buraco. Mas, no final, o Brasil não cai, nem consegue cair, porque ele é maior do que o buraco.”
Ouvi essa frase do Eike Batista, cuja autoria é de seu pai, Eliezer, segundo ele mesmo contou. Não que o Eike seja assim propriamente um exemplo na atividade de escolher bons buracos e furos a se fazer, mas a metáfora me pareceu bastante pertinente. Cada país tem o Howard Hughes que merece.
É uma forma bastante imagética de descrever uma ideia antiga que carrego comigo. No fim, o cérebro guarda mesmo as histórias, as imagens, as metáforas, os mitos — a evolução não nos moldou para valorizarmos cálculos e equações. As emoções e sentimentos são heurísticas para nossa racionalidade; e as emoções são muito mais facilmente despertadas por símbolos e imagens. Para fugir de um leão na savana africana, você não vai recorrer a cálculos de mecânica; você vai apenas correr.
Há muito tempo, tenho comigo que o Brasil — não sei se por razões sociológicas, antropológicas ou econômicas — carrega uma tendência à mediocridade, à complacência, à procrastinação, à reversão à média.
Esclarecimento importante: ao me referir a Brasil, trato de questões de Estado, não de governo. O que é a nossa essência, nossa natureza, nossa constituição, com “c” minúsculo, englobando instituições formais e informais.
Até entendo que essa característica esteja na essência das economias capitalistas em geral, com seus ciclos econômicos, sístole e diástole, superaquecimento e recessão. Faz parte do “business cycle” caminhar em torno de uma linha de tendência. Mas aqui sinto contornos mais marcantes do atributo. A independência da matriz para, de certo modo, continuar sob domínio português — acabou tudo em casa, sejamos sinceros. O manifesto antropofágico, nosso herói Macunaíma, a bossa nova, o tropicalismo (que resgata o manifesto antropofágico!), a ode ao jeitinho brasileiro. Ai, que preguiça.
Mas não olhemos para a coisa com viés pessimista. Tem um lado bom dessa história. Se, de um lado, vivemos uma eterna armadilha do país de renda média, sem conseguir “chegar lá” e estragando a caminhada sempre que parece que vai dar certo, por outro, não temos vocação para explosão. Em todas as vezes que flertamos com o precipício, voltamos na direção contrária, evitando nos jogar lá embaixo.
Fui saber depois, em conversa com um brilhante gestor carioca, que Paulo Guedes também tem sua própria metáfora para descrever o fenômeno, algo mais ou menos assim: “o Brasil é um cercadinho. Bate no limite de baixo e volta pra média. Vai subindo até tocar na banda superior; daí encontra um teto e retorna pra baixo de novo. E assim vamos indo”.
Talvez a melhor descrição seja de um brasileiro típico, descrita naquele famoso meme: “Já tava bão. Diz que ia mudar ainda pra melhor. Já não tava muito bão. Tava meio ruim tamém. Tava ruim. Agora parece que piorou”.
Brincadeiras à parte, decorre um corolário prático dessa história: compre Bolsa e juro longo sempre que ouvir que o país está prestes a explodir; venda quando as manchetes sugerirem que viramos a Dinamarca.
Volto a essa questão hoje porque ela é fundamental no momento. Sem entender as idiossincrasias brasileiras, dificilmente conseguiremos avançar em termos de alocação entre classes de ativos.
O risco à situação fiscal brasileira ficou tão grande nos últimos dias que agora ele é o menor em bastante tempo. Tivemos de arriscar romper a corda, com discussão (reconhecida pelo presidente em live) sobre furar o teto de gastos e especulações (devidamente negadas pelo presidente e pelo próprio ministro) de saída de Paulo Guedes do governo, para agora retomar o caminho das reformas fiscais, liberais e estruturantes.
Mais uma vez, precisamos nos assustar com a disparada do dólar e dos juros futuros e com o risco de saída do ministro para voltarmos a debater questões essenciais, que haviam sido deixadas em segundo plano. Obviamente, em um contexto de pandemia, todos viramos keynesianos — se até Kenneth Rogoff foi convertido, o que seria de nós? Mas então veio a ideia de que um pouco mais de gasto eleva a popularidade do presidente, uma ala do governo cobrava por mais dispêndios, ficou difícil manter o teto de gastos em 2021 diante de tantas despesas obrigatórias e do pouco espaço fiscal, perdemos dois secretários importantes… opa, para imediatamente! Caso contrário, vamos furar o teto e voltamos às mesmas condições de 2016 — as consequências são conhecidas.
Leia Também
Então, o que acontece agora provavelmente?
De forma curiosa, ao flertarmos com o abismo, com a chance de perdermos o apoio do empresariado e da Faria Lima/Leblon, com a probabilidade de chegarmos em 2022 tendo que subir juros e jogar a economia na recessão (o que impactaria negativamente a campanha eleitoral, claro), com o risco de ser associado a uma política econômica semelhante àquela de Dilma, Mantega e Arno, voltamos mais fortes em prol do fiscalismo.
Arrumamos, sim, algum dinheiro para obras, sobretudo no Nordeste, e também para o Renda Brasil. Mas isso vem acompanhado de gatilhos para conter despesas obrigatórias e garantir o cumprimento de gastos.
De forma pragmática, aumentamos dramaticamente a popularidade do presidente, com Renda Brasil e mais obras; melhoramos a relação com o Congresso e com a ala perdulária do governo (percamos a ingenuidade e entendamos que um governo nunca é uma unidade fechada sem visões antagônicas em si); incrementamos as chances de reeleição, afastando o risco sempre importante de retorno da esquerda realmente intervencionista ao poder. Tudo isso sob um custo fiscal razoavelmente baixo; inclusive, se conseguirmos fazer algo institucional e estrutural sobre gatilhos para contenção de despesas obrigatórias, podemos até ter um impacto negativo no Orçamento de 2021 do Renda Brasil e das obras requeridas, mas, em termos líquidos, ganhamos em termos de ajuste fiscal estrutural de longo prazo. Perdemos um pouco agora, para dar um passo na direção de um plano de voo crível.
Talvez de maneira contraintuitiva, parte do mercado parece não ter compreendido que podemos estar melhores agora em termos de riscos estruturais. O Renda Brasil é algo barato para garantir popularidade. Mais do que isso, com popularidade e sem risco de impeachment, o presidente pode se focar em outras medidas menos populares e de rigidez fiscal. Em termos objetivos, lembremos que o Lula 1 avançou em matéria fiscal com ortodoxia na política econômica, enquanto mantinha-se popular nas camadas mais baixas a partir do Bolsa Família, que era um programa bom e barato.
Lembremos ainda de duas questões importantes. Um programa de renda mínima aparece em várias cartilhas liberais — Hayek, por exemplo, defendeu em diversas situações algo nessa linha. Ao mesmo tempo, em um país tão desigual, um programa como o Renda Brasil é bastante defensável — o impacto social é brutal e essa inclusive é uma demanda global crescente, não sendo sobremaneira uma particularidade brasileira. Yuval Harari é um dos que chama atenção para o problema. Se, no século 20, a discussão era de uma classe capitalista que explorava uma classe operária sem alternativas com a mais-valia, o que será agora, visto que a classe operária sequer tem utilidade, pois suas funções são mais bem executadas por robôs? Aqueles antes explorados agora enfrentam uma situação ainda pior, a do completo desprezo. Se tinham uma função clara, agora nem isso resta. Num cenário assim, será crescente a demanda por um maior cuidado do Estado às classes menos favorecidas, e programas de renda mínima tendem a aparecer com mais frequência no mundo todo.
Eduardo Giannetti aponta uma contradição pertinente e curiosa sobre o Brasil: apesar de nosso subdesenvolvimento, carregamos conosco algum tipo de felicidade acima da média, o que ele chama de “vitalidade iorubá” — inclusive, questiona se isso poderia se manter conforme avançamos no processo civilizatório. Talvez pudéssemos adicionar uma outra: Macunaíma é o herói duplamente preguiçoso, mas, mesmo sem nenhum caráter, tem uma característica antifrágil. Ele volta mais forte a cada choque. O risco fiscal brasileiro ficou tão grande que agora ele diminuiu. Câmbio e juros parecem fora do lugar.
A solidez de um tiozão de Olympikus: a estratégia vencedora da Vulcabras (VULC3) e o que mexe com os mercados hoje
Conversamos com o CFO da Vulcabras, dona das marcas Olympikus e Mizuno, que se tornou uma queridinha entre analistas e gestores e paga dividendos mensais
Rodolfo Amstalden: O que o Nobel nos ensina sobre decisões de capex?
Bebendo do alicerce teórico de Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt se destacaram por estudar o papel das inovações tecnológicas nas economias modernas
A fome de aquisições de um FII que superou a crise da Americanas e tudo que mexe com o seu bolso nesta quarta (15)
A história e a estratégia de expansão do GGRC11, prestes a se tornar um dos cinco maiores FIIs da bolsa, são os destaques do dia; nos mercados, atenção para a guerra comercial, o Livro Bege e balanços nos EUA
Um atalho para a bolsa: os riscos dos IPOs reversos, da imprevisibilidade de Trump e do que mexe com o seu bolso hoje
Reportagem especial explora o caminho encontrado por algumas empresas para chegarem à bolsa com a janela de IPOs fechada; colunista Matheus Spiess explora o que está em jogo com a nova tarifa à China anunciada por Trump
100% de tarifa, 0% de previsibilidade: Trump reacende risco global com novo round da guerra comercial com a China
O republicano voltou a impor tarifas de 100% aos produtos chineses. A decisão foi uma resposta direta ao endurecimento da postura de Pequim
Felipe Miranda: Perdidos no espaço-tempo
Toda a Ordem Mundial dos últimos anos dá lugar a uma nova orientação, ao menos, por enquanto, marcada pela Desordem
Abuse, use e invista: C&A queridinha dos analistas e Trump de volta ao morde-assopra com a China; o que mexe com o mercado hoje?
Reportagem especial do Seu Dinheiro aborda disparada da varejista na bolsa. Confira ainda a agenda da semana e a mais nova guerra tarifária do presidente norte-americano
ThIAgo e eu: uma conversa sobre IA, autenticidade e o futuro do trabalho
Uma colab entre mim e a inteligência artificial para refletir sobre três temas quentes de carreira — coffee badging, micro-shifting e as demissões por falta de produtividade no home office
A pequena notável que nos conecta, e o que mexe com os mercados nesta sexta-feira (10)
No Brasil, investidores avaliam embate após a queda da MP 1.303 e anúncio de novos recursos para a construção civil; nos EUA, todos de olho nos índices de inflação
Esta ação subiu mais de 50% em menos de um mês – e tem espaço para ir bem mais longe
Por que a aquisição da Desktop (DESK3) pela Claro faz sentido para a compradora e até onde pode ir a Microcap
Menos leão no IR e mais peru no Natal, e o que mexe com os mercados nesta quinta-feira (9)
No cenário local, investidores aguardam inflação de setembro e repercutem derrota do governo no Congresso; nos EUA, foco no discurso de Powell
Rodolfo Amstalden: No news is bad news
Apuração da Bloomberg diz que os financistas globais têm reclamado de outubro principalmente por sua ausência de notícias
Pão de queijo, doce de leite e… privatização, e o que mexe com os mercados nesta quarta-feira (8)
No Brasil, investidores de olho na votação da MP do IOF na Câmara e no Senado; no exterior, ata do Fomc e shutdown nos EUA
O declínio do império americano — e do dólar — vem aí? Saiba também o que mexe com os mercados hoje
No cenário nacional, investidores repercutem ligação entre Lula e Trump; no exterior, mudanças políticas na França e no Japão, além de discursos de dirigentes do Fed
O dólar já não reina sozinho: Trump abala o status da moeda como porto seguro global — e o Brasil pode ganhar com isso
Trump sempre deixou clara sua preferência por um dólar mais fraco. Porém, na prática, o atual enfraquecimento não decorre de uma estratégia deliberada, mas sim de efeitos colaterais das decisões que abalaram a confiança global na moeda
Felipe Miranda: Lições de uma semana em Harvard
O foco do curso foi a revolução provocada pela IA generativa. E não se engane: isso é mesmo uma revolução
Tudo para ontem — ou melhor, amanhã, no caso do e-commerce — e o que mexe com os mercados nesta segunda-feira (6)
No cenário local, investidores aguardam a balança comercial de setembro; no exterior, mudanças de premiê na França e no Japão agitam as bolsas
Shopping centers: é melhor investir via fundos imobiliários ou ações?
Na última semana, foi divulgada alteração na MP que trata da tributação de investimentos antes isentos. Com o tema mais sensível retirado da pauta, os FIIs voltam ao radar dos investidores
A volta do campeão na ação do mês, o esperado caso da Ambipar e o que move os mercados nesta sexta-feira (3)
Por aqui, investidores ainda avaliam aprovação da isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil; no exterior, todos de olho no shutdown nos EUA, que suspendeu a divulgação de dados econômicos
Tragédia anunciada: o que a derrocada da Ambipar (AMBP3) ensina sobre a relação entre preço e fundamento
Se o fundamento não converge para o preço, fatalmente é o preço que convergirá para o fundamento, como no caso da Ambipar