🔴 VEM AÍ: ONDE INVESTIR NO 2º SEMESTRE – INSCREVA-SE GRATUITAMENTE

Contágio

O Banco Central tentou acalmar o mercado e encontrou como resposta ainda mais estresse e preocupação.

21 de setembro de 2020
12:28 - atualizado às 11:39
Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sentado em frente a um microfone
(Brasília - DF, 07/04/2020) Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. - Imagem: Foto: José Dias/PR

Há algo de podre no reino da Dinamarca?

Coloco em forma de pergunta porque, assim como o famoso personagem, tenho poucas certezas. Talvez seja sinal de sanidade ponderar entre ser e não ser. Se, por muito tempo, a dúvida era heresia que rendia a fogueira, no mercado financeiro é a certeza sobre as próprias convicções que pode levá-lo ao inferno. O excesso de confiança leva ao curto-prazismo, à alavancagem e a muita concentração. Uma única surpresa negativa e… boom!

No momento em que as Bolsas despencam no exterior com temores envolvendo o aumento de casos de coronavírus, outro contágio me preocupa. Desde a sexta-feira, noto uma pressão no mercado de dívida brasileiro, que começa a transbordar para câmbio e Bolsa. 

A questão envolve a coordenação (ou a eventual falta dela) entre política monetária e fiscal.

Na semana passada, o Copom manteve a Selic, reforçou seu “forward guidance” (a sinalização de que o juro básico deve seguir nos níveis atuais até 2022) e tratou o aumento dos IGPs como temporário, destacando o bom comportamento dos núcleos de inflação. Ele tentava acalmar o mercado, que demonstrava sinais de estresse, sobretudo desde o dia 10 de setembro. 

As reformas fiscais não andam conforme o esperado. A inflação tem sistematicamente superado as projeções — a mais recente prévia do IGP-M apontou alta de 4,57%, contra 2,34% em agosto (é a maior variação desde agosto de 1994). E existe um volume expressivo de vencimento da dívida pública e necessidade de rolagem: são R$ 92,164 bilhões de vencimento em títulos no quarto trimestre deste ano; R$ 286,1 bilhões entre janeiro e março de 2021; e R$ 320,6 bilhões entre abril e junho do próximo ano. 

Leia Também

Os formuladores de política econômica tentam mostrar que está tudo bem. O Tesouro continua sua estratégia de encurtamento da dívida pública e colocação de volumes expressivos de títulos em leilões diários. O Copom também tenta preservar a mesma estratégia de antes, tentando dissuadir o mercado de seu prognóstico de alta iminente das taxas de juros. 

O mercado reagiu elevando ainda mais as taxas de juros e penalizando os títulos públicos. A dinâmica é facilmente notada pelas taxas negativas observadas nas LFTs (Tesouro Selic) — o investidor começou a exigir mais taxa também nesses papéis e a se desfazer dos títulos no mercado; com a pressão vendedora e a marcação a mercado, tivemos variações negativas para um papel que, em tese, não teria risco de preço. Em outras palavras, há um recado tácito e sútil aqui: ao menos temporariamente, começa a se ponderar sobre o inominável, a espécie de Voldemort, aquilo que não se pode falar o nome: o risco de calote.  

O Banco Central tentou acalmar o mercado e encontrou como resposta ainda mais estresse e preocupação. 

Há ao menos quatro potenciais problemas da estratégia do Copom neste momento. Primeiro, existem muitas dúvidas sobre a efetividade de juros tão baixos e da adoção do forward guidance num país emergente com problemas fiscais. As condições são sempre instáveis e dinâmicas, além de muito suscetíveis a populismos de última hora e dificuldades de respeito ao Orçamento. Em complemento, existe um grau elevado de indexação da economia e uma volatilidade cambial enorme. Um panorama aparentemente bom pode mudar muito rapidamente. Em sendo assim, como se comprometer com um horizonte tão dilatado para a política monetária, se não conseguimos enxergar nem mesmo até o final do trimestre? Se o mundo pode ser outro em 2021, como fixar a intenção de manter a Selic nos níveis atuais até 2022? 

Isso nos leva ao segundo ponto. Política econômica não admite testes de laboratório. Tampouco temos experiências pregressas de adoção do forward guidance em países emergentes. Estamos em mares nunca dantes navegados e não sabemos direito como isso funciona. Há algo mais delicado aqui: é sempre muito custoso para o formulador de política econômica admitir um erro. Aliás, essa talvez seja uma das (várias) explicações para a maior eficiência do setor privado frente ao público. A atividade empresarial permite a tentativa e erro com mais facilidade. Você coloca várias coisas na rua e fica com aquela que funcionou melhor, sem tergiversar e sem problema em admitir o que não funcionou. No ambiente público não é assim. Você não consegue lançar vários programas sociais para testar qual vai dar certo. É muito custoso, política e socialmente, admitir que a maior parte deles não funcionou, ainda que isso seja necessário ao processo de descoberta.  

Neste caso particular, seria muito duro para o Copom, logo depois de ter adotado o forward guidance, admitir que não funcionou. Algo me lembra as aulas de política monetária com o Márcio Holland (ele era muito bom professor antes de ir para o governo e se transformar no Márcio Ovolland): credibilidade importa na política monetária. E admitir erros pode custar-lhe reputação (embora até pudesse argumentar que deveria ser o contrário, mas paciência).

O terceiro problema potencial é que o Banco Central vinha adotando uma postura de tomador de risco. Consigo compreender a estratégia. Acho inclusive que era racional ser assim, dadas as circunstâncias extraordinárias. Se você está em desespero ou perto da morte, claro que vai ser mais disposto ao risco do que alguém que está no conforto do seu sofá. Eu não toparia participar de um tratamento experimental para o câncer. Mas se estivesse com a doença em estágio avançado, provavelmente aceitaria. A ocasião faz o arriscadão. Contudo, o problema de ser tomador de risco é que, por construção, as coisas podem dar errado (se não pudessem, não seriam arriscadas). E quando o mercado começa a ficar mais avesso ao risco, as chances de as coisas darem errado aumentam. Não pode haver uma dissonância muito grande entre as percepções de mercado e as do Banco Central sobre o risco. Quando isso acontece, normalmente as percepções do mercado se impõem sobre as do BC. Enquanto há complacência com risco e disposição a baixos prêmios, parece tudo bem. Mas uma mudança de humor do mercado, aparentemente intangível, acaba forçando uma concreta alteração de postura em termos de taxas de juro.

Por fim, talvez estejamos com um fardo muito grande sobre o Copom. A essência do problema é a (falta de) perspectiva para a trajetória da dívida pública brasileira. Muitos já enxergam impossibilidade de manter o teto de gastos e simplesmente não temos visibilidade sobre o que vai acontecer. Há um ato de fé na capacidade do governo de retomar as reformas — com efeito, talvez ele tenha mesmo essa capacidade, mas, hoje, é tão somente um ato de fé, sem materialidade ou concretude. 

Em outras palavras, voltamos a flertar com a dominância fiscal. E quando você está dominado, há pouco a se fazer. Caberia mais ao Tesouro e ao Congresso acalmar o mercado, já que a essência do problema é fiscal. Ao insistir na estratégia, o Banco Central vai pregar no deserto ou, ainda pior, ter a credibilidade corroída.

O mercado resistia a questionar o Banco Central porque, entre outras coisas, Roberto Campos Neto era “um dos nossos”. Seria como falar mal de si mesmo, algo que o mercado odeia. Agora, porém, há o início de uma resposta crítica e concretamente questionadora da estratégia do Banco Central. Enquanto ele tenta abaixar as taxas de juro com retórica, o mercado devolve exigindo ainda mais taxa. 

Receio que o discurso da ata amanhã venha a reforçar a dinâmica. A melhor forma de admitir um erro é de forma rápida. “Fail fast, fail small”, nos lembraria Taleb. Caso contrário, a dinâmica desfavorável do mercado de dívida pode ser levada também a outros segmentos, como foi o caso da última sexta-feira.

COMPARTILHAR

Whatsapp Linkedin Telegram
EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: O elogio que nem minha mãe me fez

25 de agosto de 2022 - 12:02

Em mercados descontados que ainda carregam grandes downside risks, ganha-se e perde-se muito no intraday, mas nada acontece no dia após dia

EXILE ON WALL STREET

Degrau por degrau: Confira a estratégia de investimento dos grandes ganhadores de dinheiro da bolsa

24 de agosto de 2022 - 13:57

Embora a ganância nos atraia para a possibilidade de ganhos rápidos e fáceis, a realidade é que quem ganha dinheiro com ações o fez degrau por degrau

EXILE ON WALL STREET

Blood bath and beyond: Entenda o banho de sangue dos mercados financeiros — e as oportunidades para o Brasil

22 de agosto de 2022 - 12:25

Michael Hartnett, do Bank of America Merrill Lynch, alerta para um possível otimismo exagerado e prematuro sobre o fim da subida da taxa básica de juro nos EUA; saiba mais

EXILE ON WALL STREET

Você está disposto a assumir riscos para atingir seus sonhos e ter retornos acima da média?

19 de agosto de 2022 - 13:50

Para Howard Marks, você não pode esperar retornos acima da média se você não fizer apostas ativas. Porém, se suas apostas ativas também estiverem erradas, seus retornos serão abaixo da média

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Qual é o mundo que nos aguarda logo à frente?

18 de agosto de 2022 - 11:45

O mercado inteiro fala de inflação, e com motivos; afinal, precisamos sobreviver aos problemas de curto prazo. Confira as lições e debates trazidos por John Keynes

EXILE ON WALL STREET

Novas energias para seu portfólio: Conheça o setor que pode impedir a Europa de congelar — e salvar sua carteira

17 de agosto de 2022 - 12:55

Para aqueles que querem apostar no segmento de energia nuclear, responsável por 10% da energia do mundo, é interessante diversificar uma pequena parcela do capital

EDUCAÇÃO FINANCEIRA

Está na hora de você virar um investidor qualificado

16 de agosto de 2022 - 15:03

No longo prazo, produtos de investimento qualificado podem ter uma rentabilidade média maior e permitem maior diversificação

EXILE ON WALL STREET

É melhor investir em bolsa ou em renda fixa no atual momento dos mercados financeiros?

15 de agosto de 2022 - 12:39

A resposta continuará sendo uma carteira devidamente diversificada, com proteções e sob a âncora de valuations suficientemente descontados

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Foi tudo graças à peak inflation

11 de agosto de 2022 - 11:07

Imagine dois financistas sentados em um bar. Um desses sujeitos é religioso, enquanto o outro é ateu. Eles discutem sobre a eventual existência de bull markets

EXILE ON WALL STREET

Beta, e depois alpha: Saiba por que você precisa saber analisar a temporada de balanços antes de montar sua carteira

8 de agosto de 2022 - 12:38

Depois de muito tempo de narrativas sobre juros, inflação e recessão, talvez estejamos entrando num momento em que os resultados individuais voltam a ser relevantes

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Uma ideia de research jamais poderá salvar sua alma

4 de agosto de 2022 - 11:15

Venho escrevendo relatórios de research há quase 15 anos, e ainda não aprendi uma lição: a de que não é possível alcançar consolo para os nossos lutos através da explicação

EXILE ON WALL STREET

Más notícias virando boas notícias? Saiba como queda no PIB dos EUA pode beneficiar seus investimentos

3 de agosto de 2022 - 13:14

Investidores enxergaram nesse dado ruim a possibilidade de o Fed reduzir o aperto monetário. Desde então, os índices americanos valorizaram mais de 10%. Mas será que é para ficar animado?

EXILE ON WALL STREET

Felipe Miranda: Dez lições de um fracassado

2 de agosto de 2022 - 13:10

Após escrever um best-seller sobre o sucesso, hoje resolvi falar sobre o fracasso. Confira uma dezena de coisas que muito possivelmente você não vai ouvir por aí

Educação formal

Por que uma certificação ainda vale muito para trabalhar no mercado financeiro

31 de julho de 2022 - 12:15

Longe de mim desmerecer o conhecimento empírico, mas ter um certificado que comprove a sua expertise ainda é fundamental no mundo dos investimentos

EXILE ON WALL STREET

O que é preciso para alcançar os melhores resultados em investimentos

29 de julho de 2022 - 12:55

Os melhores resultados não costumam vir das nossas melhores intenções, mas das melhores leituras de cenário.

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Como se não bastasse, a crise hídrica nas bolsas mundiais voltou

28 de julho de 2022 - 12:30

O Ibovespa rompeu a barreira dos 100 mil pontos 8 vezes desde junho, sem sair do lugar, e os investidores estão perdendo dinheiro com tantos pregões que não levam a lugar nenhum

EXILE ON WALL STREET

Como lidar com o desconhecido? Saiba como analisar os cenários no mundo e encontrar oportunidades de investimento

27 de julho de 2022 - 12:32

Minha sugestão é a diversificação de seu portfólio de investimentos e a ampliação do seu horizonte temporal para se apropriar dos diversos prêmios de risco ao longo do tempo

EXILE ON WALL STREET

Será possível retornar à era de ouro dos grandes fundos de ações?

25 de julho de 2022 - 11:47

O jogo está estruturalmente mais difícil, por conta da maior competição, das restrições impostas pelo tamanho e pela menor assimetria de informação

EXILE ON WALL STREET

E o Oscar de melhor fundo no curto prazo vai para…

22 de julho de 2022 - 13:26

Nas crises, o investidor inteligente é aquele que sobrevive. Para isso, deve-se preferir a consistência de bons retornos à raridade de desempenhos excepcionais

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Nasci 300 mil anos atrás, sou quase um bebê

21 de julho de 2022 - 11:03

Somos mais frágeis do que gostaríamos de admitir. Mas, se tomássemos em plena conta essa fragilidade, faltaria confiança para seguirmos adiante

Menu

Usamos cookies para guardar estatísticas de visitas, personalizar anúncios e melhorar sua experiência de navegação. Ao continuar, você concorda com nossas políticas de cookies

Fechar