Cadáveres e ações: em dia de velório, salgadinhos vendem mais
Sempre é hora de comprar Bolsa. Mas algumas horas são mais horas do que outras – desde que você tenha estômago.
"Seu Ary, manda mais meia dúzia de esfihas e coxinhas que morreram três essa noite”. Em uma versão fúnebre do “enquanto alguns choram, outros vendem lenços”, era assim que o dono do velório costumava aumentar o pedido de salgados em dias particularmente movimentados – enlutado também tem fome (eu como muito quando estou triste; quando estou feliz também).
Por mais profunda que seja uma crise e por mais grave que seja uma tragédia, tem alguém ganhando às custas do drama alheio – o dia bom do leão é provavelmente um dia péssimo para a família da zebrinha. Se tem muita empresa quebrando, há advogados sorrindo; se o dólar dispara, exportadores enchem o bolso.
Nesse sentido, não sou muito fã da pergunta “É hora de comprar Bolsa?” – qualquer que seja o cenário, tem algumas empresas crescendo e ações subindo, é só saber escolher. Eu sempre tenho um pouco de ações e, se pudesse, compraria mais um pouco todo mês.
Isso não quer dizer que não haja momentos melhores (e piores) – é justamente quando o Cristo Redentor decola nas capas de revista que os cuidados precisam ser redobrados. Analogamente, se está todo mundo pessimista, é muito provável que seja a hora de ligar o home broker e raspar a porr@ toda.
Isso acontece porque (e espero que isso aqui fique só entre nós), a despeito dos ternos impecavelmente bem cortados e de toda aquela pose, os especialistas do mercado são os primeiros a se enfiar embaixo da cama ao som do primeiro tiro – apareceu uma pesquisa com 40% a 40% Bolso x Haddad todo mundo já sobe nas tamancas.
Mas, simplificando bem e tentando ignorar qualquer viés ideológico, podemos esperar dois cenários:
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1 - Entra o capitão 'liberal'
Se Bolsonaro for eleito, é bem provável que tenhamos um rali até o fim do ano. A reação do mercado após a facada do dia 6 de setembro deixa claro – os investidores estão dispostos a pagar antecipadamente pela promessa do capitão liberal. In Guedes we trust.
Quando vier o choque de realidade e as dificuldades do novo governo (o rombo fiscal existe e é enorme) ficarem evidentes, é possível (provável!?) que tenhamos uma bela correção em um curto período de tempo – o tal do lítio é um dos elementos mais escassos pelas ruas do Itaim.
2 - Haddad e a turma da Unicamp
Se ficarmos com Haddad, inevitavelmente teremos um banho de sangue nos mercados – o medo de uma nova Nova Matriz é palpável e cachorro mordido por cobra…
Aqui, o segundo momento seria uma grande incógnita. Se acenar com maior ortodoxia e liberalismo e entregar algumas das reformas necessárias, é capaz do mercado comprar a ideia de um governo mais próximo do que foi o primeiro mandato de Lula do que foi o desastre dilmista.
Vai depender muito de quão presente a turma do departamento de economia da Unicamp estará em sua equipe.
O que realmente importa
Mas essas são conjecturas de curto prazo. Se você olhar para o que realmente importa – o fundamento das empresas – talvez estejamos em um momento mágico para comprar ações.
Depois do desastre da Nova Matriz, por uma questão de sobrevivência, as empresas brasileiras fizeram mais do que o dever de casa – reduziram capacidade, mandaram gente embora, arrumaram a dívida e cortaram despesas e investimentos. Foi como um grande spa corporativo: nada de bebida, drogas, glúten, lactose ou açúcar – deixaram para trás vários quilos desnecessários. Estão mais leves, ágeis e sóbrias.
Sob uma ótica darwinista, só as mais preparadas sobreviveram – as empresas que sobraram não só estão mais fortes como estão praticamente sozinhas.
Não à toa, mesmo com os solavancos do ano (também conhecidos como greve dos caminhoneiros, Copa do Mundo e eleições), os resultados estão vindo bastante positivos – no segundo trimestre, o resultado consolidado das empresas do IBX (índice com as 100 ações mais líquidas da B3) foi 28,7% acima do número registrado em 2017.
Tem montadora revisando estimativa para cima, tem shopping aumentando previsão de vendas e os exportadores estão nadando de braçada com esse novo super ciclo de commodities – em pouco mais de três anos, a Vale saiu da quase insolvência para se tornar uma das empresas mais lucrativas do mundo.
Mais ainda, depois de anos de recessão, o que não falta é capacidade ociosa – tem muita empresa que pode crescer uns 15% sem fazer um centavo de Capex (investimento em capacidade produtiva). E, se o Ebitda está crescendo e o capex caindo, tem geração de caixa livre em profusão!
Quando dividimos a geração de caixa livre, líquida do capex, pelo valor de mercado das empresas, temos o free cash flow yield, que é uma medida de retorno pelo capital investido – quanto uma empresa te remunera pela grana que você alocou em suas ações.
Se as previsões do consenso para o ano estiverem corretas e as empresas não aumentarem muito o investimento até o fim do ano, as empresas do Ibx devem entregar um free cash flow yield de 14,5% em 2018 – o que é muito mais do que os 5,8% de juros reais que o Temer te paga para comprar uma NTN-B com vencimento em 2035. Poucas vezes o potencial de lucro com investimento em ações no Brasil foi tão alto!
Bolsa é para os fortes
Isso, de forma alguma, é garantia de que a Bolsa vai subir amanhã.
Nem até o fim do ano.
Nada é tão barato que não possa ficar mais barato.
Mas o momento é tão oportuno que, mesmo que as coisas deem errado em outubro, as chances de você perder dinheiro no longo prazo são pequenas, desde que tenha estômago para suportar os (muitos) solavancos no curto prazo.
Se você for esperar as incertezas passarem, só vai comprar quando o Ibovespa estiver acima dos 100 mil pontos – ou a Bolsa está cara ou a incerteza está alta, não tem outra alternativa (lembra do lítio!?).
E, se daqui três meses a Bolsa cair pela metade não se desespere.
Se puder, compre mais e espere. Se não puder, só espere.
O que não pode fazer é vender lá na frente quando as coisas engrossarem.
Sempre é hora de comprar Bolsa. Mas algumas horas são mais horas do que outras.
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