Felipe Miranda: Ela é uma vaca, eu sou um touro
Diante da valorização recente, a pergunta verdadeiramente relevante é se apenas antecipamos o rali esperado para o segundo semestre, já tendo esgotado o espaço para a alta, ou se, somada à apreciação do começo de 2025, teremos uma nova pernada até o fim do ano?
Quando o filósofo contemporâneo Alecsander Leite, conhecido popularmente como Dinho, vocalista dos Mamonas Assassinas, foi perguntado sobre as dificuldades de se lançar um segundo disco tão bom quanto o primeiro, respondeu com uma lógica de fazer inveja aos sofistas. Mandou algo mais ou menos assim:
“Olha, você tem razão. Normalmente, as bandas se preparam por anos, muitas vezes por décadas para seu primeiro disco. Na sequência, tem algo como um ano, um ano e meio para lançar o segundo. É muito mais difícil. Mas a gente já sabia disso. Então, lançamos o segundo disco em primeiro. E vamos lançar o primeiro disco como segundo. Problema resolvido!”
Qualquer conversa feita ao final de 2024 com o smart money interessado em ativos de risco brasileiros passaria por uma argumentação do seguinte tipo: “concordo que o kit Brasil, em particular as ações locais, ficaram baratas. No entanto, não há muito trigger neste primeiro semestre. A política fiscal ainda é muito ruim, o Trump Trade é ruim para mercados emergentes e os catalisadores potencialmente positivos só devem acontecer mais perto do final do ano, quando estaremos caminhando para redução da Selic e para a discussão do potencial rali eleitoral. Então, nosso time está cauteloso com a bolsa por enquanto. Talvez possamos aumentar risco mais pro final do ano.”
- VEJA MAIS: A temporada de balanços do 1T25 começou – veja como receber análises dos resultados das empresas e recomendações de investimentos
Em resumo, o eventual otimismo com os mercados brasileiros estaria reservado para o segundo semestre. Para o começo do ano, nada feito. As únicas saídas estavam no CDI e no dólar, sem apelar para a aceleração da fuga de cérebros do Brasil, daqueles que perderam em definitivo as esperanças e recorreram a uma solução mais definitiva: o aeroporto de Guarulhos. Afinal de contas, quem compraria mercado emergente e, em particular, um país cuja política fiscal é perdulária se Nvidia e as Mag7 oferecem o maior crescimento e representam o megatrend dos próximos 10 anos?
O jogo só acaba quando termina
Bom, ainda não terminamos o primeiro semestre e essa é sempre uma ressalva importante. Desempenhos patrimoniais e cotas de fundo são como trânsito, goleiro e árbitro de futebol. Você não pode elogiar enquanto o jogo não termina. Sob o risco de enveredarmos por um caminho semelhante à eleição de Oliver Kahn como melhor jogador da Copa do Mundo de 2002 às vésperas da final, arriscamos um balanço do primeiro semestre até aqui.
O EWZ, grosseiramente o índice mais acompanhado de ações brasileiras no exterior, sobe cerca de 20% no ano. O EWZS, mais focado em small caps, se valoriza 29%. Quando ninguém queria, quase sub-repticiamente, sem fazer muito barulho, a bolsa brasileira vive um rali vigoroso. Desafiando o consenso, o que se esperava para o segundo semestre acontece em alta velocidade nos primeiros meses de 2025.
Leia Também
Não é exatamente mérito próprio, esclareça-se. Talvez até possa haver um pouco de movimento idiossincrático de Brasil relacionado à reversão da minicrise que se instalou por aqui ao final de 2024. Corrigimos o pico do pessimismo com a nossa típica característica de reversão à média. Mas, fundamentalmente, a valorização dos ativos brasileiros se deve à inversão do Trump Trade e ao questionamento do excepcionalismo norte-americano.
Se, até o final do ano passado, as big techs norte-americanas e Wall Street em geral funcionavam como um aspirador de pó gigante na liquidez global, agora temos o contrário. Entramos no “sell America”, com o excepcionalismo americano, ao menos circunstancialmente, se transformando em repúdio e as Magníficas 7 ganhando a nova alcunha de Malévolas 7.
O dinheiro sai do dólar e vai alimentar outros países desenvolvidos e a periferia. Valorizações semelhantes à brasileira são vistas no México, na Colômbia, no Chile, e também em bolsas europeias.
Diante da valorização recente, a pergunta verdadeiramente relevante é se apenas antecipamos o rali esperado para o segundo semestre, já tendo esgotado o espaço para a alta, ou se, somada à apreciação do começo de 2025, teremos uma nova pernada até o fim do ano?
- Leia também: Rodolfo Amstalden: Falta pouco agora
A bolsa e o próximo trigger
Minha primeira observação é de que essa história de tentar antecipar qual o próximo trigger para destravar uma determinada tendência em ativos financeiros é sempre capciosa.
Além da influência epistemológica das ideias de Nassim Taleb, de que os grandes movimentos são disparados por eventos imprevisíveis, de baixa probabilidade e alto impacto, há uma questão talvez ainda mais importante.
Se conseguimos a priori identificar um trigger relevante, o mercado já atribui probabilidade a esse evento potencial, de modo que, ao menos parcialmente, seus efeitos já estão no preço hoje. Ele já não é uma novidade.
Não à toa, os triggers, de fato, especiais são tipicamente conhecidos somente a posteriori. Um evento que não era esperado (e, portanto, não estava nos preços) acaba acontecendo e muda as coisas. Se era esperado, já estava em alguma medida incorporado às cotações.
Tentando agora responder mais pragmaticamente à pergunta acima, me inclino à percepção de que esse é apenas o início de um ciclo mais longo em favor dos mercados emergentes.
Se essa nova tendência está se dando, conforme já mencionado, por conta do pico (ou até mesmo do fim) do excepcionalismo norte-americano, falamos de um movimento de anos, e não de poucos meses.
O ciclo atual em prol da exuberância norte-americana e contrário aos mercados emergentes se iniciou em 2010. Foram 14 anos de construção! O ciclo anterior a esse ligado ao excepcionalismo dos EUA vigorara entre 1995 e 2000. E de 2000 a 2010 vivemos um momento favorável a emergentes e contrário a Wall Street. Placas tectônicas não se movem na velocidade do day trade.
As evidências de um dólar mais fraco, o que historicamente se correlaciona com alta dos mercados emergentes, se acumulam dia a dia.
A novidade do final de semana é a vigorosa e atípica valorização da moeda de Taiwan, cuja intensidade remete (com o sinal contrário) ao choque de Tailândia e Malásia de 1997.
Para nossos fins, vale observar o que a Gavekal escreveu a respeito (tradução livre): “Imagine agora um banqueiro central no Brasil, na África do Sul ou na Indonésia. De repente, o ambiente global é tal que: i) o dólar está fraco; ii) os preços de energia estão caindo; iii) os preços de alimentos recuam; e iv) a China estimula sua economia. Em resumo, o Natal chegou mais cedo para os Bancos Centrais de países emergentes.”
O fator Selic
Com efeito, essa é uma força poderosa à frente. Ao ciclo mais favorável para emergentes em geral, devem se somar elementos domésticos propriamente ditos para a valorização dos ativos brasileiros no segundo semestre.
O primeiro deles é justamente o prognóstico de redução da Selic a partir do final do ano — para efeitos de valuation, um juro básico de 15% é muito diferente de outro de 10%. Há estudos locais sugerindo que cada ponto percentual de redução da Selic pode impactar o preço justo de algumas ações em até 15%. Portanto, faça as contas.
Os impactos são de natureza distinta. Um custo de oportunidade do capital mais baixo implica múltiplos maiores (você pode pagar mais pelo mesmo lucro, porque o dinheiro demora mais para retornar naquela economia; princípio de não arbitragem). Portanto, a razão Preço sobre Lucro precisa subir. Mas, com juros menores, as despesas financeiras das empresas também caem. Sobra mais lucro.
Se o Lucro sobe e a relação Preço sobre Lucro também sobe, isso requer que os preços subam muito (se o denominador aumenta e a fração também aumenta, precisamos que o numerador aumente muito).
Além disso, um juro menor muda bastante a dinâmica do fluxo doméstico. Se hoje o investidor institucional local ainda é vendedor porque sofre resgates líquidos e a pessoa física só se interessa pela sopa de letrinhas das LCIs, LCAs, CRIs, CRAs e afins, o cenário deveria mudar conforme a Selic caia. Isso transforma também a microestrutura do mercado.
Se hoje o fluxo é fundamentalmente gringo, há maior destaque, como corolário óbvio, das "ações de gringo”. O estrangeiro compra o que tem liquidez, ele conhece, o sell side tem modelo. Ele não vai comprar small caps brasileiras de pouca liquidez e desconhecidas. Esses são bichos muito sensíveis ao fluxo doméstico e à queda da Selic.
- SAIBA MAIS: Leia também: Mesmo investimentos isentos de Imposto de Renda não escapam da Receita; veja por que eles precisam estar na sua declaração
A tríade de ondas da bolsa
Se o primeiro momento trouxe uma concentração no setor financeiro e nas utilities, agora há uma segunda onda, de procura por ações cíclicas domésticas de maior duration — a introdução de Localiza e Cosan em carteiras recomendadas de grandes bancos neste mês não é mera coincidência. É um simbolismo de um movimento mais abrangente.
A terceira onda virá justamente nas small caps, quando virar o fluxo de resgates da indústria de fundos locais — e estamos caminhando pra isso.
Para completar a tríade, ao movimento de “sell America” em favor de emergentes e ao esperado início do ciclo de cortes da Selic no final do ano, se soma a incorporação da probabilidade de mudança do pêndulo de economia política em 2026 — lembre-se que o Merval começou a subir 14 meses antes da eleição de Javier Milei. Movimentos semelhantes acontecem na Colômbia e no Chile.
Se precisamos de evidências do quanto isso pode ser poderoso, basta lembrarmos do período recente de 2016 a 2019. Com o impeachment de Dilma Rousseff e a presidência de Michel Temer, o Ibovespa salta de 39 mil para 120 mil pontos. O movimento das small caps foi ainda mais vigoroso.
Se você ainda não viveu uma Temporada Microcap, pode se preparar. Não vai haver muitas chances adicionais. Um bull market brasileiro é coisa para presenciar três ou quatro vezes na vida. Basta um deles para mudar de patamar financeiro. Você só precisa dar certo uma vez na vida. Alguns podem achar otimismo exagerado neste momento de incerteza, mas prefiro isso a ser chamado de Dejair, facinho de confundir com João do Caminhão.
Felipe Miranda: Um portfólio para qualquer clima ideológico
Em tempos de guerra, os generais não apenas são os últimos a morrer, mas saem condecorados e com mais estrelas estampadas no peito. A boa notícia é que a correção de outubro nos permite comprar alguns deles a preços bastante convidativos.
A temporada de balanços já começa quente: confira o calendário completo e tudo que mexe com os mercados hoje
Liberamos o cronograma completo dos balanços do terceiro trimestre, que começam a ser divulgados nesta semana
CNH sem autoescola, CDBs do Banco Master e loteria +Milionária: confira as mais lidas do Seu Dinheiro na semana
Matérias sobre o fechamento de capital da Gol e a opinião do ex-BC Arminio Fraga sobre os investimentos isentos de IR também integram a lista das mais lidas
Como nasceu a ideia de R$ 60 milhões que mudou a história do Seu Dinheiro — e quais as próximas apostas
Em 2016, quando o Seu Dinheiro ainda nem existia, vi um gráfico em uma palestra que mudou minha carreira e a história do SD
A Eletrobras se livrou de uma… os benefícios da venda da Eletronuclear, os temores de crise de crédito nos EUA e mais
O colunista Ruy Hungria está otimista com Eletrobras; mercados internacionais operam no vermelho após fraudes reveladas por bancos regionais dos EUA. Veja o que mexe com seu bolso hoje
Venda da Eletronuclear é motivo de alegria — e mais dividendos — para os acionistas da Eletrobras (ELET6)
Em um único movimento a companhia liberou bilhões para investir em outros segmentos que têm se mostrado bem mais rentáveis e menos problemáticos, além de melhorar o potencial de pagamento de dividendos neste e nos próximos anos
Projeto aprovado na Câmara permite divórcio após a morte de um dos cônjuges, com mudança na divisão da herança
Processos iniciados antes do falecimento poderão ter prosseguimento a pedido dos herdeiros, deixando cônjuge sobrevivente de fora da herança
A solidez de um tiozão de Olympikus: a estratégia vencedora da Vulcabras (VULC3) e o que mexe com os mercados hoje
Conversamos com o CFO da Vulcabras, dona das marcas Olympikus e Mizuno, que se tornou uma queridinha entre analistas e gestores e paga dividendos mensais
Rodolfo Amstalden: O que o Nobel nos ensina sobre decisões de capex?
Bebendo do alicerce teórico de Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt se destacaram por estudar o papel das inovações tecnológicas nas economias modernas
A fome de aquisições de um FII que superou a crise da Americanas e tudo que mexe com o seu bolso nesta quarta (15)
A história e a estratégia de expansão do GGRC11, prestes a se tornar um dos cinco maiores FIIs da bolsa, são os destaques do dia; nos mercados, atenção para a guerra comercial, o Livro Bege e balanços nos EUA
Um atalho para a bolsa: os riscos dos IPOs reversos, da imprevisibilidade de Trump e do que mexe com o seu bolso hoje
Reportagem especial explora o caminho encontrado por algumas empresas para chegarem à bolsa com a janela de IPOs fechada; colunista Matheus Spiess explora o que está em jogo com a nova tarifa à China anunciada por Trump
100% de tarifa, 0% de previsibilidade: Trump reacende risco global com novo round da guerra comercial com a China
O republicano voltou a impor tarifas de 100% aos produtos chineses. A decisão foi uma resposta direta ao endurecimento da postura de Pequim
Felipe Miranda: Perdidos no espaço-tempo
Toda a Ordem Mundial dos últimos anos dá lugar a uma nova orientação, ao menos, por enquanto, marcada pela Desordem
Abuse, use e invista: C&A queridinha dos analistas e Trump de volta ao morde-assopra com a China; o que mexe com o mercado hoje?
Reportagem especial do Seu Dinheiro aborda disparada da varejista na bolsa. Confira ainda a agenda da semana e a mais nova guerra tarifária do presidente norte-americano
ThIAgo e eu: uma conversa sobre IA, autenticidade e o futuro do trabalho
Uma colab entre mim e a inteligência artificial para refletir sobre três temas quentes de carreira — coffee badging, micro-shifting e as demissões por falta de produtividade no home office
A pequena notável que nos conecta, e o que mexe com os mercados nesta sexta-feira (10)
No Brasil, investidores avaliam embate após a queda da MP 1.303 e anúncio de novos recursos para a construção civil; nos EUA, todos de olho nos índices de inflação
Esta ação subiu mais de 50% em menos de um mês – e tem espaço para ir bem mais longe
Por que a aquisição da Desktop (DESK3) pela Claro faz sentido para a compradora e até onde pode ir a Microcap
Menos leão no IR e mais peru no Natal, e o que mexe com os mercados nesta quinta-feira (9)
No cenário local, investidores aguardam inflação de setembro e repercutem derrota do governo no Congresso; nos EUA, foco no discurso de Powell
Rodolfo Amstalden: No news is bad news
Apuração da Bloomberg diz que os financistas globais têm reclamado de outubro principalmente por sua ausência de notícias
Pão de queijo, doce de leite e… privatização, e o que mexe com os mercados nesta quarta-feira (8)
No Brasil, investidores de olho na votação da MP do IOF na Câmara e no Senado; no exterior, ata do Fomc e shutdown nos EUA