Felipe Miranda: Avançamos? Uma reflexão sobre a indústria financeira 2.0, seus vícios e virtudes
Transferimos um poder enorme para o vendedor de produtos financeiros nos últimos anos e colocamos uma auréola de anjo em cima dele
O caso foi verdadeiro. Aconteceu há uns poucos meses. Os termos não foram exatamente esses, nem os números, mas a essência da frase era esta: "se tivéssemos reduzido a taxa de 15,5% para 15%, o investidor teria comprado mais.”
Parece contraintuitivo, claro. Fere a noção elementar da curva de demanda: quanto maior o preço (no caso, menor a taxa), menor deveria ser a procura. A dinâmica revela um mau funcionamento do nosso mercado. Por que o investidor teria comprado mais a uma taxa menor pra ele?
A frase carrega implícita e tacitamente a ideia de que esses 50 pontos-base de “excesso de retorno” poderiam ter sido transferidos ao canal de distribuição. Com assessores abocanhando uma fatia maior do bolo, teriam se engajado mais na venda. Como essa gente é muito bem treinada em “assessorar” os clientes (alguns diriam “empurrar” produtos a eles), a calibragem da esteira de vendas teria garantido uma colocação maior.
Não tenho muitas dúvidas de que avançamos bastante quando migramos do chamado modelo 1.0 da indústria financeira, centralizado quase exclusivamente nos bancões, para aquele 2.0, marcado pela abertura das plataformas e acesso dos clientes a uma maior gama de bons produtos financeiros.
Há, no entanto, algo tipicamente esquecido sobre novas tecnologias ou paradigmas sociais, culturais e de mercado. Ainda que a nova dinâmica seja, no geral, muito mais positiva, isso não quer dizer a inexistência de problemas ou perdas em situações particulares e locais. Veja o caso da internet, por exemplo. Estou certo de que ela foi incrivelmente boa em termos gerais, mas também significou perda de profundidade e capacidade de concentração das pessoas, redução da erudição, maior ênfase em comportamentos tribais e, nas palavras de Tom Nichols, “a morte da expertise”. Como disse certa vez Umberto Eco, “as redes sociais deram voz aos imbecis.”
Esse, inclusive, é também um problema específico para o nosso mercado. Não à toa, está em curso consulta pública sobre influenciadores digitais, que, deliberadamente ou não, muitas vezes determinam a decisão de investimento de seu seguidor — ou alguém acha que o cidadão acompanha uma determinada live no Instagram por mera curiosidade intelectual? Ele quer orientações para aplicar seu dinheiro, oras. Assim, na prática, muitos influenciadores exercem atividade de análise de investimento ou acabam fazendo parte do canal de distribuição de uma plataforma ou de um produto — não é coincidência a matéria da semana passada no Valor Econômico de título: “CVM tenta encorajar influenciador financeiro a se tornar analista, diz presidente da autarquia”.
Leia Também
Aqui também reside uma distorção. Os incentivos financeiros apontam no sentido contrário, inclusive. Se você é analista, deve obedecer a um arcabouço regulatório e a um código de ética (adequadamente, diga-se), que, entre outras coisas, veda a negociação de ações numa determinada janela temporal. Agora, se você não é analista, está livre de restrições. Na prática, muitos ancoram-se casuisticamente no pressuposto da liberdade de expressão para realizar análise de valores mobiliários, sob um disclosure qualquer do tipo “isso não é recomendação”. Enquanto influenciam diretamente seus seguidores na tomada de decisão de investimento, continuam negociando para si as ações e/ou geram corretagem ou RLP para uma determinada instituição financeira. Se ele se tornar analista, perde tudo isso.
Proponho uma reflexão genuína: ao assistir a um conteúdo na internet, em que um influenciador elucida todos os pontos positivos de uma determinada ação e sugere uma alta vigorosa para aquele ativo, será que o investidor não se vê imbuído a comprar aquilo, com o mesmo ímpeto que teria se tivesse ouvido diretamente a expressão “recomendo a compra de ABCD4”? A rosa teria o mesmo cheiro se tivesse outro nome. Como já escrevi certa vez, o maior inimigo das casas de análise hoje são as salas de trade, uma espécie de faroeste bang-bang, onde bebê chora e a mãe não vê.
PODCAST TOUROS E URSOS - O ano das guerras, Trump rumo à Casa Branca e China mais fraca: o impacto nos mercados
Volto ao problema específico do canal de distribuição. Pela própria arquitetura escolhida pelo modelo 2.0, contratamos uma série de novas adversidades para o investidor. A essência do 2.0 assenta-se na figura do assessor de investimentos ou agente autônomo — claro que você pode ter um esforço aqui ou ali de distribuições totalmente digitais, B2C, em que não há esse intermediário, mas qualquer observação objetiva da realidade aponta para a concentração da distribuição nessa figura.
Houve, assim, uma grande transferência de valor ao longo da cadeia para o distribuidor, com todas as suas virtudes, mas, também, com seus vícios. Nele, no distribuidor, ou seja, no vendedor, também habitam o médico e o monstro, como em cada um de nós. A questão central é que, num ambiente de assimetria de informação e pouca transparência, o monstro costuma sair na madrugada escura e disfarçado. É difícil notar o lobo atrás da porta, quando ele está vestido em pele de cordeiro e se coloca como alternativa ao vilão clássico: o bancão, que é o malvado favorito de 10 em cada 10 conversas de bar pseudointeligentes sobre investimentos.
Aí caímos num antagonismo maquiavélico simplista: de um lado, temos o arcaico banco tradicional com a figura do gerente; do outro, a plataforma moderna com o assessor de investimento. A blusa de lã marrom com losangos em vermelho e creme, parcialmente escondida pelos cabelos que escorrem pelos ombros, com pontas secas e escurecidas pelo cigarro, que Dona Marlene veste diariamente na gerência de sua instituição bancária mesmo em dias de verão (porque não tolera o ar condicionado) comparada ao coletinho "descolado" da Moncler, aos convites para o camarote da Fórmula 1 e aos imperdíveis encontros na piscina de onda no interior paulista.
As Finanças Comportamentais já nos ensinaram sobre o tal “halo effect” (halo se refere à auréola tipicamente apresentada sobre a cabeça dos anjos), em que identificamos uma característica boa em determinada pessoa, coisa ou situação e transbordamos a virtude particular para algo geral. Se uma mulher é inteligente e educada, logo ela será percebida também como trabalhadora, disciplinada, pontual, generosa… pode até ser, mas não é uma consequência lógica, embora nosso cérebro rapidamente empurre na direção dessa conclusão.
Transferimos um poder enorme para o vendedor de produtos financeiros nos últimos anos e colocamos uma auréola de anjo em cima dele. Pagamos generosos fees nas distribuições de CRIs, CRAs, LCIs, LCAs e LIGs. Essas coisas não têm volatilidade e transmitem uma falsa sensação de segurança para o investidor, porque sua carteira não pula. Ele não faz a menor ideia de qual crédito realmente está na sua carteira, mas estamos todos mais interessados nas dancinhas, nos Reels e na Yasmin Brunet, não é mesmo?
Enquanto isso, estamos matando a indústria de fundos, que sofre resgate mês após mês, e deixamos a Bolsa brasileira como um quintal do gringo, ao completo sabor da sensibilidade frente ao yield dos Treasuries de 10 anos… e nada mais importa.
O que vai acontecer quando acabar o lastro dessas incentivadas ou um Marcos Pinto da vida resolver eliminar essa bizarra distorção? Quem poderá nos defender? Sei lá, deve ser o Tadeu Schmidt.
As lições do Chile para o Brasil, ata do Copom, dados dos EUA e o que mais movimenta a bolsa hoje
Chile, assim como a Argentina, vive mudanças políticas que podem servir de sinal para o que está por vir no Brasil. Mercado aguarda ata do Banco Central e dados de emprego nos EUA
Chile vira a página — o Brasil vai ler ou rasgar o livro?
Não por acaso, ganha força a leitura de que o Chile de 2025 antecipa, em diversos aspectos, o Brasil de 2026
Felipe Miranda: Uma visão de Brasil, por Daniel Goldberg
O fundador da Lumina Capital participou de um dos episódios de ‘Hello, Brasil!’ e faz um diagnóstico da realidade brasileira
Dividendos em 2026, empresas encrencadas e agenda da semana: veja tudo que mexe com seu bolso hoje
O Seu Dinheiro traz um levantamento do enorme volume de dividendos pagos pelas empresas neste ano e diz o que esperar para os proventos em 2026
Como enterrar um projeto: você já fez a lista do que vai abandonar em 2025?
Talvez você ou sua empresa já tenham sua lista de metas para 2026. Mas você já fez a lista do que vai abandonar em 2025?
Flávio Day: veja dicas para proteger seu patrimônio com contratos de opções e escolhas de boas ações
Veja como proteger seu patrimônio com contratos de opções e com escolhas de boas empresas
Flávio Day nos lembra a importância de ter proteção e investir em boas empresas
O evento mostra que ainda não chegou a hora de colocar qualquer ação na carteira. Por enquanto, vamos apenas com aquelas empresas boas, segundo a definição de André Esteves: que vão bem em qualquer cenário
A busca pelo rendimento alto sem risco, os juros no Brasil, e o que mais move os mercados hoje
A janela para buscar retornos de 1% ao mês na renda fixa está acabando; mercado vai reagir à manutenção da Selic e à falta de indicações do Copom sobre cortes futuros de juros
Rodolfo Amstalden: E olha que ele nem estava lá, imagina se estivesse…
Entre choques externos e incertezas eleitorais, o pregão de 5 de dezembro revelou que os preços já carregavam mais política do que os investidores admitiam — e que a Bolsa pode reagir tanto a fatores invisíveis quanto a surpresas ainda por vir
A mensagem do Copom para a Selic, juros nos EUA, eleições no Brasil e o que mexe com seu bolso hoje
Investidores e analistas vão avaliar cada vírgula do comunicado do Banco Central para buscar pistas sobre o caminho da taxa básica de juros no ano que vem
Os testes da família Bolsonaro, o sonho de consumo do Magalu (MGLU3), e o que move a bolsa hoje
Veja por que a pré-candidatura de Flávio Bolsonaro à presidência derrubou os mercados; Magazine Luiza inaugura megaloja para turbinar suas receitas
O suposto balão de ensaio do clã Bolsonaro que furou o mercado: como fica o cenário eleitoral agora?
Ainda que o processo eleitoral esteja longe de qualquer definição, a reação ao anúncio da candidatura de Flávio Bolsonaro deixou claro que o caminho até 2026 tende a ser marcado por tensão e volatilidade
Felipe Miranda: Os últimos passos de um homem — ou, compre na fraqueza
A reação do mercado à possível candidatura de Flávio Bolsonaro reacende memórias do Joesley Day, mas há oportunidade
Bolha nas ações de IA, app da B3, e definições de juros: veja o que você precisa saber para investir hoje
Veja o que especialista de gestora com mais de US$ 1,5 trilhão em ativos diz sobre a alta das ações de tecnologia e qual é o impacto para o mercado brasileiro. Acompanhe também a agenda da semana
É o fim da pirâmide corporativa? Como a IA muda a base do trabalho, ameaça os cargos de entrada e reescreve a carreira
As ofertas de emprego para posições de entrada tiveram fortes quedas desde 2024 em razão da adoção da IA. Como os novos trabalhadores vão aprender?
As dicas para quem quer receber dividendos de Natal, e por que Gerdau (GGBR4) e Direcional (DIRR3) são boas apostas
O que o investidor deve olhar antes de investir em uma empresa de olho dos proventos, segundo o colunista do Seu Dinheiro
Tsunami de dividendos extraordinários: como a taxação abre uma janela rara para os amantes de proventos
Ainda que a antecipação seja muito vantajosa em algumas circunstâncias, é preciso analisar caso a caso e não se animar com qualquer anúncio de dividendo extraordinário
Quais são os FIIs campeões de dezembro, divulgação do PIB e da balança comercial e o que mais o mercado espera para hoje
Sete FIIs disputam a liderança no mês de dezembro; veja o que mais você precisa saber hoje antes de investir
Copel (CPLE3) é a ação do mês, Ibovespa bate novo recorde, e o que mais movimenta os mercados hoje
Empresa de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, a Copel é a favorita para investir em dezembro. Veja o que mais você precisa saber sobre os mercados hoje
Mais empresas no nó do Master e Vorcaro, a escolha do Fed e o que move as bolsas hoje
Titan Capital surge como peça-chave no emaranhado de negócios de Daniel Vorcaro, envolvendo mais de 30 empresas; qual o risco da perda da independência do Fed, e o que mais o investidor precisa saber hoje