Dando mais um pontapé na sequência de matérias sobre o eventual fim da soberania do dólar para transações internacionais (você confere aqui a parte um e aqui a parte dois), agora é a vez de falarmos especificamente das Central Bank Digital Currencies(CBDCs). Elas também são chamadas popularmente de “criptomoedas estatais”.
As CBDCs nada mais são do que a representação digital de moedas emitidas pelos bancos centrais dos países. A principal vantagem é de que se trata de um ativo tokenizado em distributed ledger technology (DLT) — nome bonito para blockchain.
Em outras palavras, é possível criar estruturas financeiras utilizando essas moedas, como contratos inteligentes (smart contracts) e novas classes de investimentos.
O debate ganhou força em dois momentos distintos. Primeiro, com o pontapé inicial dado pela exclusão da Rússia do Swift, o sistema de pagamentos internacional. Desde então, o país vem buscando alternativas para transferências transfronteiriças.
Alternativa ao dólar
Em seguida, quem levantou a lebre de que as trocas entre países deveriam acontecer sem a necessidade da moeda norte-americana foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em visita à China, ele reforçou a necessidade de uma moeda comum para trocas comerciais dos BRICS— grupo de países emergentes que inclui Brasil, Rússia, Índia, a própria China e a África do Sul (o “S” vem do inglês South Africa).
Apesar de os projetos de CBDCs terem nascido há algum tempo, eles ganharam destaque com os recentes anúncios feitos pela Rússia e pela China.
Tirando o dólar da jogada
Os esforços para colocar o dólar de escanteio partem principalmente da China. Afinal, o país tem ampliado sua presença econômica com a Nova Rota da Seda, um plano de financiar infraestrutura em países com baixo desenvolvimento.
A Rússia passou a usar o yuan em 70% das suas transações comerciais; já a Argentina, que passa por uma severa escassez de dólares, pretende intensificar o comércio com a China utilizando a moeda do país.
Ao mesmo tempo, a China também lançou um plano para usar o yuan digital (também chamado de e-CNY) no comércio internacional. A utilização de uma moeda baseada na tecnologia DLT abre espaço para trocas com outras CBDCs — e minar ainda mais a presença do dólar no grupo de países emergentes.
Confira a seguir os principais projetos de moedas virtuais dos países dos BRICS:
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China: yuan digital (e-CNY) é o dominante
Começando por aquela que é a principal candidata para tomar o cenário internacional nas transações virtuais, o e-CNY foi uma das primeiras CBDCs a ser anunciada no mundo por um país com uma economia estável.
Vale ressaltar aqui que foram nos países da África que surgiram as primeiras ideias de moedas virtuais emitidas por Bancos Centrais. Entretanto, isso se deve mais a uma questão de contornar crises econômicas do que propriamente para trocas internacionais.
O país já vinha fazendo testes com a moeda virtual, como aconteceu nos jogos de inverno em fevereiro do ano passado. O sucesso com essa primeira prova de fogo permitiu a China arriscar o uso ampliado do yuan digital.
Brasil: real digital (RD) é a criptomoeda brasileira
O segundo projeto de moeda digital de Banco Central é o nosso real digital (RD). A criptomoeda brasileira já está em fase de testes mais avançados — e você pode ler mais sobre como isso é revolucionário aqui.
Agora, a autoridade monetária local quer fazer os tais testes de estresse e experimentar aplicações com o RD. O BC abriu recentemente inscrições para 10 empresas fazerem provas desses usos de uma CBDC no sistema financeiro nacional.
Rússia: rublo digital x dólar
Assim como o real digital, o rublo também deve ganhar uma versão virtual em 2024. O roadmap (cronograma de lançamento, no jargão do mercado de criptomoedas) também está um pouco mais avançado do que as demais CBDCs dos outros integrantes do grupo.
Esses testes de estresse tem como parceiros os maiores bancos da Rússia para executar transações pessoa a pessoa (peer-to-peer ou P2P).
Mas existem preocupações quanto ao cronograma de lançamento do rublo digital. Em primeiro lugar, a guerra com a Ucrânia tem afetado diretamente os cofres russos, o que pode exigir um abandono do projeto para maiores testes.
Além disso, em 2024 acontecem as eleições presidenciais da Rússia. O mais cotado para assumir o cargo é o atual presidente, Vladimir Putin.
Índia: rúpia digital (e₹-R, e-INR ou e-rupee)
O país mais populoso do mundo também quer lançar a sua versão da rúpia, a rúpia digital (e₹-R, e-INR ou e-rupee, como também é conhecida).
O principal desafio enfrentado pela Índia para o lançamento da versão digital de sua moeda é justamente o tamanho da população.
Não é de hoje que a Índia é conhecida por ter uma grande presença digital. O país é o segundo maior usuário de criptomoedas do planeta, perdendo apenas para o Vietnã, de acordo com dados de junho do ano passado da Chainalysis.
Para manter o sistema seguro e funcionando para seus mais de 1,5 bilhões de habitantes, os testes de estresse do e-INR precisam avançar mais.
África: berço da civilização e das CBDCs
Como foi dito anteriormente, a África foi o berço dos primeiros projetos de CBDCs do mundo. Oficialmente, a primeira CBDC do mundo foi a Sand Dollar, das Bahamas, lançada em outubro de 2020.
Em grande escala, porém, o primeiro projeto voltado para um público amplo e de uso irrestrito aconteceu na Nigéria, em 2021, com a eNaira, versão virtual de sua moeda.
Segundo dados de 2022 do Fundo Monetário Internacional (FMI), o projeto dessa CBDC — chamado até o momento apenas de Project Khokha 2 — já está na fase piloto.
Essa é a segunda etapa antes do lançamento oficial da moeda, mas não há maiores informações sobre o andamento dos testes.