Felipe Miranda: os 12(0) trabalhos de Hércules
Na vida do investidor, são cometidos muitos erros até que um iniciante fique calejado; o bull market do Ibovespa colocará o preparo à prova

Só mais recentemente fui entender as dificuldades da relação com meu pai. Claro que preferia ter chegado nesse estágio ainda com ele em vida. Mas fico contente por, mesmo tardiamente, poder ressignificar com mais arejamento parte importante da minha existência.
Na psicanálise, a provocação “no Brasil, até o passado é incerto” tem outro significado.
Havia na minha relação com o Ramiro uma ambivalência grande, cuja compreensão exigiu alguns bons anos de terapia. Uma tentativa de aproximação e imitação, acompanhada de uma simultânea repulsa.
Hoje vejo essa dicotomia como fruto de nossa semelhança, um convívio representativo de um espelho que eu não gostaria de ver, desembocando num medo de repetir com meus filhos erros cometidos contra mim.
Uso o termo “erros" por falta de palavra melhor, talvez só para facilitar entendimentos. Tudo que se sabe ao ser pai é que você vai errar. Se ninguém dispõe de manual nem pode ensaiar, o resultado natural vai ser um caminho permeado pelo melhor que se pode oferecer, mas ainda assim com consequências indesejadas no meio do caminho.
A antropologia já identificou como comunidades habitantes de lugares muito inóspitos e convivência com a natureza mais selvagem julgam menos o comportamento alheio — nenhum animal na floresta fica observando os tropeços ou escorregões do coleguinha. Cada um vive a vida que pode.
Leia Também
Foi talvez essa tentativa de me aproximar ou de superá-lo que me levou ao mercado financeiro. Gostaria de ter começado com uma postura racional, científica. Mas não foi assim, claro. Iniciei fazendo alguns trades, escorado em preceitos da análise técnica ou em alguma narrativa do momento.
No final dos anos 90, era tudo sobre tecnologia (qualquer semelhança com a atual realidade pode não ser mera coincidência) e internet. Por aqui, viveríamos as benesses da TV a cabo e lá fui eu, também emulando meu pai, comprar as PLIM4. Como não poderia ser diferente, as Globo Nabo deram… nabo!
Aprendendo na marra
Sensível aos vieses cognitivos clássicos, fora do meu conhecimento à época, cometi todos os erros clássicos possíveis.
Cedi ao medo de ficar de fora, comprei mais depois de cair na tentativa de fazer preço mé(r)dio, reverberei notícias favoráveis enquanto negava contra-argumentos (viés de confirmação), contabilizei número crescente de amigos usuários de TV a cabo (viés de disponibilidade), me achei mais bem informado e visionário do que os outros (excesso de confiança), demorei demais para realizar o prejuízo.
Foi um desastre financeiro completo. Mas intelectualmente estimulante, além de muito disciplinador. Consigo ver as raízes originais da minha monografia na USP penetrando o subsolo daquela tentativa edípica de começar no mercado financeiro.
Àquela altura, eu já lia bastante sobre value investing, Buffett, Fisher, Graham, Greenwald e por aí vai. Essa abordagem passou a fazer muito mais sentido pra mim, tanto intelectual quanto financeiramente — comecei a adotá-la nos meus próprios investimentos com resultados diferentes daqueles do debutante.
Então, me deparei com aquele famigerado artigo do Andrew Lo: "Foundations of Technical Analysis: Computational Algorithms, Statistical Inference, and Empirical Implementation”, que basicamente encontrava capacidade preditiva na Análise Técnica?
Aquilo resgatou sentimentos e curiosidades antigas: como pode a apropriação de elementos da geometria analítica ser útil para prever preços de mercado? Veja: não era um influencer qualquer falando, tampouco um debate de fórum de ações. Era o Andrew Lo, com todo seu rigor científico e o peso do MIT.
Até fazia algum sentido pra mim o fato de que suportes e resistências refletiam níveis de troca realizados por um volume maior de pessoas e aquilo acabaria funcionando, por ancoragem, como um polo magnético natural, em que um novo volume grande de trocas seria realizado no mesmo nível, pois as pessoas, mesmo de maneira não deliberada e não muito racional, acabam se apegando aos seus preços originais.
Também era intuitivo que cada preço refletia um determinado valuation, ao qual precisaria estar associado um respectivo cenário, um conjunto de fundamentos econômicos. Ou seja, para superação de determinados níveis de resistência ou suporte, haveríamos de ter:
- uma mudança importante de aspectos conjunturais ou estruturais associados àquela companhia;
- uma disposição para se pagar mais por aquela companhia ainda que o cenário não tivesse mudado;
- ou, no mínimo, um aumento de fluxo aleatório de curto prazo.
Essas coisas, no entanto, não me pareciam suficientes para responder na minha cabeça a pergunta direta e objetiva: como pode, em termos práticos e de maneira um tanto grosseira aqui, a ciência ter demonstrado que a Análise Técnica funciona?
A teoria é diferente da prática
Daí me veio a ideia de que, ao fornecer ao investidor um instrumental pragmático e quantitativo, o método, apoiando-se basicamente em geometria analítica, poderia driblar os vieses comportamentais clássicos, que estavam ficando cada vez mais populares mesmo dentro da ortodoxia (em termos históricos, é no mínimo curioso que Richard Thaler, um dos maiores expoentes da economia comportamental, hoje ocupe uma cadeira na tipicamente neoclássica Escola de Chicago).
Sem os vieses típicos, o investidor poderia se dar melhor do que a média.
Confesso que os resultados empíricos da monografia não foram propriamente auspiciosos. Talvez eu pudesse ser um pouquinho mais direto e reconhecer que foi um fracasso retumbante. Aliás, essa é uma dinâmica meio recorrente na ciência jovem: você formula hipóteses interessantes, faz milhões de testes diferentes e não prova nada!
Seja como for, aquilo ficou em mim e possivelmente alimente minha rejeição a esses fundamentalistas religiosos que atuam em Bolsa, aqueles que não somente dispõem de um método infalível para ganhar dinheiro como têm certeza de que apenas a sua abordagem pode funcionar!
Olhemos de maneira objetiva para o que tem acontecido com o Ibovespa. Sem opiniões ou juízos de valor, apenas uma constatação objetiva: a gente vai ali até os 120 mil pontos e volta! Vai e volta. Já testamos esse nível ao menos três vezes e, então, batemos no muro.
O que rola?
Entendo que essa dinâmica se alinhe à ideia que tenho defendido de que a primeira fase do bull market, em que observamos uma expansão dos múltiplos por conta do prognóstico de redução dos juros à frente, chegou ao fim ou estamos muito perto disso.
Essa fase é caracterizada por muita cobertura de posições vendidas, altas vertiginosas e valorização indiscriminada dos ativos (mais beta do que alfa), tendo, curiosamente, as empresas mais problemáticas e endividadas como protagonistas.
Então, feito esse realinhamento de preços em direção a múltiplos maiores, entramos numa segunda fase, em que os lucros precisam subir. Essa é uma etapa costumeiramente mais longeva, mas mais bem comportada, sem grandes disrupções para cima e em que o stock picking começa a fazer diferença (mais alfa do que beta).
Se a proposição estiver certa, precisaremos de melhora dos resultados propriamente dita para vermos o Ibovespa alçando voos mais altos. Do ponto de vista macro, estamos atrás de mais clareza sobre os juros nos EUA, sobre o ritmo do afrouxamento monetário aqui e de avanços da pauta econômica no Legislativo.
Em termos micro, a temporada de resultados e seus guidances informais para o segundo semestre serão fundamentais.
Ibovespa a 140 mil pontos? Eu acredito, com a ressalva de que a caminhada até lá pode ser mais sinuosa e lenta do que todos nós gostaríamos.
Aquele fatídico 9 de julho que mudou os rumos da bolsa brasileira, e o que esperar dos mercados hoje
Tarifa de 50% dos EUA sobre o Brasil vem impactando a bolsa por aqui desde seu anúncio; no cenário global, investidores aguardam negociações sobre guerra na Ucrânia
O salvador da pátria para a Raízen, e o que esperar dos mercados hoje
Em dia de agenda esvaziada, mercados aguardam negociações para a paz na Ucrânia
Felipe Miranda: Um conto de duas cidades
Na pujança da indústria de inteligência artificial e de seu entorno, raramente encontraremos na História uma excepcionalidade tão grande
Investidores na encruzilhada: Ibovespa repercute balanço do Banco do Brasil antes de cúpula Trump-Putin
Além da temporada de balanços, o mercado monitora dados de emprego e reunião de diretores do BC com economistas
A Petrobras (PETR4) despencou — oportunidade ou armadilha?
A forte queda das ações tem menos relação com resultados e dividendos do segundo trimestre, e mais a ver com perspectivas de entrada em segmentos menos rentáveis no futuro, além de possíveis interferências políticas
Tamanho não é documento na bolsa: Ibovespa digere pacote enquanto aguarda balanço do Banco do Brasil
Além do balanço do Banco do Brasil, investidores também estão de olho no resultado do Nubank
Rodolfo Amstalden: Só um momento, por favor
Qualquer aposta que fizermos na direção de um trade eleitoral deverá ser permeada e contida pela indefinição em relação ao futuro
Cada um tem seu momento: Ibovespa tenta manter o bom momento em dia de pacote de Lula contra o tarifaço
Expectativa de corte de juros nos Estados Unidos mantém aberto o apetite por risco nos mercados financeiros internacionais
De olho nos preços: Ibovespa aguarda dados de inflação nos Brasil e nos EUA com impasse comercial como pano de fundo
Projeções indicam que IPCA de julho deve acelerar em relação a junho e perder força no acumulado em 12 meses
As projeções para a inflação caem há 11 semanas; o que ainda segura o Banco Central de cortar juros?
Dados de inflação no Brasil e nos EUA podem redefinir apostas em cortes de juros, caso o impacto tarifário seja limitado e os preços continuem cedendo
Felipe Miranda: Parada súbita ou razões para uma Selic bem mais baixa à frente
Uma Selic abaixo de 12% ainda seria bastante alta, mas já muito diferente dos níveis atuais. Estamos amortecidos, anestesiados pelas doses homeopáticas de sofrimento e pelo barulho da polarização política, intensificada com o tarifaço
Ninguém segura: Ibovespa tenta manter bom momento em semana de balanços e dados de inflação, mas tarifaço segue no radar
Enquanto Brasil trabalha em plano de contingência para o tarifaço, trégua entre EUA e China se aproxima do fim
O que Donald Trump e o tarifaço nos ensinam sobre negociação com pessoas difíceis?
Somos todos negociadores. Você negocia com seu filho, com seu chefe, com o vendedor ambulante. A diferença é que alguns negociam sem preparo, enquanto outros usam estratégias.
Efeito Trumpoleta: Ibovespa repercute balanços em dia de agenda fraca; resultado da Petrobras (PETR4) é destaque
Investidores reagem a balanços enquanto monitoram possível reunião entre Donald Trump e Vladimir Putin
Ainda dá tempo de investir na Eletrobras (ELET3)? A resposta é sim — mas não demore muito
Pelo histórico mais curto (como empresa privada) e um dividendo até pouco tempo escasso, a Eletrobras ainda negocia com um múltiplo de cinco vezes, mas o potencial de crescimento é significativo
De olho no fluxo: Ibovespa reage a balanços em dia de alívio momentâneo com a guerra comercial e expectativa com Petrobras
Ibovespa vem de três altas seguidas; decisão brasileira de não retaliar os EUA desfaz parte da tensão no mercado
Rodolfo Amstalden: Como lucrar com o pegapacapá entre Hume e Descartes?
A ocasião faz o ladrão, e também faz o filósofo. Há momentos convidativos para adotarmos uma ou outra visão de mundo e de mercado.
Complicar para depois descomplicar: Ibovespa repercute balanços e início do tarifaço enquanto monitora Brasília
Ibovespa vem de duas leves altas consecutivas; balança comercial de julho é destaque entre indicadores
Anjos e demônios na bolsa: Ibovespa reage a balanços, ata do Copom e possível impacto de prisão de Bolsonaro sobre tarifaço de Trump
Investidores estão em compasso de espera quanto à reação da Trump à prisão domiciliar de Bolsonaro
O Brasil entre o impulso de confrontar e a necessidade de negociar com Trump
Guerra comercial com os EUA se mistura com cenário pré-eleitoral no Brasil e não deixa espaço para o tédio até a disputa pelo Planalto no ano que vem