Entenda a quebra no SVB e o efeito bola de neve no Vale do Silício
A fragilidade financeira divulgada pelo Silicon Valley Bank (SVB) no 4T22 gerou uma onda de resgates pelos clientes que acabou por quebrar o banco em apenas 48 horas

Imagine que você está em uma encosta coberta de neve, segurando uma pequena bola de neve em suas mãos. A bola é tão pequena que você mal consegue sentir seu peso.
Você decide jogar a bola de neve ladeira abaixo, assistindo-a rolar lentamente até parar no sopé da encosta. À medida que a bola de neve ganha tamanho e velocidade, ela é capaz de coletar mais neve e se tornar ainda maior.
Quando a bola finalmente para de correr, você fica surpreso ao ver que ela é agora quase duas vezes o tamanho da original. Você olha para cima e vê que a encosta que antes parecia quase vazia agora está coberta de pequenas bolas de neve, todas elas crescendo e aumentando de tamanho à medida que rolam ladeira abaixo.
Essa é a essência do "efeito bola de neve". Uma pequena ação inicial pode desencadear uma reação em cadeia que resulta em um evento ou situação ainda maior.
No caso do Silicon Valley Bank (SVB), a fragilidade financeira divulgada no 4º trimestre de 2022 gerou uma onda de resgates pelos clientes que acabou por quebrar o banco em apenas 48 horas.
Gradually, then suddenly.
Leia Também
17 X 0 na bolsa brasileira e o que esperar dos mercados hoje, com disputa entre Israel e Irã no radar
Sexta-feira, 13: Israel ataca Irã e, no Brasil, mercado digere o pacote do governo federal
O setor bancário americano e o SVB
Para entender como a bola de neve se formou, é importante darmos um passo atrás para digerir algumas informações importantes sobre o setor bancário americano.
Entre o final de 2019 e o primeiro trimestre de 2022, os depósitos bancários nos EUA aumentaram em US$ 5,4 trilhões, fruto de um ambiente de liquidez farta e um juro orbitando em 0% durante muitos anos. Apenas 15% desse montante foi direcionado para empréstimos, enquanto o restante foi investido em ações, títulos do governo americano (treasuries) e de empresas, por exemplo.
A maneira como um banco faz a gestão dos seus ativos (empréstimos concedidos a clientes, títulos de dívida de empresas e governos, dinheiro em caixa etc.) e passivos (depósitos à vista, depósitos a prazo, empréstimos com bancos etc.) é extremamente importante para garantir sua solvência bancária.
Depois da grande crise financeira de 2008, uma nova regulamentação foi implementada para garantir a harmonia dentro do balanço patrimonial dos bancos e garantir que eles possuíssem ativos líquidos o suficiente para atender a uma corrida por saques.
Entre os ativos líquidos considerados seguros estão as reservas depositadas no Banco Central e os títulos de dívida – do governo, de empresas e até aqueles lastreados em hipotecas. Do ponto de vista regulatório, os títulos de dívida são tão líquidos quanto ‘dinheiro vivo’ e entram como reservas no Banco Central.
Diante da opção de manter o dinheiro em reservas no BC que não pagam juros ou comprar uma carteira de títulos que pagam juros, os bancos passaram a aumentar sua exposição em títulos de dívida.
O problema é que ao aumentar sua exposição a títulos de dívida, o banco não só fica exposto ao risco de crédito, como também é afetado pelo risco de volatilidade da taxa de juro. Isto é, quando o juro começa a subir, o valor dos títulos acumulados no balanço começa a cair.
O pulo do gato é que a contabilidade permite reportar a volatilidade dos títulos de duas formas diferentes:
- Available for sale (AFS), ou “disponível para venda”: nessa modalidade o banco pode girar sua carteira, mas sofrerá os impactos da volatilidade do título na sua base de capital já que eles são marcados a mercado;
- Hold to maturity (HTM), ou “mantidos até o vencimento”: os títulos são precificados pelo custo amortizado, o que basicamente significa que qualquer volatilidade decorrente das taxas de juros aparece nem nas demonstrações de resultado (P&L) nem na base de capital. Se você tem um banco e não quer sofrer o impacto da volatilidade dos títulos, é esse que você escolheria.
Quando as expectativas de taxa de juros nos Estados Unidos começaram a subir e os preços dos títulos começaram a cair, houve uma forte migração dos ativos contabilizados como AFS para HTM como uma forma de ‘esconder’ a desvalorização dos títulos. No entanto, ao vender um único título de um portfólio HTM, o valor restante deve ser atualizado.
O problema é que poucas tesourarias – área do banco responsável pela gestão dos ativos e passivos do balanço - esperavam uma mudança tão abrupta na taxa de juro em 2022.
- Leia também: Taurus (TASA4) consegue financiamento milionário de agência do governo para ‘modernizar’ armas
O caso SVB
A tesouraria do Sillicon Valey Bank não só não esperava uma alta de juro como não se protegeu para esse momento.
Sendo o banco das startups do Vale do Silício, o SVB se beneficiou do boom de IPOs e captações bilionárias na região ao longo de 2020 e 2021. Entre o final de 2019 e o primeiro trimestre de 2022, os saldos de depósitos do banco mais que triplicaram para US$ 198 bilhões e o banco investiu a maior parte em títulos.
Enquanto os títulos contabilizados como AFS cresceram de US$ 13,9 bilhões para US$ 27,3 bi, os títulos HTM aumentaram de US$ 13,8 bi para US$ 98,7 bi.
Com o aumento do juro, as perdas não realizadas – perdas que seriam realizadas caso o banco tivesse que vender os títulos para honrar obrigações de curto prazo – saíram de praticamente nada em junho/2021 para US$ 16 bilhões em set/2022, o que já seria suficiente para corroer todo o patrimônio do banco de US$ 11,8 bi no período.
Portanto, as perdas somente seriam realizadas em volumes relevantes se o SVB sofresse uma corrida repentina por saques, o que, olhando o balanço do banco não era o cenário base deles.
Cerca de 89% das fontes de financiamento do SVB eram depósitos realizados em sua maioria por startups de tecnologia que até 2021 levantavam dinheiro com Venture Capitalists e os deixava no banco até terem que usá-los para pagar salários etc.
Como vocês devem imaginar, uma característica comum de startups é que elas raramente geram fluxo de caixa positivo no início, o que, em algum momento, faria com que essas empresas resgatassem o dinheiro depositado no banco.
Para piorar, a queima de caixa dessas empresas dobrou no período:
Foi o que aconteceu.
Do lado dos passivos, os depósitos caíram de US$ 198 bi ao final de março/2022 para US$ 173 bi ao final de dezembro. Como o cliente médio do banco mantinha US$ 4,2 milhões por conta e tendo em vista que o Fundo Garantidor de Crédito dos Estados Unidos garante o seguro de apenas US$ 250 mil por conta, do total em depósitos, US$ 152 bi não eram segurados.
Enquanto isso, o SVB carregava US$ 211,8 bilhões de ativos no balanço, dos quais US$ 120,1 bilhões apenas em títulos de dívida – montante que representava 56,7% dos ativos do banco, sendo o equivalente a 2,3 vezes a carteira de títulos de um banco americano convencional (25% dos ativos). Do total dos ativos, apenas um terço eram empréstimos vs metade em um banco convencional.
Para honrar a saída de depósitos, o banco vendeu semana passada US$ 21 bi em ativos declarados como AFS que, por sua vez, mostrou sua fragilidade ao gerar uma perda patrimonial de US$ 1,8 bi.
- Você investe em ações, renda fixa, criptomoedas ou FIIs? Então precisa saber como declarar essas aplicações no seu Imposto de Renda 2023. Clique aqui e acesse um tutorial gratuito, elaborado pelo Seu Dinheiro, com todas as orientações sobre o tema.
O efeito bola de neve nos mercados
Ao ver o banco sinalizar a necessidade de levantar capital para uma reestruturação, uma crise de confiança se formou e alguns fundos de investimento começaram a dizer às suas investidas que encontrassem outro banco. O mau humor vazou no vale e lá está o efeito bola de neve na prática.
Isso mostra como a gestão de risco adotada pelo banco foi precária: o SVB viu tanto os seus ativos (títulos de dívida), quanto os seus passivos (depósitos de startups) expostos ao mesmo choque de alta de juro, que asfixiava tanto o seu caixa quanto o caixa dos seus clientes.
O mais bizarro é que era completamente possível o banco ter se protegido com hedges contra a alta do juro amplamente sinalizada pelo Federal Reserve, mas os executivos optaram por não fazer nenhum hedge! Aliás, eles até tinham proteção em dezembro/2021, mas optaram por desfazê-la totalmente em 2022.
Sem qualquer proteção, o banco registrava US$ 90 bilhões em ativos contabilizados como HTM em seu balanço patrimonial:
Diante de toda essa crise de confiança gerada pela quebra do SVB e de outros bancos regionais, como o Signature, o mercado deu um cavalo de pau na expectativa de alta do juro americano.
Em menos de uma semana, o mercado deixou de precificar três novas altas para precificar dois cortes já nos próximos 12 meses.
Mas isso é papo para uma outra newsletter.
Fontes: The Demise of Silicon Valley Bank e MacroAlf
Um abraço,
Matheus Soares
Rodolfo Amstalden: Mais uma anomalia para chamar de sua
Eu sou um stock picker por natureza, mas nem precisaremos mergulhar tanto assim no intrínseco da Bolsa para encontrar oportunidade; basta apenas escapar de tudo o que é irritantemente óbvio
Construtoras avançam com nova faixa do Minha Casa, e guerra comercial entre China e EUA esfria
Seu Dinheiro entrevistou o CEO da Direcional (DIRR3), que falou sobre os planos da empresa; e mercados globais aguardam detalhes do acordo entre as duas maiores potências
Pesou o clima: medidas que substituem alta do IOF serão apresentadas a Lula nesta terça (10); mercados repercutem IPCA e negociação EUA-China
Entre as propostas do governo figuram o fim da isenção de IR dos investimentos incentivados, a unificação das alíquotas de tributação de aplicações financeiras e a elevação do imposto sobre JCP
Felipe Miranda: Para quem não sabe para onde ir, qualquer caminho serve
O anúncio do pacote alternativo ao IOF é mais um reforço à máxima de que somos o país que não perde uma oportunidade de perder uma oportunidade. Insistimos num ajuste fiscal centrado na receita, sem anúncios de corte de gastos.
Celebrando a colheita do milho nas festas juninas e na SLC Agrícola, e o que esperar dos mercados hoje
No cenário global, investidores aguardam as negociações entre EUA e China; por aqui, estão de olho no pacote alternativo ao aumento do IOF
Azul (AZUL4) no vermelho: por que o negócio da aérea não deu samba?
A Azul executou seu plano com excelência. Alcançou 150 destinos no Brasil e opera sozinha em 80% das rotas. Conseguiu entrar em Congonhas. Chegou até a cair nas graças da Faria Lima por um tempo. Mesmo assim, não escapou da crise financeira.
A seleção com Ancelotti, e uma empresa em baixa para ficar de olho na bolsa; veja também o que esperar para os mercados hoje
Assim como a seleção brasileira, a Gerdau não passa pela sua melhor fase, mas sua ação pode trazer um bom retorno, destaca o colunista Ruy Hungria
A ação que disparou e deixa claro que mesmo empresas em mau momento podem ser ótimos investimentos
Às vezes o valuation fica tão barato que vale a pena comprar a ação mesmo que a empresa não esteja em seus melhores dias — mas é preciso critério
Apesar da Selic, Tenda celebra MCMV, e FII do mês é de tijolo. E mais: mercado aguarda juros na Europa e comentários do Fed nos EUA
Nas reportagens desta quinta, mostramos que, apesar dos juros nas alturas, construtoras disparam na bolsa, e tem fundo imobiliário de galpões como sugestão para junho
Rodolfo Amstalden: Aprofundando os casos de anomalia polimórfica
Na janela de cinco anos podemos dizer que existe uma proporcionalidade razoável entre o IFIX e o Ibovespa. Para todas as outras, o retorno ajustado ao risco oferecido pelo IFIX se mostra vantajoso
Vanessa Rangel e Frank Sinatra embalam a ação do mês; veja também o que embala os mercados hoje
Guerra comercial de Trump, dados dos EUA e expectativa em relação ao IOF no Brasil estão na mira dos investidores nesta quarta-feira
O Brasil precisa seguir as ‘recomendações médicas’: o diagnóstico da Moody’s e o que esperar dos mercados hoje
Tarifas de Trump seguem no radar internacional; no cenário local, mercado aguarda negociações de Haddad com líderes do Congresso sobre alternativas ao IOF
Crônica de uma ruína anunciada: a Moody’s apenas confirmou o que já era evidente
Três reformas estruturais se impõem como inevitáveis — e cada dia de atraso só agrava o diagnóstico
Tony Volpon: O “Taco Trade” salva o mercado
A percepção, de que a reação de Trump a qualquer mexida no mercado o leva a recuar, é uma das principais razões pelas quais estamos basicamente no zero a zero no S&P 500 neste ano, com uma pequena alta no Nasdaq
O copo meio… cheio: a visão da Bradesco Asset para a bolsa brasileira e o que esperar dos mercados hoje
Com feriado na China e fala de Powell nos EUA, mercados reagem a tarifas de Trump (de novo!) e ofensiva russa contra Ucrânia
Você já ouviu falar em boreout? Quando o trabalho é pouco demais: o outro lado do burnout
O boreout pode ser traiçoeiro justamente por não parecer um problema “grave”, mas há uma armadilha emocional em estar confortável demais
De hoje não passa: Ibovespa tenta recuperação em dia de PIB no Brasil e índice favorito do Fed nos EUA
Resultado do PIB brasileiro no primeiro trimestre será conhecido hoje; Wall Street reage ao PCE (inflação de gastos com consumo)
A Petrobras (PETR4) está bem mais próxima de perfurar a Margem Equatorial. Mas o que isso significa?
Estimativas apontam para uma reserva de 30 bilhões de barris, o que é comparável ao campo de Búzios, o maior do mundo em águas ultraprofundas — não à toa a região é chamada de o “novo pré-sal”
Prevenir é melhor que remediar: Ibovespa repercute decisão judicial contra tarifaço, PIB dos EUA e desemprego no Brasil
Um tribunal norte-americano suspendeu o tarifaço de Donald Trump contra o resto do mundo; decisão anima as bolsas
Rodolfo Amstalden: A parábola dos talentos financeiros é uma anomalia de volatilidade
As anomalias de volatilidade não são necessariamente comuns e nem eternas, pois o mercado é (quase) eficiente; mas existem em janelas temporais relevantes, e podem fazer você ganhar uma boa grana