Entenda a quebra no SVB e o efeito bola de neve no Vale do Silício
A fragilidade financeira divulgada pelo Silicon Valley Bank (SVB) no 4T22 gerou uma onda de resgates pelos clientes que acabou por quebrar o banco em apenas 48 horas

Imagine que você está em uma encosta coberta de neve, segurando uma pequena bola de neve em suas mãos. A bola é tão pequena que você mal consegue sentir seu peso.
Você decide jogar a bola de neve ladeira abaixo, assistindo-a rolar lentamente até parar no sopé da encosta. À medida que a bola de neve ganha tamanho e velocidade, ela é capaz de coletar mais neve e se tornar ainda maior.
Quando a bola finalmente para de correr, você fica surpreso ao ver que ela é agora quase duas vezes o tamanho da original. Você olha para cima e vê que a encosta que antes parecia quase vazia agora está coberta de pequenas bolas de neve, todas elas crescendo e aumentando de tamanho à medida que rolam ladeira abaixo.
Essa é a essência do "efeito bola de neve". Uma pequena ação inicial pode desencadear uma reação em cadeia que resulta em um evento ou situação ainda maior.
No caso do Silicon Valley Bank (SVB), a fragilidade financeira divulgada no 4º trimestre de 2022 gerou uma onda de resgates pelos clientes que acabou por quebrar o banco em apenas 48 horas.
Gradually, then suddenly.
Leia Também
O setor bancário americano e o SVB
Para entender como a bola de neve se formou, é importante darmos um passo atrás para digerir algumas informações importantes sobre o setor bancário americano.
Entre o final de 2019 e o primeiro trimestre de 2022, os depósitos bancários nos EUA aumentaram em US$ 5,4 trilhões, fruto de um ambiente de liquidez farta e um juro orbitando em 0% durante muitos anos. Apenas 15% desse montante foi direcionado para empréstimos, enquanto o restante foi investido em ações, títulos do governo americano (treasuries) e de empresas, por exemplo.
A maneira como um banco faz a gestão dos seus ativos (empréstimos concedidos a clientes, títulos de dívida de empresas e governos, dinheiro em caixa etc.) e passivos (depósitos à vista, depósitos a prazo, empréstimos com bancos etc.) é extremamente importante para garantir sua solvência bancária.
Depois da grande crise financeira de 2008, uma nova regulamentação foi implementada para garantir a harmonia dentro do balanço patrimonial dos bancos e garantir que eles possuíssem ativos líquidos o suficiente para atender a uma corrida por saques.
Entre os ativos líquidos considerados seguros estão as reservas depositadas no Banco Central e os títulos de dívida – do governo, de empresas e até aqueles lastreados em hipotecas. Do ponto de vista regulatório, os títulos de dívida são tão líquidos quanto ‘dinheiro vivo’ e entram como reservas no Banco Central.
Diante da opção de manter o dinheiro em reservas no BC que não pagam juros ou comprar uma carteira de títulos que pagam juros, os bancos passaram a aumentar sua exposição em títulos de dívida.
O problema é que ao aumentar sua exposição a títulos de dívida, o banco não só fica exposto ao risco de crédito, como também é afetado pelo risco de volatilidade da taxa de juro. Isto é, quando o juro começa a subir, o valor dos títulos acumulados no balanço começa a cair.
O pulo do gato é que a contabilidade permite reportar a volatilidade dos títulos de duas formas diferentes:
- Available for sale (AFS), ou “disponível para venda”: nessa modalidade o banco pode girar sua carteira, mas sofrerá os impactos da volatilidade do título na sua base de capital já que eles são marcados a mercado;
- Hold to maturity (HTM), ou “mantidos até o vencimento”: os títulos são precificados pelo custo amortizado, o que basicamente significa que qualquer volatilidade decorrente das taxas de juros aparece nem nas demonstrações de resultado (P&L) nem na base de capital. Se você tem um banco e não quer sofrer o impacto da volatilidade dos títulos, é esse que você escolheria.
Quando as expectativas de taxa de juros nos Estados Unidos começaram a subir e os preços dos títulos começaram a cair, houve uma forte migração dos ativos contabilizados como AFS para HTM como uma forma de ‘esconder’ a desvalorização dos títulos. No entanto, ao vender um único título de um portfólio HTM, o valor restante deve ser atualizado.
O problema é que poucas tesourarias – área do banco responsável pela gestão dos ativos e passivos do balanço - esperavam uma mudança tão abrupta na taxa de juro em 2022.
- Leia também: Taurus (TASA4) consegue financiamento milionário de agência do governo para ‘modernizar’ armas
O caso SVB
A tesouraria do Sillicon Valey Bank não só não esperava uma alta de juro como não se protegeu para esse momento.
Sendo o banco das startups do Vale do Silício, o SVB se beneficiou do boom de IPOs e captações bilionárias na região ao longo de 2020 e 2021. Entre o final de 2019 e o primeiro trimestre de 2022, os saldos de depósitos do banco mais que triplicaram para US$ 198 bilhões e o banco investiu a maior parte em títulos.
Enquanto os títulos contabilizados como AFS cresceram de US$ 13,9 bilhões para US$ 27,3 bi, os títulos HTM aumentaram de US$ 13,8 bi para US$ 98,7 bi.
Com o aumento do juro, as perdas não realizadas – perdas que seriam realizadas caso o banco tivesse que vender os títulos para honrar obrigações de curto prazo – saíram de praticamente nada em junho/2021 para US$ 16 bilhões em set/2022, o que já seria suficiente para corroer todo o patrimônio do banco de US$ 11,8 bi no período.
Portanto, as perdas somente seriam realizadas em volumes relevantes se o SVB sofresse uma corrida repentina por saques, o que, olhando o balanço do banco não era o cenário base deles.
Cerca de 89% das fontes de financiamento do SVB eram depósitos realizados em sua maioria por startups de tecnologia que até 2021 levantavam dinheiro com Venture Capitalists e os deixava no banco até terem que usá-los para pagar salários etc.
Como vocês devem imaginar, uma característica comum de startups é que elas raramente geram fluxo de caixa positivo no início, o que, em algum momento, faria com que essas empresas resgatassem o dinheiro depositado no banco.
Para piorar, a queima de caixa dessas empresas dobrou no período:
Foi o que aconteceu.
Do lado dos passivos, os depósitos caíram de US$ 198 bi ao final de março/2022 para US$ 173 bi ao final de dezembro. Como o cliente médio do banco mantinha US$ 4,2 milhões por conta e tendo em vista que o Fundo Garantidor de Crédito dos Estados Unidos garante o seguro de apenas US$ 250 mil por conta, do total em depósitos, US$ 152 bi não eram segurados.
Enquanto isso, o SVB carregava US$ 211,8 bilhões de ativos no balanço, dos quais US$ 120,1 bilhões apenas em títulos de dívida – montante que representava 56,7% dos ativos do banco, sendo o equivalente a 2,3 vezes a carteira de títulos de um banco americano convencional (25% dos ativos). Do total dos ativos, apenas um terço eram empréstimos vs metade em um banco convencional.
Para honrar a saída de depósitos, o banco vendeu semana passada US$ 21 bi em ativos declarados como AFS que, por sua vez, mostrou sua fragilidade ao gerar uma perda patrimonial de US$ 1,8 bi.
- Você investe em ações, renda fixa, criptomoedas ou FIIs? Então precisa saber como declarar essas aplicações no seu Imposto de Renda 2023. Clique aqui e acesse um tutorial gratuito, elaborado pelo Seu Dinheiro, com todas as orientações sobre o tema.
O efeito bola de neve nos mercados
Ao ver o banco sinalizar a necessidade de levantar capital para uma reestruturação, uma crise de confiança se formou e alguns fundos de investimento começaram a dizer às suas investidas que encontrassem outro banco. O mau humor vazou no vale e lá está o efeito bola de neve na prática.
Isso mostra como a gestão de risco adotada pelo banco foi precária: o SVB viu tanto os seus ativos (títulos de dívida), quanto os seus passivos (depósitos de startups) expostos ao mesmo choque de alta de juro, que asfixiava tanto o seu caixa quanto o caixa dos seus clientes.
O mais bizarro é que era completamente possível o banco ter se protegido com hedges contra a alta do juro amplamente sinalizada pelo Federal Reserve, mas os executivos optaram por não fazer nenhum hedge! Aliás, eles até tinham proteção em dezembro/2021, mas optaram por desfazê-la totalmente em 2022.
Sem qualquer proteção, o banco registrava US$ 90 bilhões em ativos contabilizados como HTM em seu balanço patrimonial:
Diante de toda essa crise de confiança gerada pela quebra do SVB e de outros bancos regionais, como o Signature, o mercado deu um cavalo de pau na expectativa de alta do juro americano.
Em menos de uma semana, o mercado deixou de precificar três novas altas para precificar dois cortes já nos próximos 12 meses.
Mas isso é papo para uma outra newsletter.
Fontes: The Demise of Silicon Valley Bank e MacroAlf
Um abraço,
Matheus Soares
A fome de aquisições de um FII que superou a crise da Americanas e tudo que mexe com o seu bolso nesta quarta (15)
A história e a estratégia de expansão do GGRC11, prestes a se tornar um dos cinco maiores FIIs da bolsa, são os destaques do dia; nos mercados, atenção para a guerra comercial, o Livro Bege e balanços nos EUA
Um atalho para a bolsa: os riscos dos IPOs reversos, da imprevisibilidade de Trump e do que mexe com o seu bolso hoje
Reportagem especial explora o caminho encontrado por algumas empresas para chegarem à bolsa com a janela de IPOs fechada; colunista Matheus Spiess explora o que está em jogo com a nova tarifa à China anunciada por Trump
100% de tarifa, 0% de previsibilidade: Trump reacende risco global com novo round da guerra comercial com a China
O republicano voltou a impor tarifas de 100% aos produtos chineses. A decisão foi uma resposta direta ao endurecimento da postura de Pequim
Felipe Miranda: Perdidos no espaço-tempo
Toda a Ordem Mundial dos últimos anos dá lugar a uma nova orientação, ao menos, por enquanto, marcada pela Desordem
Abuse, use e invista: C&A queridinha dos analistas e Trump de volta ao morde-assopra com a China; o que mexe com o mercado hoje?
Reportagem especial do Seu Dinheiro aborda disparada da varejista na bolsa. Confira ainda a agenda da semana e a mais nova guerra tarifária do presidente norte-americano
ThIAgo e eu: uma conversa sobre IA, autenticidade e o futuro do trabalho
Uma colab entre mim e a inteligência artificial para refletir sobre três temas quentes de carreira — coffee badging, micro-shifting e as demissões por falta de produtividade no home office
A pequena notável que nos conecta, e o que mexe com os mercados nesta sexta-feira (10)
No Brasil, investidores avaliam embate após a queda da MP 1.303 e anúncio de novos recursos para a construção civil; nos EUA, todos de olho nos índices de inflação
Esta ação subiu mais de 50% em menos de um mês – e tem espaço para ir bem mais longe
Por que a aquisição da Desktop (DESK3) pela Claro faz sentido para a compradora e até onde pode ir a Microcap
Menos leão no IR e mais peru no Natal, e o que mexe com os mercados nesta quinta-feira (9)
No cenário local, investidores aguardam inflação de setembro e repercutem derrota do governo no Congresso; nos EUA, foco no discurso de Powell
Rodolfo Amstalden: No news is bad news
Apuração da Bloomberg diz que os financistas globais têm reclamado de outubro principalmente por sua ausência de notícias
Pão de queijo, doce de leite e… privatização, e o que mexe com os mercados nesta quarta-feira (8)
No Brasil, investidores de olho na votação da MP do IOF na Câmara e no Senado; no exterior, ata do Fomc e shutdown nos EUA
O declínio do império americano — e do dólar — vem aí? Saiba também o que mexe com os mercados hoje
No cenário nacional, investidores repercutem ligação entre Lula e Trump; no exterior, mudanças políticas na França e no Japão, além de discursos de dirigentes do Fed
O dólar já não reina sozinho: Trump abala o status da moeda como porto seguro global — e o Brasil pode ganhar com isso
Trump sempre deixou clara sua preferência por um dólar mais fraco. Porém, na prática, o atual enfraquecimento não decorre de uma estratégia deliberada, mas sim de efeitos colaterais das decisões que abalaram a confiança global na moeda
Felipe Miranda: Lições de uma semana em Harvard
O foco do curso foi a revolução provocada pela IA generativa. E não se engane: isso é mesmo uma revolução
Tudo para ontem — ou melhor, amanhã, no caso do e-commerce — e o que mexe com os mercados nesta segunda-feira (6)
No cenário local, investidores aguardam a balança comercial de setembro; no exterior, mudanças de premiê na França e no Japão agitam as bolsas
Shopping centers: é melhor investir via fundos imobiliários ou ações?
Na última semana, foi divulgada alteração na MP que trata da tributação de investimentos antes isentos. Com o tema mais sensível retirado da pauta, os FIIs voltam ao radar dos investidores
A volta do campeão na ação do mês, o esperado caso da Ambipar e o que move os mercados nesta sexta-feira (3)
Por aqui, investidores ainda avaliam aprovação da isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil; no exterior, todos de olho no shutdown nos EUA, que suspendeu a divulgação de dados econômicos
Tragédia anunciada: o que a derrocada da Ambipar (AMBP3) ensina sobre a relação entre preço e fundamento
Se o fundamento não converge para o preço, fatalmente é o preço que convergirá para o fundamento, como no caso da Ambipar
As críticas a uma Petrobras ‘do poço ao posto’ e o que mexe com os mercados nesta quinta-feira (2)
No Brasil, investidores repercutem a aprovação do projeto de isenção do IR e o IPC-Fipe de setembro; no exterior, shutdown nos EUA e dados do emprego na zona do euro
Rodolfo Amstalden: Bolhas de pus, bolhas de sabão e outras hipóteses
Ainda que uma bolha de preços no setor de inteligência artificial pareça improvável, uma bolha de lucros continua sendo possível