Eu vou ser honesto com você. Apesar de basear meus investimentos em análise fundamentalista – aquela focada em balanços, resultados e fluxo de caixa –, nunca tive nada contra os chamados analistas técnicos ou quantitativos.
Dentro das regras estabelecidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cada um tenta ganhar dinheiro como preferir e quem sou eu para dizer quem está certo ou errado?
No entanto, existe uma classe de investidores que não gera nenhum tipo de empatia em mim: os caçadores de "dicas quentes".
Baseado em fatos reais
Era uma vez um analista de empresas, cuja rede de contatos causava inveja em muita gente na Faria Lima.
Era amigo de escola do CFO de uma empresa de alimentos, tinha feito faculdade com o CEO de uma companhia elétrica, era melhor amigo do filho do controlador da segunda maior empresa agro do Brasil e, entre outros contatos, jogava beach tennis com o sobrinho do maior banqueiro do país.
Para falar a verdade, o cara não era um baita analista. Longe disso. No entanto, toda semana ele tinha pelo menos três ou quatro "insights" – leia-se fofocas – que muita gente na Faria Lima estaria disposto a pagar milhares de dólares para saber em primeira mão.
Não só estavam dispostos como pagavam mesmo: ele foi contratado por uma bolada para ser o chefe de análise em uma grande corretora. Azar dos clientes.
A última dica
O meu problema com esse tipo de investidor é que eles burlam as regras do jogo.
Eles utilizam informações privilegiadas – baseadas em suas origens privilegiadas – para ganhar dinheiro em cima de investidores que jogam dentro das regras.
Informações que deveriam ficar restritas à gestão de uma companhia são repassadas para os amigos mais próximos, enquanto nós, reles "mortais", só conseguimos trabalhar com aquilo que é público.
Mas nem sempre a "dica esperta" dá certo. Na verdade, às vezes ela dá muito errado.
O tal analista voltou do último torneio de beach tennis com uma dica que parecia valiosa. A sua dupla no torneio era responsável pelo departamento de fusões e aquisições de um banco importante na Faria Lima, e o boato era de que a Natura estaria negociando a sua subsidiária, a Aesop. Mais do que isso: as negociações estavam "quentes" e muito próximas de serem concluídas.
A primeira coisa que o analista fez na segunda-feira foi recomendar a compra das ações da Natura. Ele só esqueceu de olhar para todo o resto.
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Bem feito!
A Aesop é uma marca importante e realmente deve render alguns bilhões para o cofre da Natura quando a transação for fechada.
O problema é que todas as outras divisões passam por problemas sérios neste momento. A combinação de inflação elevada, perda de poder de compra da população, guerra na Ucrânia e maiores dificuldades na integração com a Avon têm feito os resultados da Natura desabar.
E não foi diferente no quarto trimestre de 2022. Como você pode conferir, o Ebitda consolidado recuou 45% no 4T22.

O nosso "amigo" bem informado, que sugeriu comprar as ações por causa de um evento, que até pode vir a ajudar um pouco as ações, acabou vendo NTCO3 desabar quase 20% apenas no dia da divulgação dos resultados.
Os investidores que entraram no papel focados apenas nos bilhões vindos da venda da Aesop viram quase R$ 4 bilhões de valor da companhia evaporarem após a divulgação dos números do 4T22.
O que eu tenho a dizer sobre isso?
Bem feito!
Nem todas as dicas são furadas
Eu sei que nem todas as dicas são furadas e nem todas envolvem burlar as regras do mercado. Às vezes conseguimos dicas valiosas de jornais ou de pesquisas de campo.
Ver se aquele shopping listado em bolsa está tão cheio quanto a gestão vem falando, conferir se aquela varejista está realmente fazendo entregas em menos de 24h ou se isso vale apenas para meia dúzia de produtos selecionados, podem trazer bons insights, por exemplo.
E podemos utilizar essas informações em nosso favor, sim, sem peso na consciência.
O que você não deve fazer é comprar a ação apenas com base em um evento favorável e esquecer de todo o resto.
Comprar Natura por causa de uma possível venda da Aesop é o mesmo que pular na areia movediça para pegar uma sobremesa de gelatina – não me parece valer o risco.
A dica é útil quando a companhia já vive um bom momento operacional, e negocia por preços interessantes. Nesses casos é que você deveria usar os insights a seu favor.
Por exemplo, há algum tempo circula pelos jornais e corredores da Faria Lima que a Hypera (HYPE3) pode ser comprada por alguma rival, o que – se acontecer – será um gatilho importante para os papéis.
Mas não é por isso que temos HYPE3 na carteira da série Vacas Leiteiras.
Temos HYPE3 porque a companhia negocia por múltiplos atrativos e tem conseguido entregar um sólido crescimento de resultados e margens, mesmo em um ambiente macroeconômico complicado.
Se aparecer algum comprador, ótimo, vamos vender a ação com um bom lucro e partir para uma próxima.
Por outro lado, se não aparecer comprador para a empresa, ainda teremos um ativo de muita qualidade na carteira, e com potencial para entregar bons dividendos no futuro.
Se quiser conferir todas as ações da série Vacas Leiteiras, deixo aqui o convite.
Um grande abraço e até a semana que vem!
Ruy