“‘Depois da chegada ao lugar... Mais tarde... como o do nosso bibliotecário Mattia Pascal, desaparecido há vários dias. Causa do suicídio: dificuldades financeiras.’
— Eu?... ‘Desaparecido... reconhecido... Mattia Pascal...’”
“O Falecido Mattia Pascal”, de Luigi Pirandello
Mattia Pascal era um bibliotecário mal remunerado, que foi obrigado a casar com Romilda, com quem teve um filho que, por sua vez, veio a falecer. Além disso, Mattia também perdeu sua mãe e era atormentado a todo tempo por sua sogra, Pescattore.
Por isso, não é de se estranhar que o protagonista de “O Falecido Mattia Pascal”, romance de Luigi Pirandello, tenha fugido de sua realidade. Ele foi para Mônaco, apostou em um cassino todo o dinheiro que levou e, por acaso, foi bem-sucedido em sua empreitada e juntou uma pequena fortuna.
Feliz, mas ciente de suas obrigações com Romilda, ele decidiu voltar para casa, mas, para a sua surpresa, descobriu por meio de um jornal que ele próprio havia “morrido”.
Isso mesmo, Mattia, segundo um jornal da época, havia cometido suicídio e, inclusive, o corpo fora reconhecido por sua viúva e pela sogra.
A obra de Pirandello nos remete a nosso polêmico bitcoin, que volta e meia se depara nos jornais com o seu obituário. Contudo, diferentemente da personagem, que morreu apenas uma vez, a criptomoeda já foi dada como morta mais de 400 vezes, segundo o site 99bitcoins.
Tal qual Mattia Pascal, que se reinventou após “morrer” e assumiu uma nova identidade, como Adriano Meis, ao longo do tempo o bitcoin também adotou novas “identidades”.
Se no documento inicial postado por Satoshi Nakamoto o BTC era descrito quase como uma prova de conceito de dinheiro unicamente digital, no decorrer dos anos ele passou pelas seguintes narrativas:
- i. Rede de pagamentos ponto a ponto barata
- ii. Ouro digital resistente a censura
- iii. Dinheiro anônimo e privado da darknet
- iv. Reserva de valor para o ecossistema cripto
- v. Banco de dados compartilhável e programável
- vi. Ativo financeiro não correlacionado
O fato é que o bitcoin é transmorfo, não pela evolução da tecnologia em si, pois as evoluções pelas quais a rede passou foram bem poucas se comparadas às de outros projetos, mas porque os investidores têm opiniões diferentes sobre o mesmo ativo.
Consequentemente, a narrativa que o envolve evolui ao longo do tempo, de acordo com a interpretação da comunidade que o cerca em cada período.
Imagine essa evolução como se estivéssemos na Idade da Pedra e encontrássemos o fogo. Em um primeiro momento, ele serviria para afastar predadores, depois perceberíamos que serve para nos aquecer, então seria usado para assar alimentos e, por último, para forjar armas.
Podemos notar que esse comportamento aconteceu recentemente também com a internet. Digo isso porque, nos anos 2000, o “killer app” dessa ferramenta era o e-mail e isso estava estampado em todas as apresentações de grandes bancos da época.
Veja você que, por algum tempo, eles estiveram certos, pois o e-mail realmente era algo que mudava o jogo na comunicação de então. No entanto, quando olhamos em retrospecto, parece até meio bobo pensar que um dia se reduziu a internet a uma correspondência digital.
Pois bem, para todos aqueles que reduzem o bitcoin e as criptomoedas a meios de pagamentos lentos e desajeitados, preste atenção, pois, em retrospecto, essa visão só não será pior do que a daqueles que ignoraram por completo essa tecnologia.
Dentro da Empiricus, deixamos de ignorá-las desde 2017 e tenho a certeza de que isso foi muito lucrativo, mais de 1.200% lucrativo.
Durante esse tempo, o bitcoin morreu várias vezes, mas continuou vivo e mais forte, demonstrando sua antifragilidade.
Por isso cabe a você decidir se quer estar exposto a um ativo antifrágil, mesmo que pouco, ou completamente à mercê de uma economia mundial e local cada vez mais frágil.