Reflexões sobre novos paradigmas: onde investir em um mundo cada vez mais complexo
Devemos privilegiar abordagens estruturalistas para a alocação de recursos, de modo a estarmos realmente preparados para movimentações de cunho assimétrico

Vivemos em um momento bastante curioso da história. Sem paralelo, com certeza. Pandemia, aprofundamento do movimento de descolamento entre o universo financeiro e a economia real, patamares de desigualdade mundial piorando, inteligência artificial, algoritmos aumentando a distância entre pessoas que pensam diferente e elevando o nível de atrito de grupos colocados como antagônicos, guerra comercial, volatilidade, instabilidade política... Caminhamos para dentro de mais uma década com bastante emoção.
Curiosamente, o humano se pagou à ciência por ser eminentemente romântico. Quantificar a existência deriva de nosso ímpeto em controlar. A razão é uma grande emoção - é o desejo de controle. O amplo acesso à informação e o dinamismo dos acontecimentos, sejam eles sociais, econômicos ou políticos, jogou-nos em um caldo de cultura tal que a incerteza, que antes já era presente, torna-se imperativa e inapartável em seus mais diversos sentidos. Vetores que inspiraram Bauman a nos considerar líquidos, em sua notória sociedade líquida.
Talvez ainda estejamos vivendo a fronteira, como bem colocou Harari em "Sapiens" e, posteriormente, em "Homo Deus" - ainda estou para ler as "21 lições para o século 21". O ponto de convexidade da curva de desenvolvimento em que, com o menor dos movimentos, teremos obrigatoriamente uma mudança descomunal nos mais diversos níveis.
Não importa o autor, o resultado é o mesmo: chegamos ao momento para o estabelecimentos de novos paradigmas.
Já diria Bob Dylan… "The Times They Are A-Changin’".
As dúvidas se formam. Não apenas na minha cabeça, mas, sim, na cabeça de todos. E ainda por cima em meio à maior crise sanitária da história recente, em ano eleitoral na maior potência econômica no mundo - a mesma que tem enfrentado manifestações de porte gigantesco e batalhado de maneira incessante contra a Covid-19, vale dizer.
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Se alguém te disser que tem a resposta, desconfie. Ele está mentindo. Para pensar com serenidade, precisamos nos ater ao que realmente importa e quero te ajudar nisso. Precisamos distanciar nossas cabeças do imediatismo e do sentimentalismo das redes sociais, além de fugir do frenesi imposto pelo dia a dia dos mercados. Basicamente, devemos privilegiar abordagens estruturalistas para a alocação de recursos, de modo a estarmos realmente preparados para movimentações de cunho assimétrico.
O que vai acontecer se presenciarmos mesmo uma segunda onda de Covid-19?
Convido o leitor a verificar o gráfico da Capital Economias exposto abaixo. Ele ilustra a evolução recente dos casos do novo coronavírus nos EUA. Como podemos analisar, existe sim um novo e revigorado repique de casos. Mal foi a reabertura se tornar mais tangível, que os casos já começaram a surgir. Não somente isso, mas podemos estar tendo as consequências mais acentuadas da onda de manifestações que aconteceram nos EUA. Evidentemente, não seria no dia seguinte aos protestos que os casos apareceriam. Logo, temos dois impulsionadores: i) manifestações; e ii) reabertura.
O que precisa pro mercado gritar: "tem segunda onda”?
Bem, antes gostaria de delimitar alguns preceitos que impedem um efeito tão arrasador como o que vimos anteriormente. O primeiro deles é que a pandemia já está no preço e não é algo na cauda da distribuição das probabilidades associadas.
O meu segundo ponto tem um cunho mais técnico, no sentido de instrumentalização das posições do mercado, hoje sem o mesmo grau de alavancagem e com muito mais liquidez (cortesia dos BCs mundiais). A terceira ponderação é justamente a maneira como lidamos com o problema de saúde. Hoje, ainda estamos saindo da quarentena, o que torna a imposição de regras muito mais fácil de ser implementada. Além disso, existe todo o aprimoramento dos protocolos de saúde, que poderá explicar, ao menos em partes, a continuidade da queda de mortes mesmo com um novo repique de casos.
Sim, assusta. Sim, pode acarretar novas mínimas no mercado. Nada, contudo, tão abrupto e repentino como o que vimos no passado. Ainda me pego pensando na economia real e em como poderemos voltar gradualmente aos patamares de atividade. Claro que novas quarentenas afetam tal prognóstico, deixando-nos com pouca visibilidade. Mas podemos ilustrar as possibilidades da seguinte maneira:
Nos gráficos, ambos elaborados pela Capital Economias, podemos verificar alguns cenários para a retomada. O primeiro ilustra a famosa retomada em V, bem pujante. O segundo traz outros horizontes, desde uma retomada mais lenta à rota anteriormente esperada, até mudanças acentuadas no crescimento sustentado de longo prazo. Para nos auxiliar ainda mais a entender a problemática, observe abaixo o gráfico de retomada do emprego nos EUA desde 1953.
Note, antes de mais nada, que vivemos o mais acentuado avançar do desemprego nos EUA (linha azul clara). Fico particularmente preocupado com impactos na renda e na massa salarial real. Em geral, tal problemática leva tempo para recuperar, principalmente porque podemos estar diante de mudanças importantes e profundas no padrão de consumo.
Pense sobre os segmentos mais afetados: saúde, turismo, restaurantes, entretenimento, viagens, estacionamentos, ensino superior… Todos eles, combinados, responsáveis por criar inúmeros empregos, sustentar famílias e proporcionar consumo. Todos afetados.
Veja que a mudança de paradigma é profunda. The Times They Are A-Changin’.
Minha posição é a de que, por mais que o mercado não sinta um baque tão forte, a volatilidade deve se elevar - vale dizer re-rating para vol? Teremos de nos acostumar com um mercado mais sensível, menos relacionado com a realidade e viciado em liquidez.
Aliás, justamente pelo excesso de liquidez e pela necessidade de se comprar algo com o dinheiro exacerbado jogado, os agentes passam a olhar tecnologia - se os fundamentos estão ruins, vamos para growth (vide dinâmica growth vs. value que já expus aqui). O problema é que comprar crescimento, principalmente em tech disruptiva, é muito mais incerto do que anteriormente poderíamos propor com as ideias mais clássicas da Escola de Valor. Elevamos, assim, o grau de sensibilidade dos preços, uma vez que estarão sempre mais ligados à subjetividade dos analistas.
A solução pragmática reside na diversificação, principalmente entre classes. Devemos somar ainda a internacionalização patrimonial, comprar ouro e moeda forte - se será ruim nos EUA, imagine no Brasil. Ray Dalio, o maior gestor do mundo, chama essa ideia de All Weather Portfolio, ou "um portfólio para todos os climas".
Vamos comprar Bolsa americana e tecnologia também. Tudo isso, claro, feito sob o devido dimensionamento das posições, conforme seu perfil de risco, e a devida diversificação de carteira, com as respectivas proteções associadas.
Na Empiricus, Felipe Miranda cuida quinzenalmente da série Palavra do Estrategista. Nela podemos explorar com mais profundidade ideias e aplicações como a que tentei apresentar aqui hoje, de maneira clara, fácil e prática. Convido-os a conferir nosso conteúdo e aproveitar de maneira saudável e consistente as assimetrias espalhadas por esse mundo complexo e cheio de novos paradigmas.
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