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O que olhar no texto da reforma da Previdência e como antecipar “fake news”

Bolsonaro tô casando com vocês congresso

Presidente Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados no dia de sua posse. "Tô casando com vocês", disse.

Depois de 51 dias no cargo e quase quatro meses da eleição, o presidente Jair Bolsonaro apresenta o texto completo da reforma da Previdência, medida vista como essencial para afastar o país da beira de um abismo fiscal e lançar as bases para um crescimento econômico de juro baixo e inflação controlada.

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Para os mercados, a reforma pode consolidar um “bull market” histórico, com potencial de ganhos exponenciais em ativos de risco, como bolsa de valores, e promover uma nova rodada de queda consistente dos juros futuros. Pesquisa recente do Bank of America Merrill Lynch, ajuda a ilustrar um pouco esse quadro.

O cenário aqui é binário, ou se faz a reforma, ou todos “jogamos a toalha” e nos preparamos, por exemplo, para um retorno à hiperinflação e calotes da dívida que vimos nos anos 1980.

No entanto, nada estará decido nesta quarta-feira. Esse é apenas o segundo passo, digo segundo, pois o primeiro foi a divulgação, na semana passada, das idades mínimas de 62 anos para mulheres, 65 anos para homens e tempo de transição de 12 anos. A economia estimada é de cerca de R$ 1 trilhão ao longo de 10 anos.

Hoje serão conhecidos demais detalhes, como formato da transição, regime para trabalhadores rurais, quais regras valerão para os Estados e seus Regimes Próprios (RPPSs), qual será o sacrifício dos servidores públicos e se eles manterão paridade e integralidade, qual será a separação entre assistencialismo e Previdência e se o salário mínimo continuará corrigindo benefícios.

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Todos esses pontos farão parte das negociações até que se chegue ao formato final da reforma que será levada à votação na Câmara e no Senado. Isso vai levar tempo e sabemos que o tempo de Brasília é diferente do tempo do mercado. As estimativas são variadas, mas não se deve esperar desfecho antes do primeiro semestre na Câmara, depois é a vez do Senado assumir o controle.

Moedas de troca

Os diferentes pontos da reforma podem ser vistos como diversas “moedas de troca” por votos e o humor do mercado e o preço dos ativos vão oscilar conforme a capacidade de negociação do governo.

A questão é como abrir mão dessas moedas sem comprometer o objetivo primordial da reforma de garantir uma redução nos gastos obrigatórios buscando primeiro uma estabilização e depois uma posterior redução da relação dívida sobre o Produto Interno Bruto (PIB), que já ruma para os 80% do produto. Para dar uma ideia de como a dívida explodiu nos últimos anos, em 2013 esse percentual rondava os 60%.

Fazendo um rápido adento, a reforma é um dos elementos do ajuste fiscal, que tenta pela enésima vez na história fazer o Estado caber dentro do PIB. Outras medidas que terão de andar são a revisão de renuncias tributárias, o que passa também por repensar o sistema tributário para empresas e pessoas físicas. Também entram na conta a venda de estatais, como uma forma de abater o endividamento e reduzir o que se gasta com o pagamento de juros.

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A proposta também deve trazer o esboço do pretendido regime de capitalização, no qual o trabalhador tem uma conta própria para fazer suas economias para a velhice, se contrapondo ao regime atual, no qual os jovens pagam a aposentadoria de seus pais e avós.

A ideia do governo é obter autorização para fazer uma regulamentação posterior da capitalização, que também envolveria opções por um novo regime trabalhista, e que isso não seja uma regra escrita na Constituição.

Essa batalha será difícil, pois o brasileiro é visto com uma criatura incapaz de fazer escolhas e tem sempre de ser tutelado por gente que sabe o que é melhor para ele, como políticos, sindicatos, associações diversas e parte do Judiciário.

Riscos e fake news

Uma das principais dúvidas reside na capacidade do governo em fazer essa negociação das “moedas de troca”. Ainda não se enxerga quem será o grande arbitrador desse mercado político que vai negociar até que ponto ceder diante de demandas “justas”, esmagar lobbies injustos, e romper com a tradicional lógica de Brasília dos benefícios concentrados e custos difusos.

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Na noite de terça-feira, a Câmara dos Deputados mandou um recado de insatisfação com o momento atual dessa articulação política ao derrubar um decreto editado pelo vice-presidente, Hamilton Mourão.

O presidente Bolsonaro pode ser uma figura relevante, usando seu prestigio eleitoral e sua alavancagem nas redes sociais para angariar apoio popular às mudanças propostas e fazer essa pressão chegar ao Congresso. Mas também parece necessária a ajuda de um ou mais articuladores políticos, para fazer uma negociação de varejo com os diferentes grupos de interesse representados no Congresso.

É desses diferentes grupos que virá uma das maiores ameaças à reforma, as “fake news”, que usam os mais pobres como escudo contra a perda de privilégios, propagando coisas como: o pobre nunca vai se aposentar, que a idade mínima é maior que a expectativa de vida da população, que o déficit é uma invenção e que bastaria cobrar os devedores da Previdência que a questão estaria resolvida.

Sempre que algum “meme”, notícia, vídeo apócrifo ou de associação de funcionários públicos sugerir que o problema é de fácil solução ou que o “pobre” não vai “alguma coisa”, desconfie.

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Só para ilustrar onde estão interesses contrariados, fica essa constatação feita em apresentação do Insper sobre os desafios da Previdência: “O esforço da sociedade para pagar a um funcionário público federal inativo é mais de dez vezes o feito para honrar a aposentadoria de um trabalhador do setor privado”, em valores são R$ 441 por aposentado privado contra R$ 5.589 por aposentado público.

A lista de “fake news” é bem maior e certamente vai crescer, mas o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defensor declarado da reforma, já iniciam essa batalha da comunicação. Maia já disse, mais de uma vez, que o problema não é a reforma, mas sim “as mentiras que se falam sobre a reforma”.

A que preço?

As negociações em torno do texto final da reforma também devem mostrar, na prática, como funcionará a nova forma de fazer política do governo, que abandonou o “toma lá, dá cá”, que envolvia troca de votos por nomeações, cargos em estatais e, muitas vezes, dinheiro sujo.

Desde a época da campanha, Bolsonaro se apoiava no voto temático, ou seja, ter apoio de parlamentares e bancadas simpáticos às suas ideias e não o apoio de partidos e seus caciques.

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Tratamos desse assunto lá em outubro e o mestre em economia pela UnB e doutor em direito pela UFMG, Bruno Carazza, alertou que esse formato de negociação com bancadas, como do agronegócio, evangélica ou da “bala” poderia representar um custo fiscal maior.

O ponto expressado por Carazza, foi que os partidos quando atuam em bloco visam poder, negociando com base em Orçamento, cargo, diretoria de estatal. Quando se desloca a ótica para a questão das bancadas, elas querem benesses, querem subsídio, crédito direcionado, desoneração fiscal, regulação mais favorável. E que isso poderia prejudicar o esforço fiscal do governo.

Exemplo claro disso foi a atuação da bancada do agronegócio com relação ao fim de uma tarifa antidumping que incidia sobre o leite em pó. O setor reagiu e obteve do presidente a promessa de novas medidas protetivas.

Então, foi até sem surpresa que vi no “Valor Econômico” de ontem que a bancada ruralista começa a contestar a agenda liberal de Paulo Guedes, que prevê redução de subsídios e cobrança de contribuição previdenciária sobre exportações do setor. Como política também se faz com gestos, Bolsonaro e Guedes tinha confirmando presença na posse de Alceu Moreira (MDB-RS) como presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

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Esse quadro vai demandar ainda mais habilidade de negociação, para não “trocar” a economia com uma eventual reforma da Previdência por gastos financeiros e políticos atendendo às demandas das variadas bancadas temáticas.

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