Subimos apesar do governo: quando a pior decisão é sempre a próxima
O Brasil parece ter desenvolvido uma habilidade peculiar — quase artística — de desperdiçar momentos estratégicos. Quando o mercado estende a mão em sinal de trégua, Brasília responde com um tropeço

A sexta-feira passada foi tudo, menos entediante — e a forma como os mercados reagiram ajuda a decifrar a temperatura do momento.
O cenário global trouxe mais um capítulo da já habitual imprevisibilidade trumpista: o ex-presidente americano voltou a ameaçar a Europa com tarifas de 50%, num déjà vu tarifário que reacende o protecionismo como pauta de campanha.
O efeito foi imediato no câmbio: o dólar perdeu tração globalmente, enquanto o euro e o real ganharam fôlego.
- SAIBA MAIS: Onde investir para buscar ‘combo’ de dividendos + valorização? Estes 11 ativos (ações, FIIs e FI-Infras) podem gerar renda passiva atrativa
O movimento reforça a leitura de que os fluxos internacionais começam a buscar refúgio fora do eixo tradicional. Basicamente, há desconforto crescente com o cenário fiscal e comercial dos EUA — e o Brasil, com todos os problemas, acaba se beneficiando da bagunça.
Mas, como de costume, Brasília nunca perde a oportunidade de atrapalhar o próprio momento. Justo quando os ativos locais ensaiavam uma tendência mais robusta de alta — ajudados por uma combinação de valuations atrativos e fluxo estrangeiro consistente —, o governo resolveu ressuscitar um fantasma.
A elevação do IOF sobre diversas operações financeiras foi anunciada no pior momento possível, em meio à expectativa por medidas de responsabilidade no Relatório Bimestral de Receitas e Despesas. A reação imediata foi de incredulidade. E embora o recuo parcial da Fazenda tenha suavizado o impacto nos mercados, o estrago à credibilidade está feito.
Leia Também
Anatomia de um tiro no pé: Ibovespa busca reação após tarifas de Trump
No fim, o episódio reforça duas coisas. A primeira é que o mercado está resiliente: a performance da bolsa, mesmo após o tropeço, permaneceu positiva — o que sugere um viés construtivo para os ativos brasileiros, apesar do ruído político e fiscal.
A segunda é que, mais uma vez, o governo ensina como transformar oportunidade em crise: o país poderia ter surfado melhor o bom momento de entrada de capital estrangeiro, mas preferiu testar os limites da paciência do investidor.
Brasil desperdiça momentos estratégicos
O que ficou de pé após o recuo: IOF de 3,5% para compras no exterior com cartão, saques em espécie e remessas para contas de banking internacional; 1,1% para remessas a contas de investimento.
Permanecem isentas as operações de importação, exportação, recebimento de valores, envio de dividendos e aportes em fundos no exterior.
O Brasil parece ter desenvolvido uma habilidade peculiar — quase artística — de desperdiçar momentos estratégicos. Quando o mercado estende a mão em sinal de trégua, Brasília responde com um tropeço.
A quinta-feira oferecia uma rara oportunidade: o Relatório Bimestral de Receitas e Despesas veio melhor do esperado, com um contingenciamento robusto de R$ 10,6 bilhões e um bloqueio adicional de R$ 20,7 bilhões.
Seria o momento ideal para o governo ganhar pontos com o investidor. Mas, fiel ao seu próprio padrão de comportamento, o Planalto preferiu se sabotar.
A decisão de elevar o IOF sobre remessas ao exterior por meio de fundos caiu como um balde de água fria. É como se a lição da proposta mal comunicada de isenção do IR, que no final de 2024 ofuscou o pacote de contenção de gastos, tivesse sido convenientemente esquecida.
Sim, o recuo da Fazenda foi bem-vindo, mas o estrago já havia sido feito. O episódio reforça a percepção de que falta coordenação entre os núcleos político e econômico do governo — e, mais grave, que ainda não há clareza sobre o que se quer comunicar ao mercado.
O resultado prático é direto: a confiança volta a ser penalizada. E o prêmio de risco, mais uma vez, será embutido nos preços.
Ensaio de controle de capitais
Está cada vez mais evidente que o governo optou por ignorar o nó estrutural dos gastos obrigatórios e escolheu a rota mais curta — e frequentemente mais nociva — da arrecadação improvisada.
O problema é que, ao mirar os bolsos com olhos de curto prazo, o governo tropeçou em um dos piores pecados que se pode cometer diante do investidor: acenou para um ensaio de controle de capitais.
A alíquota que saltaria de 0% para 3,5% da noite para o dia nas remessas ao exterior era um sinal preocupante. A leitura foi direta: se apertarem demais o botão populista em busca da reeleição, os mecanismos para tentar conter a fuga de capitais já estariam preparados.
Politicamente, a oposição não precisou se esforçar muito. A medida foi rapidamente empilhada ao lado de outras trapalhadas recentes — como o infame monitoramento do Pix — num momento em que o governo ainda tenta apagar o incêndio do escândalo do INSS.
No limite, o Planalto fabricou mais uma crise gratuita para chamar de sua. A condução errática, somada à ausência de previsibilidade, reforça a impressão de um governo mais interessado em puxadinhos do que em um plano crível de longo prazo.
Agora, o governo conseguiu a proeza de perder tudo ao mesmo tempo: o efeito positivo de um relatório fiscal acima do esperado, a arrecadação potencial da medida — baseada em estimativas otimistas de R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026 — e, mais grave, a confiança. E essa última não se recompra em leilão.
- VEJA MAIS: Duas ações para “apimentar” a carteira que podem “surfar” o fim das altas da Selic
Por que os ativos locais ainda sobem
Do ponto de vista fiscal, o episódio apenas reforça um diagnóstico já desconfortavelmente consolidado: o governo parece decidido a tratar o ajuste das contas públicas exclusivamente pela via da arrecadação. E, ainda assim, os ativos locais fecharam em alta. Há explicações plausíveis para esse aparente paradoxo.
A primeira é que, na prática, o aumento do IOF funciona como um aperto monetário adicional — e isso pode ajudar o Banco Central a justificar o encerramento do ciclo de alta da Selic, abrindo espaço para o início do debate sobre cortes futuros.
A segunda é que, do ponto de vista político, medidas impopulares como essa desgastam ainda mais o governo, alimentando a tese de que o pêndulo político pode mudar de direção em 2026. A oposição, caso consiga se organizar em torno de um nome viável, reformista e fiscalmente responsável, terá terreno fértil.
Por fim, o barulho fiscal e comercial vindo dos EUA tem acelerado o redirecionamento dos fluxos internacionais.
No fim das contas, a história se repete com incômoda familiaridade: Brasília desperdiça capital político, gera ruído desnecessário e sabota a própria narrativa de responsabilidade.
O mercado pode perdoar, mas não esquece. Cada recaída do governo na tentação de tributar o que estiver ao alcance reforça a percepção de risco, afeta a confiança e cobra preço.
Ainda assim, o Brasil continua barato, os fluxos estrangeiros seguem positivos e a possibilidade de inflexão política em 2026 ainda anima parte relevante dos investidores. Mas a travessia até lá será tudo, menos suave.
Quando a esmola é demais: Ibovespa busca recuperação em meio a feriado e ameaças de Trump
Investidores também monitoram negociações sobre IOF e audiência com Galípolo na Câmara
Sem avalanche: Ibovespa repercute varejo e Galípolo depois de ceder à verborragia de Trump
Investidores seguem atentos a Donald Trump em meio às incertezas relacionadas à guerra comercial
Comércio global no escuro: o novo capítulo da novela tarifária de Trump
Estamos novamente às portas de mais um capítulo imprevisível da diplomacia de Trump, marcada por ameaças de última hora e recuos
Felipe Miranda: Troco um Van Gogh por uma small cap
Seria capaz de apostar que seu assessor de investimentos não ligou para oferecer uma carteira de small caps brasileiras neste momento. Há algo mais fora de moda do que elas agora? Olho para algumas dessas ações e tenho a impressão de estar diante de “Pomar com ciprestes”, em 1888.
Ontem, hoje, amanhã: Tensão com fim da trégua comercial dificulta busca por novos recordes no Ibovespa
Apetite por risco é desafiado pela aproximação do fim da trégua de Donald Trump em sua guerra comercial contra o mundo
Talvez fique repetitivo: Ibovespa mira novos recordes, mas feriado nos EUA drena liquidez dos mercados
O Ibovespa superou ontem, pela primeira vez na história, a marca dos 141 pontos; dólar está no nível mais baixo em pouco mais de um ano
A história não se repete, mas rima: a estratégia que deu certo no passado e tem grandes chances de trazer bons retornos — de novo
Mesmo com um endividamento controlado, a empresa em questão voltou a “passar o chapéu”, o que para nós é um sinal claro de que ela está de olho em novas aquisições. E a julgar pelo seu histórico, podemos dizer que isso tende a ser bastante positivo para os acionistas.
Ditados, superstições e preceitos da Rua
Aqueles que têm um modus operandi e se atêm a ele são vitoriosos. Por sua vez, os indecisos que ora obedecem a um critério, ora a outro, costumam ser alijados do mercado.
Feijão com arroz: Ibovespa busca recuperação em dia de payroll com Wall Street nas máximas
Wall Street fecha mais cedo hoje e nem abre amanhã, o que tende a drenar a liquidez nos mercados financeiros internacionais
Rodolfo Amstalden: Um estranho encontro com a verdade subterrânea
Em vez de entrar em disputas metodológicas na edição de hoje, proponho um outro tipo de exercício imaginativo, mais útil para fins didáticos
Mantendo a tradição: Ibovespa tenta recuperar os 140 mil pontos em dia de produção industrial e dados sobre o mercado de trabalho nos EUA
Investidores também monitoram decisão do governo de recorrer ao STF para manter aumento do IOF
Os fantasmas de Nelson Rodrigues: Ibovespa começa o semestre tentando sustentar posto de melhor investimento do ano
Melhor investimento do primeiro semestre, Ibovespa reage a trégua na guerra comercial, trade eleitoral e treta do IOF
Rumo a 2026 com a máquina enguiçada e o cofre furado
Com a aproximação do calendário eleitoral, cresce a percepção de que o pêndulo político está prestes a mudar de direção — e, com ele, toda a correlação de forças no país — o problema é o intervalo até lá
Tony Volpon: Mercado sobrevive a mais um susto… e as bolsas americanas batem nas máximas do ano
O “sangue frio” coletivo também é uma evidência de força dos mercados acionários em geral, que depois do cessar-fogo, atingiram novas máximas no ano e novas máximas históricas
Tudo sob controle: Ibovespa precisa de uma leve alta para fechar junho no azul, mas não depende só de si
Ibovespa vem de três altas mensais consecutivas, mas as turbulências de junho colocam a sequência em risco
Ser CLT virou ofensa? O que há por trás do medo da geração Z pela carteira assinada
De símbolo de estabilidade a motivo de piada nas redes sociais: o que esse movimento diz sobre o mundo do trabalho — e sobre a forma como estamos lidando com ele?
Atenção aos sinais: Bolsas internacionais sobem com notícia de acordo EUA-China; Ibovespa acompanha desemprego e PCE
Ibovespa tenta manter o bom momento enquanto governo busca meio de contornar derrubada do aumento do IOF
Siga na bolsa mesmo com a Selic em 15%: os sinais dizem que chegou a hora de comprar ações
A elevação do juro no Brasil não significa que chegou a hora de abandonar a renda variável de vez e mergulhar na super renda fixa brasileira — e eu te explico os motivos
Trocando as lentes: Ibovespa repercute derrubada de ajuste do IOF pelo Congresso, IPCA-15 de junho e PIB final dos EUA
Os investidores também monitoram entrevista coletiva de Galípolo após divulgação de Relatório de Política Monetária
Rodolfo Amstalden: Não existem níveis seguros para a oferta de segurança
Em tese, o forward guidance é tanto mais necessário quanto menos crível for a atitude da autoridade monetária. Se o seu cônjuge precisa prometer que vai voltar cedo toda vez que sai sozinho de casa, provavelmente há um ou mais motivos para isso.