A derrota de Milei: um tropeço local que não apaga o projeto nacional
Fora da região metropolitana de Buenos Aires, o governo de Milei pode encontrar terreno mais favorável e conquistar resultados que atenuem a derrota provincial. Ainda assim, a trajetória dos ativos argentinos permanece vinculada ao desfecho das eleições de outubro.

Tenho acompanhado de perto a corrida eleitoral para as legislativas de meio de mandato na Argentina, marcadas para outubro, e é inegável que o pleito carrega potencial para redefinir tanto o rumo político quanto o econômico do país.
Mais do que uma simples votação intermediária, trata-se de um verdadeiro teste de apoio à chamada “terapia de choque” fiscal do presidente Javier Milei. Ao mesmo tempo, representa a chance de ampliar de forma decisiva a presença de sua legenda, La Libertad Avanza (LLA), no Congresso.
A meta é clara: conquistar ao menos um terço das cadeiras, o que garantiria ao governo poder de veto contra iniciativas que possam minar sua agenda de reformas — tributária, trabalhista e previdenciária. Ainda assim, mesmo em caso de vitória expressiva, Milei não escapará da necessidade de negociar com alas mais moderadas da oposição, dado que a política argentina segue marcada por forte fragmentação.
- LEIA TAMBÉM: Onde investir em setembro? O Seu Dinheiro reuniu os melhores ativos para ter na carteira neste mês; confira agora gratuitamente
Nesse cenário, a fragilidade da Unión por la Patria — principal força peronista, ainda majoritária no Congresso, mas profundamente dividida por disputas internas e por uma crise de liderança — acaba funcionando como um trunfo para o governo.
O capital político de Milei e o mercado
As últimas semanas de campanha, no entanto, foram dominadas por turbulências que ameaçam corroer o capital político de Milei. O vazamento de uma gravação que supostamente implicaria Karina Milei, irmã do presidente, em um esquema de propinas envolvendo a Agência Nacional de Deficiência (Andis), desencadeou uma investigação federal e trouxe desgaste adicional à imagem do governo.
O episódio é particularmente delicado porque colide diretamente com a bandeira anticorrupção que foi central em sua eleição de 2023. O timing tampouco poderia ser pior: às vésperas da eleição de outubro, o escândalo ameaça eclipsar conquistas recentes que vinham sendo exibidas como vitórias do governo, como a desaceleração da inflação e o avanço no equilíbrio das contas públicas.
Leia Também
Pequenas notáveis, saudade do que não vivemos e o que mexe com os mercados nesta sexta-feira (26)
O impacto já se fez sentir na prática: a eleição legislativa na Província de Buenos Aires resultou em um revés contundente para a LLA, que obteve apenas 33,8% dos votos, contra 47% conquistados pelo bloco peronista-kirchnerista. O resultado frustrou expectativas de uma disputa mais equilibrada — as pesquisas apontavam diferença de até 5 pontos percentuais — e expôs as fragilidades políticas de Milei.

O resultado eleitoral ampliou as incertezas quanto à capacidade de Milei de manter coesão política e sustentar apoio nas eleições nacionais de outubro, especialmente após o desgaste provocado pelo escândalo envolvendo sua irmã, episódio que corroeu parte relevante de seu capital político.
O impacto foi imediato nos mercados: a taxa de câmbio saltou de ARS 1.370 para ARS 1.430 logo após a divulgação, refletindo um ambiente financeiro já fragilizado, no qual a desvalorização do peso se combina ao risco de uma nova aceleração inflacionária. Na dinâmica atual, o câmbio caminha para ultrapassar a banda superior de tolerância definida pelo Banco Central, o que reforça a percepção de vulnerabilidade.
Diante desse quadro, a expectativa é de que as autoridades priorizem a estabilidade cambial como peça central na gestão do período pré-eleitoral. Esse esforço provavelmente exigirá uma combinação de medidas, passando tanto por um maior rigor na política monetária — com taxas de juros mais elevadas para conter pressões inflacionárias e sustentar o peso — quanto por intervenções diretas no câmbio.
O desafio, contudo, é calibrar esse mix de instrumentos sem sufocar ainda mais a atividade econômica, já enfraquecida, e sem comprometer a narrativa de disciplina fiscal e monetária que o governo busca defender perante os agentes de mercado.

Assim, ainda que Milei insista em reafirmar seu compromisso com disciplina fiscal, política monetária restritiva e manutenção do atual regime cambial, o revés político recente amplia o prêmio de risco e sinaliza obstáculos mais profundos para a aprovação de sua agenda de reformas após outubro — agenda que, vale destacar, ainda exige avanços significativos em diversas frentes estruturais.
- LEIA TAMBÉM: Os leitores do Seu Dinheiro recebem todos os dias as notícias mais quentes do mercado. Quer receber também? Cadastre-se aqui
O termômetro da disputa eleitoral
A derrota eleitoral não altera de imediato a governabilidade, já que se tratou de uma disputa restrita ao legislativo provincial. No entanto, o episódio assume caráter simbólico importante, funcionando como um termômetro da disputa nacional que se aproxima.
A Província de Buenos Aires, que concentra cerca de 40% do eleitorado argentino e tradicionalmente se inclina ao peronismo, era vista como uma oportunidade para Milei demonstrar capacidade de reverter tendências históricas e consolidar sua base política. O resultado, contudo, reforça o grau de dificuldade do desafio.
Embora as pesquisas nacionais ainda indiquem Milei competitivo, o episódio serve como um choque de realidade: a corrida até outubro tende a ser marcada por incertezas, volatilidade e embates intensos. Há espaço tanto para a consolidação de sua liderança e fortalecimento de sua agenda quanto para o risco de erosão de apoio e enfraquecimento político. O quadro atual mostra que Milei ainda mantém vantagem, mas tem perdido terreno, refletindo uma disputa mais aberta do que parecia.

Apesar do revés recente, o cenário eleitoral argentino segue em aberto. Fora da região metropolitana de Buenos Aires — tradicional reduto do peronismo —, o governo de Milei pode encontrar terreno mais favorável e conquistar resultados que atenuem a derrota provincial. Ainda assim, a trajetória dos ativos argentinos permanece estreitamente vinculada ao desfecho das eleições de outubro.
O comportamento do mercado dependerá não apenas do resultado das urnas, mas, sobretudo, da capacidade do governo de recalibrar sua estratégia econômica e política de forma convincente, transmitindo confiança a investidores e agentes locais. Em última instância, será essa habilidade de ajuste que determinará se a recente turbulência eleitoral se traduz em mera oscilação temporária ou em um entrave mais profundo à recuperação sustentada dos preços dos ativos no país.
Dois coelhos com uma cajadada só, um grande encontro e o que move os mercados nesta terça-feira (23)
Investidores acompanham hoje ata do Copom, início da Assembleia Geral da ONU e discurso do presidente do Fed
80 anos de ONU: discursos idealistas, cofres vazios e investidores correndo para o ouro
Ao mesmo tempo em que busca reafirmar seu papel global, a ONU enfrenta talvez a mais profunda crise de legitimidade e de recursos de sua história
Felipe Miranda: O novo ouro é… o próprio ouro
Há uma narrativa de que o bitcoin seria o “ouro digital”, mas existem motivos pelos quais o paralelo com o metal precioso não é tão correto assim
Quem quer dinheiro? Uma jogada de mestre com o ouro, e o que mexe com os mercados nesta segunda-feira (22)
Dia tem discursos de dirigentes do Banco Central da Inglaterra e do Federal Reserve; investidores também se preparam para a Assembleia Geral da ONU, que começa amanhã
Petrobras (PETR4): novo plano estratégico pode abrir as portas para mais dividendos aos acionistas; saiba o que esperar
Estamos perto da divulgação do Plano Estratégico 2026-2030 da Petrobras, o que pode ser um catalisador relevante para os papéis da estatal
Super Quarta de contrastes: a liquidez vem lá de fora, a cautela segue aqui dentro
Fed inicia novo ciclo de cortes, Copom sinaliza flexibilização futura e mercados globais reagem à virada monetária que impulsiona ativos de risco
O melhor aluno da sala fazendo bonito na bolsa, e o que esperar dos mercados nesta quinta-feira (18)
Investidores ainda reagem às decisões e declarações da Super Quarta; no Reino Unido e no Japão, definição de juros vem hoje
Rodolfo Amstalden: A falácia da “falácia da narrativa”
Pela visão talebiana, não conseguimos nos contentar com o simples acaso, precisamos sempre de uma explicação para o que está acontecendo
Como a Super Quarta mexe com os seus investimentos, e o que mais move os mercados nesta quarta-feira (17)
Após mais um recorde na bolsa brasileira, investidores aguardam decisão sobre juros nos EUA e no Brasil
Para qual montanha fugir, Super Quarta e o que mexe com os mercados nesta terça-feira (16)
À espera da definição da política monetária nos EUA e no Brasil, investidores repercutem aviso de que Trump deve anunciar reação após condenação de Bolsonaro
Felipe Miranda: A neoindustrialização brasileira (e algumas outras tendências)
Fora do ar condicionado e dos escritórios muito bem acarpetados, há um Brasil real de fronteira tecnológica, liderando inovação e produtividade
O que a inteligência artificial vai falar da sua marca? Saiba mais sobre ‘AI Awareness’, a estratégia do Mercado Livre e os ‘bandidos’ das bets
A obsessão por dados permanece, mas parece que, finalmente, os CMOs (chief marketing officer) entenderam que a conversão é um processo muito mais complexo do que é possível medir com links rastreáveis
A dieta do Itaú para não recorrer ao Ozempic
O Itaú mostrou que não é preciso esperar que as crises cheguem para agir: empresas longevas têm em seu DNA uma capacidade de antecipação e adaptação que as diferenciam de empresas comuns
Carne nova no pedaço: o sonho grande de um pequeno player no setor de proteína animal, e o que move os mercados nesta quinta (11)
Investidores acompanham mais um dia de julgamento de Bolsonaro por aqui; no exterior, Índice de Preços ao Consumidor nos EUA e definição dos juros na Europa
Rodolfo Amstalden: Cuidado com a falácia do take it for granted
A economia argentina, desde a vitória de Javier Milei, apresenta lições importantes para o contexto brasileiro na véspera das eleições presidenciais de 2026
Roupas especiais para anos incríveis, e o que esperar dos mercados nesta quarta-feira (10)
Julgamento de Bolsonaro no STF, inflação de agosto e expectativa de corte de juros nos EUA estão na mira dos investidores
Os investimentos para viver de renda, e o que move os mercados nesta terça-feira (9)
Por aqui, investidores avaliam retomada do julgamento de Bolsonaro; no exterior, ficam de olho na revisão anual dos dados do payroll nos EUA
Felipe Miranda: Tarcisiômetro
O mercado vai monitorar cada passo dos presidenciáveis, com o termômetro no bolso, diante da possível consolidação da candidatura de Tarcísio de Freitas como o nome da centro-direita e da direita.
A tentativa de retorno do IRB, e o que move os mercados nesta segunda-feira (8)
Após quinta semana seguida de alta, Ibovespa tenta manter bom momento em meio a agenda esvaziada
Entre o diploma e a dignidade: por que jovens atingidos pelo desemprego pagam para fingir que trabalham
Em meio a uma alta taxa de desemprego em sua faixa etária, jovens adultos chineses pagam para ir a escritórios de “mentirinha” e fingir que estão trabalhando