Quem trabalha ou trabalhou com carteira assinada no Brasil desde 1999 pode obter uma grande vitória no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta semana. Na próxima quinta-feira (27), a Corte deve continuar o julgamento sobre a forma de correção do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o que pode vir a atrelar a sua rentabilidade à inflação.
O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo partido Solidariedade foi iniciado na semana passada e já conta com dois votos favoráveis à derrubada da Taxa Referencial (TR) como índice de correção do fundo de garantia.
Como tem permanecido muito baixa - por vezes até zerada - desde 1999, a TR não poderia ser utilizada como índice de correção monetária, fazendo com que o retorno do FGTS perca feio da inflação, alega a ação.
Os dois ministros que já registraram seus votos - Luís Roberto Barroso e André Mendonça - manifestaram que o retorno do FGTS deveria, no mínimo, se igualar ao da caderneta de poupança, que hoje paga 70% da Selic mais TR, quando a taxa básica for igual ou menor que 8,5% ao ano, ou 6,17% ao ano mais TR, quando a Selic for maior que 8,5% ao ano.
Além disso, os ministros votaram para que a mudança passe a valer a partir da data do julgamento (20 de abril), isto é, sem efeitos retroativos.
Como pode ficar o retorno do FGTS caso a mudança seja acatada
Um retorno similar ao da caderneta de poupança não seria o ideal, dado que nem sempre a aplicação ganha da inflação. Por exemplo, desde que mudou a regra de remuneração da caderneta, em maio de 2012, a poupança (nova) rendeu 85,6%, enquanto o IPCA de lá para cá foi de pouco mais de 90%.
Mas já seria um incremento frente à atual rentabilidade do FGTS, de 3% ao ano mais TR, a menos que a Selic em algum momento volte a patamares inferiores a 4,50% ao ano. Após somar a distribuição de parte dos lucros do fundo de garantia, feita anualmente, aumentaria a probabilidade de o poder de compra das reservas do trabalhador ser preservado.
A ADI do Solidariedade, entretanto, propõe que uma alteração ainda mais vantajosa para o trabalhador: que a TR seja substituída pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), índice de inflação que reflete a alta de preços para uma cesta de consumo típica de quem ganha de 1 a 5 salários mínimos, mas que tem grande correlação com o IPCA, o índice oficial de inflação. Para se ter uma ideia, de maio de 2012 para cá, o INPC também foi de pouco mais de 90%.
O STF não é obrigado a acatar essa proposta, pois cabe à Corte apenas julgar se a correção pela TR é ou não constitucional e propor uma alternativa. Mas, caso os próximos votos caminhem nessa direção, uma remuneração do FGTS atrelada a um índice de preços seria o cenário ideal para o trabalhador, pois garantiria que o fundo nunca perdesse da inflação.
No gráfico a seguir, é possível se ter uma ideia das rentabilidades da poupança e do FGTS comparadas ao IPCA de 1999 para cá. Ele mostra a variação percentual anual de cada um deles. Um gráfico de linhas não é o ideal para mostrar esses dados, mas como são muitos anos, um gráfico de barras agrupadas ficaria difícil de visualizar.
A partir de 2012, foi considerado o retorno da poupança nova; e desde 2016, o retorno do FGTS conta com a distribuição de lucros. De 1999 até 2015, o retorno do FGTS é apenas aproximado, com base na Taxa Referencial (TR) anual (trata-se de uma simplificação, pois a TR é uma taxa diária).

Repare que, nos anos mais recentes, com a mudança na regra da poupança, a Selic baixa e a TR zerada, ficou mais difícil para a caderneta ganhar da inflação e até mesmo do FGTS após a distribuição de lucros. Mesmo depois que a Selic voltou a subir, a dificuldade permaneceu, pois a inflação estava novamente muito elevada.
Quanto ao FGTS, é fato que a distribuição de lucros deu uma melhorada na rentabilidade, a ponto de o fundo ter superado a poupança nos anos de 2018 a 2021 pela primeira vez de 1999 para cá.
O fundo também ganhou da inflação nos anos de 2016 a 2020. A única vez em que isso havia ocorrido de 1999 para cá foi no ano de 2006, que teve uma inflação baixa. No entanto, em 2021, o fundo de garantia voltou a ficar bem abaixo do IPCA, que bateu os dois dígitos.
Se a rentabilidade de 3% ao ano e a distribuição de lucros anual forem mantidas e a TR for substituída por um índice de preços, a preservação do poder de compra da reserva do trabalhador ficaria garantida e ainda contaria com um ganho real (acima da inflação).
Quanto podem ganhar os trabalhadores que entraram com ação na Justiça
Segundo os votos já registrados e a opinião de especialistas, se aprovada, a nova correção proposta só deve passar a valer da data do julgamento em diante, sem efeitos retroativos.
Mas, para os milhares de brasileiros que entraram com ações na Justiça pedindo a revisão da correção monetária do FGTS até o dia 20 de abril, data do julgamento, deve ser garantido algum efeito retroativo, cabendo ao STF somente estabelecer a partir de qual data essas pessoas teriam direito à revisão. Isso porque a Corte entende que quem foi à Justiça já tinha uma expectativa de receber os valores resultantes da revisão.
A empresa Cálculo Jurídico, que fornece um software de cálculos para advogados, cita alguns casos reais de quanto trabalhadores que entraram com ação antes do julgamento podem vir a receber caso consigam corrigir pela inflação valores passados depositados no fundo de garantia (a partir de 1999):
Caso real | Valor a receber após revisão da correção do FGTS |
Trabalhadora que se aposentou em 2016 com salário de R$ 8.500 e saldo acumulado de R$ 212 mil no FGTS | R$ 420.234,17 |
Trabalhador com saldo atual no FGTS de R$ 400, mas que trabalhou em algumas empresas nos últimos 20 anos, com salário médio de R$ 5 mil | R$ 68.799,91 |
Trabalhador com saldo atual zerado no FGTS, mas que trabalhou na mesma empresa por 13 anos, entre 2009 e 2022. | R$ 6.078,09 |
Note que, para os trabalhadores que entraram com ação até 20 de abril, não é preciso ter saldo no FGTS hoje, nem estar trabalhando com carteira assinada no momento para ter direito à revisão caso o STF derrube a correção pela TR.
Basta ter trabalhado com carteira assinada e, com isso, ter tido saldo no fundo de garantia em algum momento de 1999 para cá.
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Ainda dá tempo - ou há necessidade - de entrar com ação?
Caso o STF de fato decida pela inconstitucionalidade da TR para a correção do FGTS e estabeleça que a mudança só valerá da data do julgamento para frente, apenas quem entrou com ação na Justiça até o dia 20 de abril, data do início do julgamento, é que ainda terá chance de pleitear algum efeito retroativo da medida.
Assim, para quem não entrou com ação, não daria mais tempo de buscar a correção para os valores depositados no fundo de garantia de 1999 até agora.
No entanto, conforme alerta o tributarista e fundador da plataforma Easy Legal, Victor Gadelha, para de fato garantir a nova correção a partir da data do julgamento pode também ser necessário entrar com uma ação na Justiça.
Isso porque a Caixa, gestora do FGTS, só deve começar a aplicar a nova correção estabelecida pelo STF após o trânsito em julgado, o que pode levar de seis meses a dois anos para ocorrer. Ou seja, pode ser necessário entrar com uma ação na Justiça para tentar garantir os valores revisados desde 20 de abril de fato.