Vivemos em um ecossistema organizacional em que as performances individuais são, no geral, super valorizadas. Trabalhando na área de RH (Recursos Humanos), vejo isso por todas as partes: quem contrata está geralmente buscando as grandes estrelas daquele mercado ou área; e, dentro das empresas, esse reforço continua e os sistemas de avaliação buscam identificar esses profissionais que se destacam, os famosos outliers.
Mas o que as empresas, os recrutadores e os candidatos esquecem é de uma coisa chamada interdependência. Olhar somente para a dimensão da performance individual e excluir vários outros aspectos, que influenciam no desempenho de uma pessoa, podem nos levar a escolhas potencialmente desastrosas por pessoas ou empresas – a depender de qual lado da equação estejamos falando.
Para poder fundamentar o meu ponto, farei uso de um estudo de caso conduzido por Boris Groysberg, publicado na Harvard Business Review. O pesquisador fez uma avaliação de analistas de investimentos nos Estados Unidos, em particular aqueles considerados destaques, e seus desempenhos à medida que mudavam de uma empresa para outra.
Essa análise foi possível graças à revista o Investidor Institucional (Institutional Investor Magazine), que publica anualmente um ranking com os melhores analistas de cada setor, categorizados como "star analysts", em tradução livre, "analistas estrelas". É uma classificação que usa como base a carteira de recomendações que cada analista faz e o desempenho dela ao longo do tempo.
Groysberg analisou mais de mil analistas (star analysts) e seus desempenhos em 78 bancos de investimentos diferentes, no período de 1988 a 1996. A investigação focou em descobrir como eles se saíam em termos de performance em uma organização e, posteriormente, como se comportavam em outra.
Pelos dados, o autor conclui que o desempenho de um novo analista contratado cai em média 46% no primeiro ano e, mesmo nos cinco anos subsequentes, fica cerca de 20% abaixo de onde ele originalmente veio. Ou seja, eles não caem somente no primeiro ano, como nunca mais voltam ao nível e patamar em que estavam na empresa original.
E o que justifica isso?
Bem, as explicações podem ser inúmeras, mas talvez a interdependência possa explicar.
Quando o analista sai de uma empresa, ele deixa para trás todo o sistema que o suportava - equipe, liderança, pares, recursos no geral e todos os artefatos culturais daquela organização. Focamos desproporcionalmente no indivíduo e esquecemos de ponderar as demais condições do entorno.
Pensando nisso, quero propor algumas perguntas que possam servir como reflexão aos candidatos a uma vaga, às lideranças que estão em busca de um profissional e também aos recrutadores.
1 - Relação com as lideranças
- Como é a impressão geral em relação ao líder para o qual você trabalha/ irá trabalhar?
- Qual o estilo de gestão? Delega, é diretivo, orienta ou controla?
- Como os demais da equipe o percebem?
- Há quanto tempo a liderança ocupa a posição? E para quem responde na estrutura?
2- Relação com a equipe (posições de gestão) e/ou pares
- Como está a constituição da equipe? Em termos de responsabilidades e organização?
- Eles possuem competências complementares às suas?
- Há quanto estão naquelas posições?
3 - Relação com a cultura organizacional
- Como é a cultura no geral? Comando e controle, colaborativa, hierárquica?
- Quais tipos de comportamentos são valorizados? Protagonismo, diplomacia, colaboração?
4 - Relação com demais recursos
- Qual o orçamento disponível?
- Quais investimentos podem ser feitos na área?
- Quais sistemas, ferramentas e processos são utilizados?
Este é apenas um checklist de partida. Fique à vontade para ampliar, conforme a sua própria necessidade. No entanto, o mais importante é uma avaliação honesta desses tópicos sobre o ecossistema do seu trabalho atual.
Disseque com profundidade cada aspecto da análise, até que você consiga capturar o peso da interdependência na experiência em questão.
Utilize o mesmo racional ao participar e avançar em um processo de entrevistas para um novo emprego. Faça perguntas sobre as diferentes dimensões do trabalho e das relações. Busque se imaginar dentro daquele contexto sistêmico, para uma tomada de decisão mais acertada.
Até a próxima!
Um abraço,
Thiago Veras