Foram ao menos 11 moedas e 9 calotes na dívida pública desde o dia em que o Brasil ganhou sua primeira bolsa de valores, a "Bovesba", bolsa de valores da Bahia.
Foi neste cenário capenga, e com pequenos surtos, como o cenário entre 1905-1913, o período de maior número de aberturas de capitais no Brasil até hoje (foram 250 IPO's nas bolsas de SP e RJ), que o Brasil chegou ao século 21 com meros 82 mil investidores em bolsa.
Um boom de commodities e estabilidade da moeda, porém, mudaram radicalmente o cenário no século 20.
Entre 2002 e 2008, o ano em que o índice da bolsa brasileira atingiu sua máxima em dólares, o número de investidores aumentou em 5 vezes, para os ainda tímidos 550 mil.
A crise global e outras crises inteiramente nossas mantiveram o cenário do mercado de capitais quase inalterado pelos anos seguintes.
Por debaixo da superfície e dos IPOs, a situação também não foi das melhores. Como você deve se lembrar bem, em tempos de crédito farto nos bancos públicos, era um pouco difícil convencer investidores a captar recursos no mercado, afinal, o mercado é chato, cobra resultados e garantias.
Uma revolução silenciosa no chamado "UX" ou experiência do usuário, porém, parece ter feito o brasileiro pela primeira vez em mais de um século, se interessar por investimentos.
Se antes investir era considerado quase sinônimo de ligar para o seu gerente de banco e comprar Vale ou Petrobras, ou ainda, sinônimo de enviar uma carta pelos correios com a documentação para abrir conta em homebroker, hoje virou algo quase tão simples quanto trocar figurinhas no ZAP.
Foram dezenas de novas plataformas de investimento disputando cada novo CPF na bolsa, com alguns bancos até mesmo distribuindo "pedacinhos" para levar investidores novos.
Os ETFs se tornaram comuns, enquanto o investimento no exterior deixou de ser papo de milionário com offshore pra se tornar algo banal.
Mas uma questão relevante ainda seguia no mercado: o backoffice, aquela parte burocrática que ocorre por trás das suas ordens de compra e venda.
Este cenário pouco mudou, continuando burocrático, quando não um monopólio.
Boatos de novas bolsas e entrada de empresas estrangeiras acabaram sendo frustrados.
Mas uma experiência nova da CVM, a chamada "sandbox regulatória", parece ter criado um ambiente no qual a concorrência pode, enfim, ser testada.
Com o novo ambiente regulatório, a CVM aprovou uma empresa criada pela Vortx, maior companhia de infraestrutura de mercado no qual, com R$500 bilhões em ativos sob custódia, e a QR Capital, holding dona de empresas de Blockchain e Cripto como a gestora QR Asset.
A "Vortx QR Tokenizadora" deve começar a operar em breve, mas já iniciou o cadastro de investidores interessados em adquirir ativos tokenizados como debêntures e cotas de fundos de investimento.
Ainda em fase inicial no mundo, a tokenização de ativos permite ao investidor ser dono de uma fração de um ativo, por meio de um certificado digital. Na prática, o uso da Blockchain deve reduzir drasticamente o custo e o tempo das operações.
Do ponto de vista das empresas ofertantes, o uso da Blockchain também significa uma maior opção.
Empresas que hoje estão impedidas de captar recursos diretamente no mercado, por não atenderem ao tamanho da oferta considerado "necessário", acabam se tornando reféns de empréstimos e outras opções no sistema bancário. Com o uso da tokenização, tais empresas passam a dialogar diretamente com o investidor.
O custo burocrático de captar recursos ao mercado, que pode chegar a 4,9% do valor de uma operação, cai drasticamente. Na outra linha, a da liquidez, o resultado é inverso, um crescimento substancial.
Imagine por exemplo que você precisa resgatar um recurso depositado em um fundo. Sua única opção hoje é solicitar o resgate e aguardar o prazo, que pode ficar em 30 dias!
Por meio de tokens que atestam que a cota do fundo pertence a você na Blockchain, é possível vender a cota em um mercado secundário, de maneira muito ágil.
O resultado do aumento de liquidez, que é, em si, a função primária do mercado de capitais, é parte crucial das reformas necessárias para destravar o mercado.
Se nos últimos anos vimos uma reversão da trágica dependência de bancos públicos para a taxa de investimento, que agora conta com mais recursos privados, nos próximos a perspectiva é de que possamos discutir a menor dependência de bancos em geral.
No mundo, o mercado de tokenização de ativos reais tem perspectiva de crescer a uma taxa de 21,5% ao ano até 2027, saindo de $3,4 bilhões em 2021 para $8,6 bilhões.
E ao que tudo indica, ao menos neste cenário, o Brasil tem sido pioneiro.
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