O que aprender com o fracasso da empresa que tentou revolucionar o mercado imobiliário, mas já despencou 90% desde o IPO
A Opendoor — que muitos acreditaram que seria capaz de mudar para sempre o mercado imobiliário americano — já valeu US$ 24 bilhões, mas hoje vale apenas US$ 1 bilhão
Olá, seja bem-vindo à Estrada do Futuro, onde conversamos semanalmente sobre a intersecção entre investimentos e tecnologia. Um dos grandes "trends" de investimento em tecnologia entre 2018 e 2021 foi o setor imobiliário.
Ao redor do mundo, diversas empresas levantaram capital para investir na digitalização completa da jornada de se comprar um imóvel.
Na teoria, você seria capaz de encontrar seu imóvel na internet, visitá-lo virtualmente (através de vídeos) e fazer toda a burocracia online (se quisesse).
No Brasil, nomes como Loft e QuintoAndar tornaram-se bastante populares em seus segmentos. Nos EUA, outras empresas alcançaram valores de mercado exorbitantes construindo negócios como esse.
Entre as mais famosas estão a Zillow, a Redfin e a Opendoor. No gráfico abaixo, eu mostro o valor de mercado da última, desde a sua listagem na Nasdaq em 2021:
As ações da Opendoor — que muitos acreditaram que seria capaz de mudar para sempre o mercado imobiliário americano — caem 90% das suas máximas. A empresa que já valeu US$ 24 bilhões, hoje vale apenas US$ 1 bilhão.
Na coluna de hoje, eu vou te contar essa história.
A maior oportunidade do mundo
Nos slides da apresentação de listagem do SPAC da Opendoor, foi construída uma narrativa simples: o mercado imobiliário americano movimenta mais de US$ 1 trilhão anuais e não há nenhuma digitalização relevante nesse mercado.
Intermediários como corretores, cartórios e outros prestadores de serviço capturam até 12% do valor do imóvel, sem gerar muito valor aos seus clientes.
Na imagem abaixo, retirada da apresentação para investidores da empresa, ela lista todos os custos tipicamente envolvidos na venda de um imóvel de US$ 250 mil.
A Opendoor prometia, por uma tarifa muito menor do que essa (entre 3% e 4%), entregar todos esses serviços ao consumidor, com uma experiência muito melhor.
Ela prometia disruptar o maior mercado do mundo.
Como?
Opendoor atua como formador de mercado
Em vez de conectar compradores e vendedores (como seus competidores mais tradicionais), a Opendoor trouxe uma ideia nova: ela seria um "formador de mercado".
Seus executivos diziam que, por possuírem uma extensa base de dados e modelos sofisticados, eles seriam capazes de precificar qualquer imóvel listado na plataforma, comprá-lo diretamente do cliente, reformá-lo se necessário, e vendê-lo posteriormente com um lucro.
Esse modelo ficou conhecido como "flip" de imóveis.
Cidade após cidade, a Opendoor chegava e rapidamente acumulava um grande portfólio de imóveis, comprando e vendendo num intervalo médio de 4 meses.
Funcionou, enquanto os preços estavam subindo.
- LEIA TAMBÉM: Se o agro é tech, por que não encontramos empresas de tecnologia no segmento para investir?
Por que esse modelo de negócios não é óbvio?
Uma das grandes dificuldades de se construir uma empresa como a Opendoor é a sua estrutura de capital.
Ao longo dos últimos trimestres, a Opendoor comprou entre 8 mil e 15 mil residências por trimestre.
Mas comprar é muito mais fácil do que vender. Quando os juros começaram a subir (no início de 2022), um dos grandes impactos foi no segmento de "mortgage", ou financiamento imobiliário.
A taxa de juros no setor, entre 2% e 3%, escalou para mais de 7% ao ano. Assim, os compradores de imóveis sumiram do mercado, e os preços gerais estão pressionados, em queda.
Neste momento, a Opendoor se vê com um estoque imenso de casas, preços caindo (que seus modelos supostamente sofisticados passaram longe de antever), e um prejuízo crescente.
Como resultado, nos últimos doze meses a empresa teve um prejuízo de US$ 662 milhões (o que é 60% do seu valor de mercado atual).
Neste momento, não é exagero dizer que a empresa talvez deixe de existir nos próximos meses e seu portfólio de imóveis seja liquidado a qualquer preço simplesmente para que a empresa possa quitar suas dívidas.
Na semana passada, como "ato final" dessa história de disrupção fracassada, o seu fundador anunciou estar deixando o cargo de CEO, e passando apenas para o conselho. O capitão pulou do barco enquanto ele afunda.
O que aprendemos com Opendoor?
Uma das grandes "implosões" no mercado de tecnologia foi das empresas que acreditaram em seus modelos preditivos, que foram treinados num histórico de dados recentes, marcados por crescimento econômico, de renda e acesso fácil ao capital.
O que está claro agora é que esses modelos não faziam a menor ideia do que fazer quando as coisas mudassem.
Além disso, fica claro também que alguns mercados ainda não foram “disruptados” por bons motivos: eles são realmente muito difíceis.
Com margens entre 3% e 4%, a Opendoor simplesmente não tinha "margem de erro" (perdão do trocadilho). Mas em algum momento todas as empresas acabam cometendo erros.
Em resumo, vai demorar um bom tempo até que os investidores voltem a se animar com qualquer empresa na intersecção entre o setor imobiliário e tecnologia.
A ação que dá show em abril e mostra a importância de evitar histórias com altas expectativas na bolsa
Ações que embutiam em seus múltiplos elevadas expectativas de melhora macroeconômica e crescimento de lucros decepcionaram e desabaram nos últimos dias, mas há aquela que brilha mesmo em um cenário adverso
Rodolfo Amstalden: ChatGPT resiste às tentações de uma linda narrativa?
Não somos perfeitos em tarefas de raciocínio lógico, mas tudo bem: inventamos a inteligência artificial justamente para cuidar desses problemas mais chatos, não é verdade?
Ataque do Irã poderia ter sido muito pior: não estamos diante da Terceira Guerra Mundial — mas saiba como você pode proteger seu dinheiro
Em outubro, após o ataque do Hamas, apontei para um “Kit Geopolítico” para auxiliar investidores a navegar por esse ambiente incerto
Felipe Miranda: Cinco coisas que deveriam acabar no mercado financeiro
O sócio-fundador da Empiricus lista práticas do universo dos investimentos que gostaria de ver eliminadas
O que Elon Musk, Javier Milei, Alexandre de Moraes, o halving do bitcoin e a China têm em comum?
Acredite: tudo isso movimentou o mercado financeiro esta semana; veja os destaques
Meu dependente paga pensão alimentícia; posso abatê-la no imposto de renda?
Titular da declaração de imposto de renda declara o pai como dependente, e ele paga pensão alimentícia à mãe dela. E agora?
Enquanto você se preocupa com a Oi (OIBR3), esta empresa da B3 virou a campeã de qualidade no serviço de internet – e ainda está barata na bolsa
Para se diferenciar, essa companhia construiu uma infraestrutura de qualidade, que tem proporcionado prêmios de internet fixa mais rápida do Estado de São Paulo, à frente das gigantes de telecom
Rodolfo Amstalden: Quintal da China, quintal do mundo
Se a economia chinesa sofre, nós necessariamente compartilhamos dessa desgraça?
Juro real de volta aos 6%: com bolsa na pior e dólar nas alturas, essa é uma nova oportunidade?
Uma regra prática comum para investimentos em renda fixa no Brasil sugere vender títulos quando os juros reais atingem 3% e comprá-los a 6%
Além do bitcoin (BTC): esta carteira já rendeu 447% acima da maior criptomoeda do mercado
Acredito que exista uma forma melhor de pensar sobre a ciclicidade do preço do bitcoin (BTC), que historicamente nos ajudou a gerar alfa neste mercado
Leia Também
-
Tchau, Vale (VALE3)? Por que a Cosan (CSAN3) vendeu 33,5 milhões de ações da mineradora
-
E agora, Ozempic? Caneta emagrecedora Zepbound se mostra promissora no tratamento da apneia do sono
-
Petz (PETZ3) mira fórmula "Raia Drogasil" em fusão com a Cobasi, mas mercado ainda é cético com modelo de negócios