A cerimônia do Oscar, na noite deste domingo (27), foi marcada pela agressão de Will Smith a Chris Rock. O tapa na cara do comediante aconteceu após uma piada sobre com o visual da esposa do ator, Jada Pinkett Smith, que sofre de alopecia — doença autoimune que causa queda de cabelo.
A história do tapa dado pelo ator foi amplamente discutida. Mas uma parte do longo e emocionado discurso Smith ao receber o Oscar acabou ficando em segundo plano.
O ator mencionou que a atitude contra Chris Rock pode ser resultado de uma situação vivenciada em toda carreira profissional: o assédio moral.
“Eu sei que fazer o que fazemos, você precisa aguentar abuso, pessoas falando loucuras sobre você e lhe desrespeitando. Você precisa sorrir e fingir que está tudo bem”, afirmou Smith.
A piada e o tapa de Will Smith
O acontecimento que marcou o Oscar 2022 começou quando Chris Rock mencionou a esposa de Will Smith em uma piada, típica das cerimônias da Academia.
"Jada, mal posso esperar por Até o Limite da Honra 2", disse o comediante. A frase era uma referência ao filme "Até o limite da honra" (1997), em que a atriz Demi Moore interpreta uma militar com cabelos raspados. Smith então subiu ao palco e agrediu o colega com um tapa. Os dois ainda discutiram, depois que o ator exigiu que Rock não falasse mais sobre Jada.
Smith voltou aos holofotes da cerimônia minutos mais tarde, ao receber o Oscar de melhor ator. "Quero pedir desculpas à Academia e aos meus colegas indicados. (...) A arte imita a vida, eu pareço o pai maluco, assim como diziam sobre Richard Williams. O amor faz você fazer coisas loucas”, afirmou.
Richard Willians é o pai Serena e Venus Willians, interpretado por Will Smith em “King Richard: Criando Campeãs”. O papel rendeu ao ator a estatueta de melhor ator pela primeira vez. No longa-metragem, Will interpreta um pai superprotetor, que insiste que as filhas se tornem tenistas profissionais.
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Assédio moral no ambiente de trabalho
Durante a cerimônia do Oscar, Will Smith comentou sobre as pressões do ambiente de trabalho, como “aguentar abuso” e desrespeito. Esse tipo de situação é mais comum no ambiente corporativo do que se imagina.
Um levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC), publicado em 2020, mostrou que mais da metade dos trabalhadores brasileiros toleram ou praticam assédio moral. A pesquisa contou com a participação voluntária de 2.435 profissionais de 24 empresas, em todo o território brasileiro, durante o ano de 2017.
Segundo o estudo, cerca de 41% dos entrevistados afirmaram que não denunciam e se omitem em situações de assédio praticadas contra colegas de trabalho. 18% dos profissionais disseram tolerar o assédio moral como algo normal e aceitável, “acreditando ser, muitas vezes, o único caminho para alcance de resultados”.
Por outro lado, cerca de 37% dos participantes da pesquisa apontaram que rejeitam a prática, mas que possuem “alta resiliência quando se deparam com dilemas que envolvem assédio moral”. Ou seja, quando presenciam ou sofrem abuso psicológico, também não denunciam.
Will Smith não relatou com detalhes um episódio de abuso psicológico no ambiente de trabalho, mas contou que deve “fingir que está tudo bem”. A psicóloga Silvia Zoffmann afirma que essa atitude faz parte de um padrão comportamental.
“A pessoa adota um padrão de máscaras para ‘sobreviver’ aos abusos, com a premissa de evitar grandes perdas externas, como oportunidades de e no trabalho e nas relações sociais”, disse em entrevista ao Seu Dinheiro.
Zoffmann, que também é especialista em orientação profissional e carreira, comenta que “os abusos pontuais ou constantes levam à perda de qualidade de vida e agrava quadros de estresse, de perda de autoconfiança e de habilidades”.
Ela ainda acrescenta que “mesmo em situações de assédio transitória, as consequências para a saúde mental e profissional são duradouras e, algumas vezes, irreversíveis”.
Já a psicóloga organizacional, Edwiges Parra, alerta que o assédio moral pode, em alguns casos, resultar em agressão física. “Isso acontece de repente, por sucessivas investidas do agressor.”
Como no exemplo de Will Smith, não era a primeira vez que o comediante Chris Rock havia feito uma piada direcionada à esposa do ator. Em 2016, após a indicação de apenas atores brancos ao Oscar, Jada decidiu boicotar a cerimônia de premiação e o comediante, que fez o discurso de abertura do evento, ironizou a atriz ao afirmar que ela não havia sido convidada.
A psicóloga ainda ressalta que a agressão resultante de um abuso psicológico pode partir tanto do agressor quanto da vítima. “Uma hora essa conta chega e por mais sabedoria e boa pessoa que você seja, todo mundo tem seu momento de fragilidade. Às vezes, resultando em uma atitude não esperada, mas que mostra também uma situação de desabafo”, indica Parra.
Vítima ou não de assédio, a reação do Smith não é indicada para casos de constrangimento no ambiente de trabalho, segundo os especialistas. “Não é a conduta certa, é necessário enxergar quando esse limite está chegando, mas nós não somos seres lineares e temos as nossas limitações. Portanto, é importante reconhecer esses limites e, principalmente, o do outro.”
Em caso de assédio moral…
Diante de situações de abuso psicológico dentro das empresas, as especialistas apontam que a criação de um ambiente acolhedor para que exista a possibilidade de denúncia – por canais exclusivos e sigilosos, geridos pelos setores Jurídica, de Compliance e Recursos Humanos, por exemplo – e a disseminação de um código de ética organizacional.
Para a especialista em carreira, Silvia Zoffmann, “as recomendações são que as empresas estabeleçam ferramentas constantes de pesquisa de clima, de fomento aos feedbacks frequentes entre gestores e equipes, políticas de condutas e de cultura organizacional”.
“É fundamental investir em capacitação para líderes, em políticas de retenção de talentos e em benefícios como acesso à saúde mental (conteúdos como palestras e letramentos, jogos corporativos, atendimentos psicológicos on-line ou presenciais e médicos)”, argumenta Zoffmann.
“Quanto mais coletiva e ampla for a ação de conscientização coletiva sobre este assunto, mais eficiente será o acolhimento em casos de denúncias”, conclui.
Por fim, a psicóloga organizacional, Edwiges Parra, complementa que “assédio não tem relação com a ocupação ou cargo, é uma questão de características de personalidade do agressor. Ele é totalmente voltado apenas para características de personalidade”.
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