Foi uma entrevista em dois tempos. Depois de uma primeira conversa no fim da semana passada, precisei procurar novamente Alfredo Menezes, sócio e CEO da Armor Capital, depois do abalo sísmico sofrido pelos mercados com o anúncio do Renda Cidadã pelo governo.
O experiente gestor, no entanto, não mudou sua visão apesar da piora no cenário. Para ele, a disparada das taxas dos títulos prefixados no mercado — que embutem um risco de os juros subirem dos atuais 2% para praticamente 10% ao ano — abriu uma grande oportunidade no mercado.
É fato que a Selic vai subir em algum momento. Mas o sócio da Armor não espera que as taxas atinjam os níveis que o mercado negocia hoje. “Para isso acontecer, o país teria que dar muito errado”, ele disse na nossa segunda conversa, na terça-feira à tarde.
A possibilidade de o Brasil dar errado mais uma vez aumentou depois do anúncio de que o governo pretende financiar o Renda Cidadã com parte da verba do Fundeb — fundo da educação básica — e de recursos destinados ao pagamento de precatórios.
Mas se o risco de embarcar nos prefixados aumentou, as taxas dos títulos também, lembrou o gestor. No Tesouro Direto, a rentabilidade do papel pré com vencimento em 2031 passou de 7,15% no começo do mês para 7,81% na última terça-feira.
Menezes não considera que a reação do mercado tenha sido exagerada. “Foi de fato uma medida violenta.” A aposta nos títulos prefixados vem da expectativa de que a proposta não deve passar pelo Congresso ou pelos órgãos de controle — ou pelo menos não da forma anunciada originalmente.
Embora entenda que investir em títulos pré-fixados seja um bom negócio, o executivo avalia que o ideal é entrar aos poucos. Isso porque a porta de saída, caso as coisas deem errado, costuma ser pequena. “Quando o mercado sai do racional acaba não fazendo conta”, diz.
O caixa apertado do Tesouro depois do forte aumento dos gastos em meio à pandemia deixou essa porta ainda menor, o que representa outro risco para os investidores em títulos prefixados.
Quando o colchão de liquidez está em níveis maiores, o Tesouro pode atuar no mercado recomprando papéis mais longos em momentos de maior tensão. “Hoje esse instrumento praticamente não existe.”
Crédito privado e bolsa (lá fora)
Ex-diretor da tesouraria do Bradesco, Menezes criou a Armor no ano passado e rapidamente ganhou notoriedade na comunidade financeira no Twitter, onde conta com quase 30 mil seguidores.
No mês passado, a gestora lançou o primeiro fundo nas plataformas de investimento — disponível apenas para investidores qualificados, com patrimônio de pelo menos R$ 1 milhão.
As principais posições dos fundos da Armor hoje estão em títulos de dívida de empresas brasileiras. Mas em vez de ter debêntures emitidas aqui no mercado brasileiro, a exposição da gestora está em papéis que as mesmas companhias emitem em captações feitas no exterior.
A razão para a preferência é simples: a taxa de juros oferecida pelas empresas nas emissões externas é maior, segundo Menezes.
A gestora tem posições pequenas na bolsa brasileira, e que ficaram ainda menores depois do aumento dos ruídos fiscais. A preferência é para ações de empresas exportadoras, que se beneficiam do real depreciado. Outra aposta é nos papéis do setor de logística, diretamente ligadas ao bom desempenho do agronegócio.
Menezes não compartilha da empolgação da maior parte do mercado com as ações das varejistas. A dúvida é se o quanto do resultado recente do setor foi impulsionado pelas medidas de estímulo durante a crise.
“Prefiro aguardar para ver como fica o nível de atividade sem o auxílio emergencial para ver se a retomada se sustenta” — Alfredo Menezes, Armor Capital
Nos atuais níveis de preço, o gestor vê mais oportunidades na bolsa americana, apesar da volatilidade esperada para as próximas semanas em consequência das eleições nos Estados Unidos.
E o dólar?
A posição da Armor em ações de exportadoras tem relação direta com a visão de que o dólar deve se manter sob pressão. Além da incerteza fiscal, pesam sobre a moeda alguns fatores técnicos.
O principal deles é a mudança no chamado “overhedge” dos bancos, que obrigou as instituições financeiras a comprar US$ 16 bilhões no primeiro semestre e mais US$ 15 bilhões até o fim deste ano. “Estamos falando de um volume que representa quase 10% das reservas internacionais.”
A recompra de dívida emitida em dólar por empresas brasileiras e a redução do diferencial de juros entre o país e as economias desenvolvidas também explicam a pressão sobre o real, segundo Menezes.
Por outro lado, do ponto de vista de fundamentos, o câmbio não teria razão para estar tão depreciado, principalmente porque as contas externas do país hoje operam praticamente sem déficit após a alta recente do dólar.
O gestor da Armor, contudo, só espera algum alívio nas cotações a partir do ano que vem. “No curto prazo não deve ter refresco”, afirmou.