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Paideia financeira

Há bons COEs no mercado. A mim, sempre interessou a matriz de retornos potenciais que caracteriza o produto. Perdas limitadas no caso negativo, ganhos grandes no cenário positivo.

21 de fevereiro de 2019
12:25

Pela ordem. O primeiro assunto é questão de justiça, o elemento existente para organizar a desordem, permitindo assim a harmonia na busca do Bem – o conceito mais Absoluto na Paideia de Platão. A educação e a formação ética do homem requerem uma abordagem ampla e completa – o escopo da educação financeira é só um pedacinho de uma composição de ginástica, gramática, retórica, música, matemática, história, filosofia.

Ontem, voltei a questionar os COEs oferecidos por bancos e corretoras e a falta de transparência a eles associada. A essência dos comentários da véspera está preservada intacta. Algumas ponderações, porém, são necessárias.

A primeira delas é que, embora haja claramente problemas no segmento, existem também coisas boas e gente séria trabalhando para oferecer bons produtos. De fato, o COE é um produto de margem alta para bancos e corretoras, mas virou uma espécie de clichê, disfarçado de discurso sofisticado e politicamente correto, falar mal desse negócio. Agora, muita gente resolveu tecer críticas superficiais sobre os COEs sem sequer entender o que está ali dentro.

Em outras palavras, há bons COEs no mercado. A mim, sempre interessou a matriz de retornos potenciais que caracteriza o produto. Perdas limitadas no caso negativo (por vezes, até sem perdas potenciais nominalmente), ganhos grandes no cenário positivo.

Preciso também ser justo com a estruturação dos COEs. Ontem, especificamente, falei do produto alavancado sobre o fundo Pimco Income. É necessário apresentar o outro lado da moeda. Se o Morgan Stanley, na montagem do COE, acessasse o fundo de menor taxa, poderia até cobrar menos do investidor, mas não poderia alavancar tantas vezes o patrimônio, o que retiraria parte da atratividade do produto e de seus retornos potenciais.

Também é louvável a regra interna do compliance do Morgan Stanley de impedir custos maiores de 2 por cento ao ano para o investidor num produto desse, sendo que o banco fica com 0,35 por cento.

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Isso resulta em alguns produtos bons, como, por exemplo, o que o próprio Morgan Stanley fez para o fundo Global Opportunities, com resultados bem interessantes.

Juntando as histórias de ontem e de hoje num resumo com proposta pragmática: vamos dar total transparência às taxas. Isso resolve o problema. Separamos o joio do trigo e mostramos ao investidor quem realmente está ao seu lado.

Agora podemos mudar de assunto?

“Em economia, as coisas demoram mais tempo para acontecer do que você pensa (que demorariam) e, então, elas acontecem mais rápido do que você pensava que elas poderiam acontecer.” A frase é de Rudi Dornbusch e serve para vários contextos.

Gosto dela pois se alinha a uma de minhas maiores bandeiras: a de que os movimentos dos ativos financeiros não acontecem em trajetória linear, previsível, bem-comportada. As coisas andam em grandes saltos súbitos. Se o Ibovespa sobe, sei lá, 40 por cento num ano, não é um comportamento de 3 por cento todo mês.

Rola uma disparada de 15 purça em janeiro, depois fica de lado, cai uns dois meses, sobe mais 10 por cento em 20 dias, daí para. Vamos numa caminhada errática e imprevisível até que se componha o retorno anual – depois, sob o benefício do olhar em retrospectiva, parece simples e gradual, como se uma espécie de materialismo histórico obrigasse o curso das cotações àquela concreta trajetória passada.

Em tempo: não há nada mais idiota do que “materialismo histórico”. Antes de nascer, Hitler tinha 50 por cento de chance de ser mulher. A História se monta muito mais por reunião de forças e acontecimentos aleatórios do que por condições materiais inexoráveis.

Daí inferem-se duas corolários importantes para o investidor, que na verdade poderiam ser sintetizados num único, pois em essência são a mesma coisa: i) você precisa ficar alocado para capturar os grandes saltos; e ii) não há como fazer “market timing”, apertar o gatilho um dia antes de uma grande disparada ou ejetar seu assento numa determinada posição na véspera de uma grande queda.

Você vai ficar lá à espera da visita do estrangeiro à B3 por meses e meses. Nossa obsessão por um futuro previsível, linear e controlado (a razão é uma grande emoção, é o desejo de controle) vai imaginar que o capital gringo chegará de mansinho, aos poucos, testando o terreno, supostamente permitindo uma entrada simultânea dos locais, para que ambos participem do bailinho dançando música lenta bem grudados.

O mercado é um grande teatro com uma porta pequena. Não existe entrada lenta, gradual, organizada. Quando um movimento acontece, é de uma vez, bagunçado, súbito, desordenado, catapulta instantânea.

“E, outra coisa, o Diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro – dá gosto! A força dele, quando quer – moço! – me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza.” Esse é o lembrete de mestre Riobaldo. A usura sempre foi coisa pecaminosa, diabólica, do “coisa-ruim”, feita, portanto, às brutas.

Por que estou dizendo isso agora? Porque temos pela frente duas potenciais catálises súbitas para a eventual absorção imediata do capital estrangeiro.

A primeira delas viria de um possível acordo comercial entre EUA e China. Donald Trump tem baixado o tom das críticas nos últimos dias. Segundo a Bloomberg, os dois países estão trabalhando em vários memorandos para um acordo comercial. Se confirmado, o pacto poderia arrefecer um pouco os temores de que a guerra comercial afetaria em cheio o ritmo de crescimento global, num momento em que justamente sobe o medo de recessão, em particular nos EUA. Isso poderia devolver fluxo de recursos para mercados emergentes, depois de importante destruição de valor em 2018.

O segundo ponto é bastante óbvio e está em todos os jornais brasileiros. Falo, claro, da reforma da Previdência. Rebato rapidamente três fatos estilizados sobre a questão, vestidos, evidentemente, de uma capa de pseudocientíficos, disciplinados e inteligentes, quando são, na verdade, meros clichês superficiais.

1 - “Vai ser difícil aprovar”. Óbvio que vai ser difícil. Se fosse fácil, já estaria aprovada. Por ser difícil é que pode ser um driver importante para os mercados, que ainda não embutiram nas cotações a superação desse grande desafio. As coisas difíceis costumam ser bem gostosas.

2 - “A apresentação da proposta original não diz nada; vai ser desidratada no Congresso.” Claro que haverá alguma mudança e deterioração na margem. Agora, se preservar o mesmo nível de desidratação da proposta de Michel Temer, ainda falaríamos numa economia total de 800 bilhões de reais, que é bem mais do que os 500 bilhões de reais das expectativas contidas nas contas do smart money local.

3 - “Não trouxe novidades”. Mentira. A economia total proposta é superior às estimativas. A proposta é bem abrangente, profunda, mais dura do que aquela de Temer. Além disso, traz uma novidade bem óbvia: conta com o apoio de um presidente popular e com gigantesca capacidade de comunicação. Isso pode mudar tudo, em particular num momento em que os governadores estão desesperados por dinheiro, inclusive e talvez principalmente os da oposição. Acabou a grana e o único jeito de ter um dinheirinho é aprovando a reforma. Por fim, cabe dizer que a própria sociedade está aceitando melhor o tema – se um governo consegue fazer a população entender sobre a necessidade de sacrifícios, e ele deve liderar o processo dando o próprio exemplo, as coisas caminham com muito mais tranquilidade e até mesmo engajamento.

“Nós que aqui estamos por vós esperamos” é um filme de Marcelo Masagão com memórias do século 20, uma verdadeira volta ao mundo no seu contexto histórico, econômico e cultural, com uma visão banal sobre a vida e a morte. A inspiração maior da obra é Eric Hobsbawm e sua Era dos Extremos. Depois de muito esperarmos, talvez tenha chegado a Era dos Retornos Extremos para Os Ativos de Risco Brasileiros, com dinheiro estrangeiro se permitindo uma volta ao mundo a partir das menores preocupações com recessão.

Dois comentários finais:

A. Há cerca de três anos, escrevi que as ações da Rumo poderiam se multiplicar por cinco vezes até 2020. Escrevi um documento batizado “A oportunidade dos 400 por cento” indicando a compra dos papéis da companhia, à época cotados em torno de cinco reais. Fui punido pela Apimec por supostamente ter adotado linguagem não moderada, não comedida e exagerada. Hoje, as ações beiram os 20 reais. Mais interessante: a Goldman Sachs, o banco norte-americano mais sangue azul, referência mundial para o sistema financeiro, acaba de elevar seu preço-alvo para as ações da Rumo para 25 reais. Até a Apimec consegue entender que 25/5 equivale a 400 por cento. Alguém vai punir a Goldman? Não. Eu não aceito um pedido de desculpas. Aquilo foi bem ruim pra mim na época.

B. As cotas dos fundos da gestora GWI marcam mais de 100 por cento de desvalorização. Ou seja, os cotistas estão devendo. Deve ser a terceira ou quarta vez que a gestora enfrenta graves problemas. Tomara que seja suficiente para mostrar as mazelas da concentração e da alavancagem. Que sirva de exemplo não somente para este caso em particular, mas para todos os outros. Nunca se alavanque em Bolsa, nem atue de forma concentrada. Cuidado com quem está fazendo isso e está se dando bem momentaneamente. É um canto da sereia. A própria GWI já foi sucesso no passado, porque surfou uma multiplicação de Lojas Americanas. Não há heróis no mercado financeiro.

Ibovespa Futuro abre em alta de 0,4 por cento, dólar e juros futuros estão perto da estabilidade.

Destaque da agenda doméstica é o IPCA-15, com alta de 0,34 por cento, levemente abaixo da expectativa de consenso (0,36). Lá fora, expectativa grande com potencial acordo entre EUA e China.

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