Enel virou teto de vidro para Sabesp (SBSP3)? Três motivos para o investidor não esquentar a cabeça com a privatização — e um para se preocupar
Se a privatização vier, as ações podem chegar a R$ 100, o que representa uma alta de mais de 60% em relação às cotações atuais, segundo o Itaú
As fortes chuvas que atingiram São Paulo na última sexta-feira (3) literalmente apagaram as luzes da cidade que nunca dorme. Mais de dois milhões de clientes da Enel na capital e municípios vizinhos ficaram sem luz e muitos culparam a privatização da empresa pelo “descaso” com a cidade.
Recapitulando o histórico, a Enel hoje administra o que um dia foi a Eletropaulo, estatal paulista criada em 1981 para a distribuição de energia no Estado.
No final da década de 90, o então governador Mário Covas dividiu a Eletropaulo e privatizou parte das operações para a norte-americana AES, que virou AES Eletropaulo. Em 2018, a italiana Enel comprou o restante das ações da estatal e tomou o controle da empresa.
Os problemas enfrentados pela cidade no último temporal levantaram uma lebre, em especial nas redes sociais, de que terminar a cessão completa das operações para a iniciativa privada havia sido um erro.
Alguns mais exaltados pediam até a cassação da concessão da Enel em São Paulo.
E não dá para falar de privatização sem lembrar da Sabesp (SBSP3), que teve seu processo de venda para a iniciativa privada iniciado pelo atual governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos).
Com os nervos à flor da pele em relação à Enel e a privatização travada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), a pergunta que fica é: a desestatização da Sabesp corre o risco de não sair do papel?
Para responder essa pergunta, eu conversei com Vitor Sousa, analista da Genial Investimentos especialista na estatal paulista e com Marcelo Sá, estrategista-chefe e analista de utilities do Itaú BBA.
Enel X Sabesp: privatização é a solução (?)
Antes de mais nada, é preciso dizer que aqui no Seu Dinheiro nós já falamos dos argumentos a favor e contra a privatização da Sabesp — a análise completa você lê aqui.
Para os analistas ouvidos pela reportagem, a privatização não está ameaçada, ainda que os problemas com a Enel tenham colocado o tema no centro do debate.
Aqui vão três pontos principais para entender por que o investidor não precisa se preocupar:
- O processo de privatização já está bastante avançado e faltam poucos passos para que ele seja concluído;
- Enel e Sabesp são modelos de negócios diferentes;
- Os próprios investidores e analistas não enxergam ameaças ao processo de privatização.
Começando de trás para frente, se o processo de desestatização estivesse de fato ameaçado, os investidores provavelmente penalizariam as ações SBSP3 na bolsa brasileira, já que o preço dos papéis embute em parte a perspectiva da operação. Mas não foi o que aconteceu.
Desde a última sexta-feira (3), os papéis da Sabesp ficaram praticamente no zero a zero, sendo negociados na faixa dos R$ 61,10.
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Um bom negócio: mesmo não privatizada, Sabesp é “queridinha”
Além disso, as recomendações dos analistas seguem as mesmas: ainda que parte do bom desempenho das ações esteja condicionado à privatização — e como ela será realizada —, vale a pena investir na (ainda) estatal.
Na visão de Marcelo Sá, do Itaú BBA, a empresa já é negociada com desconto. “Mesmo que a privatização não venha, a Sabesp já tem um caminho traçado para melhorar sua eficiência, e isso reflete nas ações”, diz. Essa melhora se reflete no EV/RAB da estatal, que é utilizado para avaliar a relação entre o valor da empresa e seus ativos regulatórios.
Esse índice também é utilizado para que investidores e analistas entendam melhor o potencial de crescimento e valorização das ações de saneamento. Dessa forma, quanto menor, mais atrativa é a avaliação da empresa.
E tanto a XP quanto o Itaú enxergam um valuation de 0,75x EV/RAB. Para Sá, o mercado já precificou uma chance de a empresa não ser privatizada — e, mesmo assim, vê potencial de alta dos papéis, ainda que com uma intensidade mais modesta.
Se a privatização vier, as ações podem chegar a R$ 100, o que representa uma alta de mais de 60% em relação às cotações atuais, segundo ele e sua equipe.
Pode parecer que não, mas…
Outro ponto importante para entender o porquê da privatização da Sabesp ser diferente daquela feita com a Enel é entender os negócios que elas atuam, como explica Vitor Sousa, da Genial.
“Estamos comparando peras e maçãs. Uma é um negócio de saneamento, outra de distribuição de energia. São negócios muito diferentes para comparar se vai dar certo ou errado”, diz.
O analista cita outros exemplos que deram certo e errado ao longo da história, como foi o caso de Niterói, no Rio de Janeiro.
Em 1999, a empresa Águas de Niterói, do grupo privado Águas do Brasil, venceu a licitação para assumir o saneamento da cidade. De lá para cá, o serviço de coleta e tratamento de esgoto foi ampliado de 20%, há 20 anos, para 90%.
Privatização no modelo “filé com osso”
O analista da Genial pondera, porém, que a privatização de águas da cidade foi feita de maneira diferente do que está sendo a da Sabesp.
“Niterói sempre foi [uma cidade] relativamente rica, o que facilitava para a empresa privada ampliar a universalização do acesso à água e esgoto”, diz.
No caso da Sabesp, um dos pontos da proposta de privatização é a manutenção do chamado “subsídio cruzado” — quando a empresa cobra tarifas mais elevadas de uma cidade para “compensar” o serviço em outro município pouco viável e manter uma cobrança menor naquela região.
“Evita que a empresa que ganhou a concessão separe o filé do osso”, comenta o analista da Genial.
Somado a isso, há um outro mecanismo chamado Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo (FAUSP), que captará recursos por meio dos dividendos das ações remanescentes da Sabesp em posse do governo estadual.
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Projeto avançado
Por fim, vale destacar que o projeto de privatização da Sabesp começou em 2023, logo no primeiro ano da gestão de Tarcísio. Desde então, o governador vem trabalhando junto à Alesp para viabilizar a operação.
Isso porque Tarcísio colocou a desestatização da empresa de águas e esgoto como bandeira de sua campanha — ou seja, há um grande interesse em fazer uma ideia tão complexa sair do papel o quanto antes.
Como última etapa para aprovação do projeto, que tramita em regime de urgência na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), o governador precisa costurar acordos para fazer a privatização ser efetivada.
E é aqui que o investidor precisa manter a atenção.
Nem tudo são flores na privatização da Sabesp
O projeto de desestatização da Sabesp tramita com regime de urgência na Alesp. De acordo com o regimento interno da Casa, são necessários votos favoráveis de 48 dos 94 deputados para aprovar a privatização.
Isso não deve ser difícil para o governador, tendo em vista que, na eleição passada, a Alesp ganhou uma configuração mais voltada para a centro-direita.
Entre as bancadas partidárias, o PL — partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, do qual Tarcísio foi ministro de Infraestrutura — empatou em 19 deputados com a federação do PT, PCdoB e PV.
O próprio presidente da Alesp, André do Prado, é do PL e já se mostrou favorável à aprovação da privatização.
Entretanto…
Ambos os analistas consultados concordaram que seria extremamente positivo se a privatização fosse aprovada ainda em 2023. Mas o final do ano tende a injetar certa lentidão nos processos legislativos de modo geral.
Além disso, a oposição já vem se movimentando para barrar a privatização. O PT e o PSOL entraram com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar impedir a privatização da Sabesp.
As siglas alegam que o governo do estado “usurpa competência das prefeituras ao facilitar a concessão da empresa para a iniciativa privada”.
Quem fez um coro inesperado nos últimos dias à ação contra a privatização foi a base bolsonarista na Alesp. Eles pretendem levar ao ministro do STF, André Mendonça, elementos que o convençam a decidir favoravelmente à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), movida pela oposição.
Esse apoio não é coincidência: o argumento utilizado pelos aliados de Tarcísio veio junto com a onda de críticas à situação da Enel.
Eleição e privatização
Para completar, há uma expectativa de uma judicialização ainda maior do processo por parte da oposição. “Tudo isso já está calculado para que a privatização seja concluída no segundo semestre de 2024”, comenta Marcelo Sá. Ele ainda pondera que, mesmo assim, a desestatização não tem grandes chances de ser revertida após todos os trâmites.
Por fim, ainda que não haja uma correlação direta com a Enel, o apagão e o tema privatizações devem permanecer no centro do debate público nas eleições municipais de 2024, o que deve influenciar nas decisões do legislativo paulista.
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