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O teto que nos impede de virar uma Argentina pode vir abaixo

Paulo Guedes

O ex-ministro da Economia, Paulo Guedes

Política fiscal é um tema tedioso e o teto de gastos está entre os menos compreendidos. Mas é importante termos em mente uma relação simples. Sem esse estrito controle do gasto público não teríamos derrubado a inflação e jamais veríamos uma Selic de 6%, muito menos projeção de juros entre 4,5% a 5% até o fim de 2020.

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Pode parecer exagero meu, mas essa briga de gabinetes que acontece aqui em Brasília e que estampa o “Estadão” de hoje é uma das coisas mais relevantes para o futuro do seu bolso. A discussão já tinha surgido em junho, como mostraram os colegas da “Bloomberg” na época, tendo pesado sobre o Ibovespa no pregão do dia 5 daquele mês.

Resumindo a questão e dando a dimensão do tema, o teto de gastos é o que nos impede de ter mesmo destino da Argentina. E o que está em discussão aqui é derrubar o teto para salvar o presidente. Natural que Paulo Guedes e equipe sejam contra, mas na ala política o cálculo é outro. O tempo lá é o da política e já se pensa em 2020 e 2022.

Essa é uma antiga maldição da América Latina, bem relatada e documentada por Roberto Campos: Abandonar prematuramente planos de estabilização sob o slogan de salvar o país da estagnação.

Teto compra tempo

Resumindo uma história um pouco mais complexa, o teto de gastos limitou pela primeira vez na história o crescimento do gasto público em termos reais. Todo o ano desde que se tem notícia, o gasto cresceu acima da inflação.

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Quanto mais o governo gasta além do que arrecada, mais ele tem de tomar emprestado no mercado ou arrancar do seu bolso via imposto. Quanto mais tem de pegar emprestado, mais elevado o juro e maior sua contribuição para alta dos demais preços da economia.

O teto de gasto imposto no governo Michel Temer foi um divisor de água dentro da saída da crise gerada nas gestões petistas e sua Nova Matriz Macroeconômica (sem falar no roubo). O governo brasileiro passou um sinal ao mercado de que enfrentaria o problema fiscal.

Primeiro, limitando o gasto à inflação passada, eliminado o crescimento real. Segundo, acenando com uma reforma da Previdência e outros ajustes para conter o aumento das despesas obrigatórias.

O teto nos comprou tempo para fazer um ajuste fiscal gradual e nos obrigou a fazer a indigesta discussão do gasto obrigatório. Como bem resumiu o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, na semana passada: “Vamos levar uma década para fazer ajuste fiscal. Mesmo com essa situação grave, o mercado aceitou a tese de ajuste fiscal gradual, a ponto de conseguirmos vender título com juro real de 3,6%. Isso era impensável! Chegamos a vender com juro real de 9% faz poucos anos. Mercado confia no ajuste, mas tem dever de casa a ser feito.”

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Riscos e expectativas

O maior risco em uma flexibilização do teto nos moldes em que a discussão está posta é minar essa confiança, derrubar a expectativa de que o ajuste pelo lado da despesa continuará sendo feito.

Um bom exemplo do que é uma reversão de expectativas e como isso pode ser doloroso para seu bolso foi o pregão do dia 12 de agosto na Argentina, com uma queda da bolsa de 30% em moeda local e 50% em moeda americana e uma disparada de 38% na cotação do dólar.

Todo o esforço da equipe em defender o teto e pedir por reformas é para reduzir os gastos com funcionários públicos e com uma máquina estatal que cresceu tanto, perdeu seu sentido e está aí apenas para justificar sua existência.

Também em entrevista ao “Estadão”, a economista-chefe da XP, Zeina Latif, resumiu bem a questão. “Abrir esse precedente [mexer no teto] é o equivalente ao sujeito que é viciado e fala: ‘só mais um traguinho’”, diz Zeina.

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Há uma discussão sendo feita por gente séria, como Fabio Giambiagi e o economista Guilherme Tinoco, sobre a sustentabilidade do teto no longo prazo. Mas na fala de Giambiagi ao “Estadão” fica clara a distinção entre essa discussão técnica e o ciclo político. “Nossa proposta, não mexe em 2021 e 2022. E também não está associada a posturas críticas na política fiscal que querem que se gaste mais agora”, diz Giambiagi.

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Outra discussão pertinente sobre o teto é que no modelo atual o governo só tem controle sobre gastos que já controla, os chamados discricionários. Em síntese não faz sentido deixar de pagar bolsas de estudo e contas de luz se esse não é a raiz do problema.

O problema está nos gastos obrigatórios que estão amarrados por leis e lobby. Não por acaso, a própria equipe já trabalha em uma proposta para acionar  os “gatilhos” de ajuste "de verdade" como a proibição a aumentos salariais e a redução de jornada e remuneração de servidores. Assim, evita-se paralisia da máquina pública. Mas essa é um batalha que escapa à política e sempre acaba nos tribunais.

A dúvida é que ala do governo sairá vencedora desse embate. A equipe economia, que quer promover uma reforma do Estado, mas que é algo com elevado custo político, já que o crescimento não engrena e o desemprego segue alto. Ou a lógica da política, que é o poder concentrado em horizontes de quatro anos.

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