Gol e Smiles: Quando a criatura ameaça o criador, é hora de trancá-la dentro de casa
Gol anunciou que pretende incorporar as ações do Smiles, empresa que tornou independente em 2013. Notícia desagradou aos investidores do Smiles e agradou aos acionistas da Gol.

A Gol seguiu a Latam e resolveu cortar as asinhas do seu programa de fidelidade. A empresa anunciou neste domingo (14) que pretende fazer uma reestruturação societária que culminará com a incorporação do Smiles. Ela também afirmou que não vai renovar o contrato entre as empresas a partir de 2032. É um passo muito parecido ao que a Latam anunciou para a Multiplus no mês passado – só que vai custar mais barato para o Gol.
Para quem tem milhas, não muda nada - você vai continuar a ter seus pontos Smiles e trocar por passagens aéreas. Para os acionistas, é uma virada e tanto. Os donos dos papéis de Smiles não gostaram nada da notícia – as ações despencam quase 40% no pregão hoje, enquanto os papéis da Gol sobem mais de 5%. A Gol tem muito a ganhar trazendo o Smiles para dentro de casa, como eficiência tributária e a liberdade de dar as cartas sobre como vai funcionar a conversão de milhas por passagens – sem ter que ficar discutindo isso com acionistas minoritários da Smiles. Air Canadá e Aeroméxico também seguiram por esse caminho recentemente.
Eu acompanho o setor aéreo desde 2008 e vi o nascimento das empresas de fidelização no país. Para você entender o racional dessa virada de Gol e Smiles, me permita voltar um pouco na história.
Fase 1: Milhas são um passivo das aéreas
O Smiles tem mais de 20 anos e nasceu como o programa de fidelidade da Varig. Foi para a Gol com a venda da empresa no meio do processo de recuperação judicial da companhia gaúcha, em 2007. Não contou um centavo na avaliação da Varig. Pelo contrário. Naquela época, os programas de milhagem eram vistos como um passivo para as aéreas. Basicamente uma nota promissória aberta para pagar.

Fase 2 – Mina de ouro dentro do avião
O jogo mudou quando os clientes de cartão de crédito passaram a valorizar as milhas e os bancos se tornaram grandes parceiros dessa indústria. Em 2010, a então TAM criou a Multiplus, uma empresa independente de fidelização, ancorada no seu programa TAM Fidelidade. O negócio tinha como líder um executivo que veio da indústria de cartões, Eduardo Gouveia. O grande racional era pegar dinheiro nos bancos e usar para trocar por várias coisas – especialmente passagens aéreas.
O negócio se mostrou uma máquina de fazer dinheiro. Ninguém entendia como era possível uma empresa que vendia pontos gerar tanto caixa. Eu lembro que o Gouveia literalmente desenhou para mim em um guardanapo como era o fluxo de caixa desse negócio:
Leia Também
- Cada vez que alguém troca os pontos do cartão por milhas, na prática, o banco compra esses pontos (receita)
- Quando o cliente troca os pontos do programa por uma passagem aérea, a empresa paga a companhia (despesa para a empresa de milhas, receita para a companhia aérea)
- Várias pessoas deixam o ponto vencer. Na prática, há uma receita para empresa quando o ponto é emitido, mas não há uma despesa, já que não houve troca.
O resultado disso era um negócio altamente lucrativo e gerador de caixa. No primeiro ano na Bolsa, ao Multiplus faturou R$ 1,5 bilhão. Chegou a valer mais que a TAM quando a empresa tinha ações listadas no Brasil e essa comparação podia ser feita.
A Gol não ficou parada. A empresa sempre afirmou abertamente que desenhou o modelo do Smiles baseado no que a Latam fez para a Multiplus, com algumas melhorias de governança. Em 2013, a empresa separou o Smiles da Gol e abriu seu capital. Também convocou um executivo do setor bancário para tocar o negócio, Leonel Andrade, até hoje CEO da companhia.
Reforço de caixa na crise
Um gestor de fundos de multimercado alerta que as empresas aéreas nunca deveriam ter separado esse negócio. “Elas tinham um negócio que gerava caixa dentro de casa e precisavam muito de dinheiro nos tempos de crise. Era um jeito fácil de levantar capital”, afirmou.
Nos anos da crise, as empresas de milhagem foram os filhos ricos das aéreas. O setor queimava caixa, devolvia aviões, tinha prejuízo, enquanto elas lucravam cada vez mais e faziam caixa. E chegaram a valer muito dinheiro, algo como 18, 19 vezes o seu lucro. Na última sexta-feira, o Smiles valia R$ 6,42 bilhões, contra R$ 4,70 bilhões da Gol.
Nesse contexto, o Smiles “ajudou” a Gol em um dos momentos mais difíceis da empresa, em 2016. Naquela época a dívida da Gol explodiu e o mercado esperava um pedido de recuperação judicial caso a empresa não conseguisse renegociar suas dívidas. O Smiles fechou o ano passado com R$ 1,9 bilhões de faturamento bruto e uma (invejável) margem Ebitda de 36,7%.
O Smiles ajudou a Gol de duas formas:
- Fechou pacotes de compra antecipada de passagens aéreas da Gol e colocou dinheiro no caixa da aérea quando ela precisou;
- As ações que a Gol detém no Smiles foram usadas como garantia para companhia conseguir empréstimos e alongar sua dívida.
FASE 3 – Bom negócio, pero no mucho
Os sinais de que alguém iria acender a luz no meio da balada começaram em 2013 com os bancos. Eles demonstravam que não iriam topar por muito tempo pagar a conta das milhas. O Itaú e o Santander criaram plataformas próprias para permitir que o cliente trocasse os pontos do cartão (inclusive por passagens aéreas) sem ter que passar por Multiplus ou Smiles. O Banco do Brasil e o Bradesco foram ainda mais longo e criaram a Livelo, sua própria empresa de fidelidade.
A estratégia dos bancos não foi mudar a regra do jogo de um dia para o outro – e irritar o seu cliente acostumado a ganhar milhas. A nova jogada era incrementar seus programas de fidelidade para motivar o cliente a resgatar o ponto ali. E, agora que tem alternativas, renegociaram preços. Se depender deles, essa festa não vai longe.
Os próprios acionistas perceberam que o negócio não se sustenta sozinho. Quando a Gol quase quebrou, em 2016, os acionistas do Smiles entenderam que o programa não sobrevive sozinho.
E as aéreas?
As próprias empresas aéreas, donas do negócio, começaram a ver problemas em deixar as empresas de milhas correrem soltas por aí. No caso da Gol, o contrato que resultou na separação da Smiles foi fechado em circunstâncias diferentes. A dívida da empresa ficou toda a com a Gol. E a própria condição de preços foi mais vantajosa para o Smiles.
“O nosso contrato dá vantagens para a Smiles em termos que não estão em linha com o mercado”, disse o presidente da Gol, Paulo Kakinoff, durante teleconferência aos investidores.
“O contrato vigente faz pouco sentido para a Gol. As margens da Smiles são 2 ou 3 vezes maiores do que seus competidores”, completou.
Uma fonte do mercado financeiro diz que, na época do IPO do Smiles, a Gol estava em uma situação financeira ruim e não tinha condições de negociar bons termos. E também topava tudo para criar um negócio gerador de caixa e capaz de levantar capital que a empresa precisava para sobreviver na crise.
Conversei com o diretor financeiro da Gol, Richard Lark, e ele me deu mais explicações sobre por que manter o Smiles separado deixou de ser interessante para a Gol. Na crise, a Gol tinha excesso de oferta e o Smiles ocupou os espaços vazios no avião. O programa chegou a ser responsável por 12% da emissão de passagens da empresa. Hoje é de cerca de 6%. O problema é que o programa está crescendo e precisa de assentos para atender seus clientes, mas a Gol não quer mais vender tanto espaço barato.
“A Gol vai voltar a crescer e não tem mais como disponibilizar tanto inventário para a Smiles. O custo que a Smiles vai ter que pagar vai subir”, disse Lark.
Ele explica, no entanto, que esse é um problema que vai estourar nos próximos anos e não há um gargalo no curto prazo. E por que agora a empresa se mobilizou? “A operação da Latam com a Multiplus nos fez acelerar isso”, admite.
A Gol não quer ser a única empresa aérea brasileira que tem um programa de fidelidade independente. “Isso é uma desvantagem para a Gol e afeta o seu yield managment (capacidade de gerenciar preços)”, disse Lark. Azul e Avianca nunca separaram seus programas de fidelidade e a Latam vai recomprar a Multiplus.
Com o Smiles reintegrado à empresa – e sem minoritários para palpitar -, a Gol terá mais liberdade para gerenciar os preços e oferta das trocas de passagens vendidas com milhas. Hoje elas vivem uma situação controversa e potencialmente problemática – a Gol é a acionista controladora, mas não é a única acionista, e também a principal fornecedora do Smiles. As negociações entre elas envolvem partes relacionadas, tema extremamente sensível quando se trata de governança.
Há mais um fator que motiva a incorporação do Smiles pela Gol: os impostos. O setor aéreo frequentemente dá prejuízo e acumula créditos tributários. Já o Smiles sempre dá lucro e, portanto, paga impostos. Lark diz que o Smiles paga R$ 200 milhões em impostos por ano e que todo esse valor não precisaria ser pago se a empresa estivesse dentro do guarda-chuva da Gol.
Em resumo: a Gol ganhou muito dinheiro com a venda do Smiles, mas agora, isso pode ser um problema para ela. Então resolveu comprar de volta. E, em vez de pagar, ofereceu ações da companhia aérea.
E como fica o acionista?
Muita água ainda vai rolar antes de o negócio se concluir. O Smiles vai criar um comitê independente para discutir os termos do acordo e precisa aprovar isso em assembleia de acionistas. A reestruturação precisará também ser aprovada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
A própria Gol já afirmou que vai realizar uma oferta de compra de ações (OPA) e fechar o capital da Smiles caso a conversão não seja aprovada.
E por que não fez já? Custos. A Gol teria que gastar seu caixa para isso. Sai mais barato fechar o capital do Smiles por meio de uma operação de conversão de ações em vez de um OPA.
Se você pensa em comprar ações das empresas nesse período, fique atento ao desenrolar dessa negociação. Para o acionista da Gol, é uma ótima notícia. A empresa vai resolver um problema e capturar um resultado melhor a um custo baixo.
O acionista do Smiles não gostou nada disso. “O Smiles é uma empresa altamente pagadora de dividendos. Muitos acionistas não são pessoas que se interessam pelo setor aéreo e nem querem ser”, explicou um gestor. A Gol, no entanto, está decidida a fechar o capital do Smiles. Resta ao acionista decidir se quer embarcar de vez no setor aéreo ou não.
E aí, o que você achou da decisão da Gol? Me conte no espaço de comentários.
Gol (GOLL4) firma acordo com a Boeing e destrava R$ 235 milhões para credores
A decisão é mais um passo no processo de reestruturação da companhia, conduzido pelo Chapter 11 do código de falências norte-americano
Trump Day: Mesmo com Brasil ‘poupado’ na guerra comercial, Ibovespa fica a reboque em sangria das bolsas internacionais
Mercados internacionais reagem em forte queda ao tarifaço amplo, geral e irrestrito imposto por Trump aos parceiros comerciais dos EUA
CFO da Gol (GOLL4) renuncia ao cargo em meio ao adiamento do fim do processo de recuperação judicial nos EUA
A renúncia do CFO vem acompanhada do adiamento do processo de RJ da Gol nos EUA, que estava previsto para acabar ainda neste mês
Agenda econômica: últimos balanços e dados dos Estados Unidos mobilizam o mercado esta semana
No Brasil, ciclo de divulgação de balanços do 4T24 termina na segunda-feira; informações sobre o mercado de trabalho norte-americano estarão no foco dos analistas nos primeiros dias de abril.
Cuidado com a cabeça: Ibovespa tenta recuperação enquanto investidores repercutem ata do Copom
Ibovespa caiu 0,77% na segunda-feira, mas acumula alta de quase 7% no que vai de março diante das perspectivas para os juros
Gol (GOLL4) anuncia financiamento de até US$ 1,25 bilhão para seguir com processo de reestruturação
O financiamento será utilizado para o pagamento de custos do processo de reestruturação da companhia aérea, que está em recuperação judicial nos EUA
Agenda econômica: Ata do Copom, IPCA-15 e PIB nos EUA e Reino Unido dividem espaço com reta final da temporada de balanços no Brasil
Semana pós-Super Quarta mantém investidores em alerta com indicadores-chave, como a Reunião do CMN, o Relatório Trimestral de Inflação do BC e o IGP-M de março
Ambipar (AMBP3): CVM manda gestora lançar oferta por ações após disparada sem precedentes na B3
CVM entendeu que fundos que têm como cotista o empresário Nelson Tanure atuaram em conjunto com o controlador da Ambipar na compra em massa que resultou na disparada das ações na B3
Entre a crise e a oportunidade: Prejuízo trimestral e queda no lucro anual da Petrobras pesam sobre o Ibovespa
Além do balanço da Petrobras, os investidores reagem hoje à revisão do PIB dos EUA e à taxa de desemprego no Brasil
Gol (GOLL4) avança na sua reestruturação e pede o cancelamento do registro de ações nos EUA
A decisão foi aprovada por unanimidade pelo conselho de administração durante assembleia no dia 17 de fevereiro
Azul (AZUL4) tenta arrumar a casa com aumento de capital de até R$ 3,37 bilhões; papéis caem mais de 2% na B3
Segundo a companhia aérea, o aumento de capital está inserido no contexto da reestruturação e visa não só obter novos recursos financeiros; saiba quais são as outras finalidades da operação
Tabuada na bolsa: Ibovespa reage ao balanço do Bradesco enquanto investidores aguardam payroll nos EUA
Participantes do mercado olham para o payroll em busca de sinais em relação aos próximos passos do Fed
Ação da Azul (AZUL4) arremete e surge entre as maiores altas do Ibovespa; governo dá prazo para fusão com a Gol (GOLL4)
Mais cedo, o ministro de Porto e Aeroporto, Silvio Costa Filho, falou sobre os próximos passos do acordo entre as companhias aéreas
Ação da Azul (AZUL4) arremete e surge entre as maiores altas do Ibovespa; governo dá prazo para fusão com a Gol (GOLL4)
Mais cedo, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, falou sobre os próximos passos do acordo entre as companhias aéreas
A bolsa assim sem você: Ibovespa chega à última sessão de janeiro com alta acumulada de 5,5% e PCE e dados fiscais no radar
Imposição de tarifas ao petróleo do Canadá e do México por Trump coloca em risco sequência de nove sessões em queda do dólar
O que esperar da safra de balanços do 4T24? BTG traça previsões para Azul (AZUL4), Gol (GOLL4), Embraer (EMBR3) e Weg (WEGE3)
A previsão do mercado é de resultados mistos entre os setores de transportes e bens de capital — resta saber quais serão as estrelas da temporada
Todo vazio será ocupado: Ibovespa busca recuperação em meio a queda do dólar com Trump preenchendo o vácuo de agenda em Davos
Presidente dos Estados Unidos vai participar do Fórum Econômico Mundial via teleconferência nesta quinta-feira
Em meio à seca de IPOs na bolsa, renda fixa foi campeã em emissões em ano recorde de captação pelas empresas
Segundo dados divulgados pela Anbima, empresas captaram R$ 783,4 bilhões e 2024, sendo R$ 709 bilhões advindos de instrumentos como debêntures e FIDCs
Fusão entre Azul (AZUL4) e Gol (GOLL4) vai aumentar o preço das passagens aéreas? Ministro diz que não
Em meio à preocupação do mercado sobre alta dos preços nas passagens aéreas, ministro de Portos e Aeroportos defende fusão da Azul (AZUL4) e da Gol (GOLL4)
Quando o sonho acaba: Ibovespa fica a reboque de Wall Street em dia de agenda fraca
Investidores monitoram Fórum Econômico Mundial, decisões de Donald Trump e temporada de balanços nos EUA e na Europa