De aliados a vilões? Como apps como o Gymrats estão mudando (e cobrando) o nosso bem-estar
Ferramentas que monitoram calorias, treinos e saúde mental se tornaram onipresentes, prometendo uma vida mais saudável – mas qual o impacto psicológico de acompanhar tantos dados diariamente? Especialistas analisam quando a tecnologia deixa de ser aliada para se tornar uma fonte de ansiedade e pressão

Eles nos acordam, lembram de beber água, contam nossos passos, medem a qualidade do nosso sono e registram cada caloria que consumimos. Aplicativos como o Gymrats, que combina monitoramento de treinos com desafios diários e métricas de desempenho, se infiltraram em nossas rotinas com a promessa de otimizar a saúde e a produtividade.
Em um mundo cada vez mais acelerado, a busca por equilíbrio encontrou um lar na tela do smartphone. E então transformou o autocuidado em um fluxo constante de dados, metas e notificações. Mas, nessa busca quantificada pela saúde perfeita, onde fica a linha que separa o auxílio da obsessão?
A tecnologia, que deveria nos servir, pode acabar nos pressionando a performar até mesmo nos momentos de descanso. A fronteira entre o uso consciente e o prejudicial é tênue. E o impacto psicológico desse monitoramento diário é uma preocupação crescente para profissionais de saúde.
Para entender até onde a tecnologia contribui para o bem-estar e quando ela se torna um gatilho para ansiedade e comportamentos disfuncionais, ouvimos três especialistas: a psicóloga Vanessa Tomasini, a nutricionista Irani Gomes dos Santos Souza e o personal trainer Silvio Prado. Juntos, eles traçam um panorama sobre os benefícios e os perigos da wellness tech, um mercado que cresce exponencialmente enquanto redefine nossa relação com o corpo e a mente.
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Um mercado bilionário na palma da mão
A popularidade dessas ferramentas não é apenas uma percepção, mas um fenômeno econômico global. O mercado de aplicativos fitness foi avaliado em US$ 9,28 bilhões em 2024 e tem uma projeção de alcançar US$ 29,88 bilhões até 2033, segundo a Business Research Insights. A adoção é massiva: em 2024, foram registrados 3,6 bilhões de downloads de aplicativos de saúde em todo o mundo, como mostram os dados da Sensor Tower.
O crescimento é impulsionado por uma mudança cultural profunda, acelerada pela pandemia, período em que 79% dos consumidores passaram a considerar o bem-estar importante, e 42% o tratam como prioridade máxima, aponta uma pesquisa da consultoria McKinsey.
Nesse cenário, o Brasil se destaca como potência, mostram os dados do relatório Brazil App Market Statistics, do Business of App. O país é o quarto maior mercado do mundo em volume de downloads, com 10,2 bilhões de instalações em 2023, e os brasileiros estão entre os que mais passam tempo em aplicativos, com uma média de mais de cinco horas diárias. Durante a pandemia, os downloads de apps de bem-estar cresceram 45% no país, um ritmo superior à média global de 30%.
“Nunca nos sentimos tão perdidos”
A explosão dos aplicativos de bem-estar é um fenômeno que a psicologia observa com atenção e certa cautela. Segundo a psicóloga Vanessa Tomasini, especialista em transtornos alimentares, a evolução da conectividade digital prometia uma aproximação entre pessoas, mas acabou se transformando em um senso de conexão constante. Nessa transição, “perdeu-se algo muito importante, que é o contexto”, defende a especialista.
Inicialmente, a ideia não é ruim. “Um aplicativo que te ajuda a fazer mindfulness, por exemplo, é interessante”, afirma Tomasini. O problema, segundo ela, surgiu com a camada de socialização e comparação que foi adicionada. Os aplicativos passaram a incentivar os usuários a compartilhar seus progressos, a exemplo do fenômeno recente do GymRats. “Mostre para os seus amigos quantas vezes você conseguiu fazer os exercícios” ou “compartilhe com todos qual é o seu pace na corrida”, parafraseia Tomasini.

A lógica das redes
Com isso, essas ferramentas se tornaram uma espécie de vitrine, operando sob a mesma lógica das redes sociais. “O que era para produzir bem-estar, como melhorar sua atividade física ou sua autopercepção, acaba cultivando a necessidade de mostrar essa performance”. A consequência é uma pressão constante para performar, mesmo em momentos que deveriam ser de autocuidado.
“Até na hora do descanso, aliás, como ao fazer yoga, sentimos que temos que mostrar o que fizemos. Estamos literalmente performando”. Tomasini é enfática sobre o peso dessa realidade: “É assustador pensar que estamos performando full time, o tempo inteiro. E isso é muito ruim”.
Mesmo sem o componente social, os aplicativos são desenhados para nos prender, o que Tomasini define como “reforço positivo”. Ela conta que eles são criados por especialistas em programação e analistas de comportamento humano que realizam testes para otimizar o engajamento.
“Se o aplicativo tem essa cor, a pessoa engaja mais ou menos? Se ela usar por mais 20 minutos e ganhar uma recompensa, isso engaja mais?”, exemplifica a psicóloga. O resultado? Esses reforçadores fazem com que o usuário queira retornar repetidamente ao app, focando intensamente em seu desempenho.
O paradoxo do wellness tech
Curiosamente, essa dinâmica cria um paradoxo: “Hoje, nunca tivemos tanta informação sobre alimentação e saúde, e nunca nos sentimos tão perdidos”. O excesso de dados, que deveria ajudar, acaba, por outro lado, gerando mais ansiedade e a dúvida constante: “Será que eu estou fazendo certo?”, questiona a psicóloga.
O risco mais grave, no entanto, é a substituição de cuidados profissionais por essas ferramentas. Tomasini reconhece que a falta de acesso ao tratamento de saúde mental leva muitos a buscarem alternativas, mas alerta que os aplicativos não são capazes de oferecer respostas contextualizadas e personalizadas. Ela menciona um perigo emergente com o uso de inteligência artificial.
“O que estamos vendo agora são alguns quadros psiquiátricos sendo agravados pelo ChatGPT”. Pacientes com esquizofrenia, por exemplo, podem ter quadros psicóticos induzidos ao interagir com a IA, que não consegue diferenciar um delírio da realidade e pode acabar por instigá-lo. “O uso dessas ferramentas pode ser muito perigoso”, conclui.
A nutrição vigiada por algoritmos
No campo da alimentação, a lógica da performance e do monitoramento excessivo se manifesta de forma particularmente nociva. Irani Gomes dos Santos Souza, coordenadora do curso de Nutrição da Faculdade Santa Marcelina, afirma que os aplicativos de contagem calórica, como o MyFitnessPal ou o Lifesum, “devem ser utilizados como auxiliares no processo de melhora de hábitos alimentares”, mas nunca como uma verdade única.

O principal problema, segundo ela, é que “ficar contando calorias traz uma ideia inadequada de que o importante na alimentação é apenas as calorias do alimento”. Ela ilustra a distorção com um exemplo claro: “Alguns alimentos têm zero calorias e são ricos em corantes, conservantes, aditivos, enquanto outros com aporte calórico são fontes de vitaminas e minerais”.
Além disso, muitos aplicativos sugerem metas calóricas baseadas apenas em peso e idade, o que pode gerar “distorções muito importantes e preocupantes”, pois ignoram fatores cruciais como estilo de vida, déficits nutricionais e intolerâncias alimentares.
Esse modelo não individualizado pode levar a comportamentos disfuncionais. Souza relata, inclusive, já ter atendido pacientes que, por conta desses aplicativos, desenvolveram um “comportamento alimentar punitivo, ansioso e transtornado”.
Entre a saúde e a obsessão
A linha entre um controle saudável e a obsessão se cruza quando o comportamento “passa a ser um fator de risco à saúde da pessoa”. Um controle saudável deve ser “flexível, equilibrado, visando autonomia e consciência do consumo”. Já a obsessão pode gerar “ansiedade, culpa, sofrimento e necessidade compulsiva de registrar e calcular tudo que consome”, conta a nutricionista.
A perspectiva de Vanessa Tomasini sobre pacientes com transtornos alimentares reforça a gravidade da situação. Ela afirma que aplicativos de contagem de calorias e de passos são muito comuns entre esses pacientes e que, “no início do tratamento, nós retiramos todos eles: aplicativos, relógios, anéis”.
A justificativa é que esses estímulos “pioram muito a mentalidade do transtorno alimentar, que vivencia a alimentação e a atividade física apenas como uma métrica a ser batida”, tirando o prazer e o contexto dessas atividades. Para esses pacientes, os aplicativos são “muito prejudiciais”, diz a psicóloga, e a recomendação é a não utilização permanente, pois isso poderia reativar a mentalidade do transtorno.
O treino quantificado: entre a motivação e a lesão
A área de atividades físicas também se inundou por aplicativos que prometem treinos eficazes e monitoramento de performance. Para o personal trainer Silvio Prado, fundador da Vibe Sport Concept Lab, é fundamental entender que “a utilização de aplicativos de treino deve ser sempre uma ferramenta, um meio, não um fim”.
Ele reconhece que, para iniciantes, os aplicativos podem ajudar a “criar rotina e consciência corporal”, e para quem já tem acompanhamento, funcionam como “complemento e registro”. No entanto, a principal limitação é que eles entregam uma “programação genérica e não a sensibilidade humana para ajustar o treino no dia a dia”.
A fisiologia do exercício ensina que cada pessoa responde de forma diferente ao mesmo estímulo – o “princípio da individualidade biológica” –, e os aplicativos falham em detectar “nuances como fadiga acumulada, desconfortos articulares ou desequilíbrios musculares em tempo real”.
Essa falta de personalização e feedback técnico aumenta o risco de lesões. Prado alerta que, “sem ajuste de intensidade e sem feedback técnico, há risco de excesso de carga e lesões por overtraining ou execução incorreta”.
O peso da informação
Assim como nas outras áreas, a sobrecarga de informações também é um problema. “Muitos dados diários podem gerar ansiedade ou frustração, desviando o foco do prazer e da constância transformando-se em obsessão com números”, alerta o personal.
Prado compara esse fenômeno ao que já acontece com “redes sociais do esporte, nas quais a comparação acaba sendo uma via de mão dupla entre querer melhorar a qualquer custo tanto quanto a ideia de que nunca serei bom o suficiente”. Desafios propostos por alguns aplicativos também podem ser nocivos se o objetivo se tornar apenas “bater a meta” e não “cuidar do corpo”.
A diferença entre um bom e um mau aplicativo, segundo ele, está na sua abordagem: “Um bom aplicativo orienta de forma progressiva, adapta treinos à realidade do usuário e incentiva de forma saudável. Um aplicativo ruim impõe metas irreais ou ignora sinais do corpo”. Prado enfatiza que o fator humano ainda é insubstituível. Enquanto o aplicativo mostra o “o quê” e o “quanto”, é o educador físico que entende o “por quê” e o “como”.
Em busca do equilíbrio
Diante de tantos riscos, é possível fazer um uso consciente e equilibrado dessas ferramentas? Para os especialistas, a resposta está na autoconsciência e no estabelecimento de limites claros.
Vanessa Tomasini sugere uma pergunta fundamental para avaliar a dependência: “O quanto eu consigo viver sem esse aplicativo?”. Um sinal de alerta claro é “perceber que, se você não vê o aplicativo, você fica irritado”. Para estabelecer um uso consciente, o primeiro passo é definir sua real necessidade.
“É preciso ter um objetivo, uma pergunta específica”, e entender que o aplicativo provavelmente oferecerá muito mais. É preciso ter consciência para dizer: “Não era essa a pergunta que eu queria responder, então não vou abrir espaço para isso”, diz a psicóloga.
Acima de tudo, é crucial lembrar que os aplicativos não entendem o contexto. “Eles não sabem se você está doente, cansado ou como está se sentindo, por exemplo. O aplicativo não vai te ver de forma única. A verdade é que ele não te vê”, resume Tomasini.
Caminhos possíveis
No campo da nutrição, Irani Gomes dos Santos Souza recomenda buscar aplicativos “desenvolvidos e validados por profissionais de saúde competentes”. Além disso, aconselha a usá-los como “apoio a um atendimento nutricional onde será realizado um adequado plano alimentar”. A melhor abordagem é seguir a orientação de um nutricionista, que “saberá indicar o melhor aplicativo para te auxiliar”.
Silvio Prado reforça a mesma ideia para os treinos: "Digo sempre para que usem os aplicativos como ferramentas, não como guias absolutos”. Ele mesmo utiliza apps como Garmin Connect e Whoop, mas de forma estratégica, para registrar volume de treino e acompanhar a variabilidade da frequência cardíaca. Contudo, ele frisa: “Sempre analiso esses dados à luz do contexto – sono, estresse, agenda – porque sei que a performance é multifatorial”.
A mensagem final é a mesma: a tecnologia pode ser uma aliada poderosa, mas nunca deve substituir o julgamento humano, o acompanhamento profissional e, principalmente, a conexão com as próprias necessidades e sensações. Em tempos que nos convidam a quantificar cada aspecto da vida, o verdadeiro bem-estar talvez esteja naquilo que nenhum aplicativo pode medir: o contexto, o prazer e o autocuidado genuíno.
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