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Tony Volpon: O Fed e as duas economias americanas

Jerome Powell, presidente do Fed, com efeito

Montagem com Jerome Powell, presidente do Fed

Dada a importância do ciclo de política monetária nos EUA para a economia e os mercados globais — para a tristeza de alguns, ainda vivemos sob um padrão monetário e financeiro regido pelo dólar norte-americano —, temos que tentar entender o que o Federal Reserve (Fed) está fazendo neste momento.

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Obviamente, tem muito ruído ao redor do Fed e sua relação com o governo Trump. Acho exagerados temores de que sua independência operacional esteja sendo comprometida. 

A Corte Suprema dos EUA, que em muitos casos tem apoiado a expansão dos poderes do Executivo perseguida por Donald Trump, tem deixado claro que o Fed é um caso à parte. Assim, a melhor hipótese neste momento é projetar que sua atuação será técnica no cumprimento do seu mandato.

Fed e o duplo mandato

O que não podemos esquecer quando se fala do Fed é que, diferente da maioria dos outros bancos centrais, o Fed leva seu duplo mandato a sério. 

Enquanto os outros BCs com mandatos focados na inflação (como o nosso Banco Central) olham para o mercado de trabalho como um importante insumo na questão da inflação e tentam implicitamente levar a inflação à meta nominal e o mercado de trabalho ao equilíbrio do pleno emprego sustentável, a diferença com o Fed é que, com seu mandato duplo, se pode explicitamente privilegiar um mandato em detrimento do outro.

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Isso explica por que o Fed pode iniciar um processo de corte de juros com a inflação rodando acima da sua meta — neste caso, com o núcleo do PCE rodando em 2,9% para agosto. 

Um BC com mandato inflacionário único provavelmente não cortaria a taxa de juros com a inflação nesse patamar e uma meta de 2%.

O outro lado do mandato

O que o Fed está vendo do outro lado do seu mandato? Um mercado de trabalho bem mais fraco do que parecia alguns meses atrás: para o período entre abril de 2024 e março de 2025, a estimativa de novos empregos caiu em 911 mil, a maior revisão desde 2002. 

Em agosto, quando a estimativa de novos empregos foi de somente 22 mil, houve revisões para junho e julho que baixaram a estimativa em 19 mil empregos, com o dado de junho agora negativo em 13 mil.  

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Esses dados foram a grande “nova novidade” do momento. Vou adiante explicar o sentido desses dados e o que eles dizem sobre o momento da economia norte-americana, mas vamos primeiro ver como o Fed está reagindo a eles.

Primeiro ponto importante: esses dados, por mais surpreendentes que sejam, não indicam uma economia caindo em recessão, mas, sim, um enfraquecimento material no mercado de trabalho. Essa diferenciação é importante para ditar a velocidade e tamanho do ciclo de queda de juros.

Segundo ponto importante: o Fed acredita que a postura atual, usando as palavras de Jerome Powell depois da última reunião, é “levemente restritiva”.

E, finalmente, o Fed acredita que as expectativas de inflação estão bem ancoradas e que o choque tarifário não deve alterar este fato.

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Fed: o gerenciador de riscos

Em um momento como o atual, onde há contradição entre os dois mandatos, o Fed age como um gerenciador de riscos — uma estratégia que vem desde o período do Alan Greenspan.

O ciclo de corte é uma resposta clara à novidade de um mercado de trabalho mais fraco. Sem essas revisões recentes, acredito que o Fed não teria cortado a taxa de juros. 

Enquanto esses dados não indicam um risco iminente de uma recessão, esse risco claramente é mais alto, e assim o Fed “faz um hedge” diminuindo o nível de restrição monetária, confiando que a ancoragem das expectativas de inflação deve impedir uma deterioração da mesma.

O fato que o risco de uma recessão não parece ser iminente como o fato de que a inflação está acima da meta dita um ritmo cauteloso no ajuste monetário, com a possibilidade de que o “ponto de pausa” ainda seja de uma leve postura restritiva, a depender dos dados. 

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Um ressurgimento de pressões inflacionárias ou uma fraqueza adicional inesperada no mercado de trabalho podem levar o Fed a abortar ou acelerar o ciclo de queda de juros.

Agora, o que tudo isso nos diz sobre a economia norte-americana? Como convivemos com as bolsas nas máximas e um mercado de trabalho flertando com uma recessão?

‘A bolsa não é a economia’

A explicação é uma piora da divergência entre parte da economia e mercado ligados à temática da inteligência artificial (IA), que está “bombando”, e o resto da economia, que está perdendo momento. Hoje é como se tivéssemos duas economias convivendo, mas de formas divergentes.

Considere que os planos de investimentos das Mag 7 neste ano devem ser na ordem de US$ 359 bilhões, aumentando em 26%, para US$ 454 bilhões, em 2026. Somente essas empresas devem responder por cerca de 12% de todos os investimentos na economia norte-americana e, incrivelmente, cerca de 35-40% de todos os investimentos feitos pelas grandes empresas do S&P 500.

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Isso é obviamente importante para a economia como um todo, de forma direta e indireta, mas não impede que o resto da economia não enfrente dificuldades.

Cito aqui o velho ditado: “a bolsa não é a economia”. Isso certamente é menos verdade nos EUA do que na maioria dos outros países, mas, neste momento, realmente a bolsa norte-americana, inflada pela aposta em IA, não reflete o resto da economia.

Mas aqui há, então, um outro risco para o Fed: se, por qualquer razão, esses planos de investimento não forem à frente, isso quase certamente levaria a economia norte-americana a uma recessão. 

Assim como todos nós, o Fed deve ficar bem atento às oscilações da bolsa, e uma forte correlação negativa entre o mercado acionário e o mercado de renda fixa deve ser a regra de agora em diante. 

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O melhor hedge para o investidor neste momento é nosso bom e velho conhecido mercado de Treasuries.

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