A alta global de juros na tentativa de debelar a inflação generalizada tem aberto muitas oportunidades na renda fixa, mas o melhor momento para investir nesta classe de ativos ainda está por vir, explicam gestores de fundos especializados em crédito privado, aqueles títulos de dívida emitidos por empresas (debêntures) ou securitizadoras.
No painel sobre renda fixa da Semana da Previdência da Vitreo, Ulisses Nehmi, da Sparta, e Marcelo Urbano, da Augme, disseram esperar que o ciclo de aperto monetário no Brasil esteja perto do fim e que, aí sim, será "gostoso" para os gestores de renda fixa, fazer as alocações, para usar um termo dito por Nehmi.
Assista à íntegra da transmissão a seguir:
Eles explicam que, embora durante o ciclo de alta dos juros surjam boas oportunidades, este é tipicamente um momento em que a política monetária está segurando a economia, a qualidade do crédito está piorando e há um pessimismo no mercado.
Mas quando os juros já estão altos e com perspectivas de cair (ou já em queda, o que tende a valorizar os títulos de crédito privado), aí sim as condições se tornam ideais para alocações em títulos de dívida, inclusive com uma melhora na qualidade de crédito das empresas emissoras. Ou seja, a renda fixa ainda vai se manter atrativa por um bom tempo.
A perspectiva dos gestores para essa classe de ativos, portanto, é positiva. "Estamos num período bastante propício para a renda fixa, temos oportunidade de investir com a Selic bastante alta", observa Nehmi. "Estamos com uma Selic bem acima da inflação, portanto com um bom juro real, que é o retorno acima da inflação", completa.
Alguns setores estão mais arriscados que outros
No entanto, o cenário ainda está bem volátil para os ativos de renda fixa privada, cujos preços flutuam com as oscilações dos juros futuros, que por sua vez chacoalham diante das incertezas em relação a inflação e crescimento no Brasil e no mundo.
Além disso, como dito acima, o risco de crédito de alguns emissores está deteriorado, frente às atuais condições econômicas, então não é qualquer título de dívida que se mostra um bom investimento.
"Quando o juro sobe, a gente tem que lembrar que há impacto para os emissores. Alguns setores podem ser mais prejudicados, e outros ficam mais protegidos", diz o gestor da Sparta.
Tanto Nehmi quanto Urbano frisam que, ao se analisar um título de dívida, é preciso olhar caso a caso para saber se o emissor é ou não um bom pagador, mas que, de maneira geral, empresas e empreendimentos de setores mais suscetíveis à alta de juros e à inflação elevada, como varejo e incorporação imobiliária, estão mais arriscados.
Urbano acrescenta ainda as companhias muito expostas a risco de commodities, isto é, ligadas ao mercado de commodities de alguma maneira. "Não daria funding longo para essas companhias, pois o mercado pode começar a precificar demais um cenário de retração global", explica.
Já o setor de infraestrutura, destacam, fica mais protegido em cenários de juros e inflação elevados, pois as empresas emissoras conseguem repassar a inflação nos preços, e sua dívida também é atrelada à inflação.
E as eleições?
Perguntados sobre as perspectivas para a renda fixa privada diante das eleições presidenciais, tanto Nehmi quanto Urbano acreditam que o cenário independe de quem ganhar, a menos que haja alguma ruptura institucional significativa, risco atualmente considerado baixo.
Eles destacam que ambos os principais candidatos - o ex-presidente Lula e o atual presidente Jair Bolsonaro - já têm "estilos" conhecidos do mercado. "O tema eleição, apesar de trazer volatilidade, não é o mais relevante, nem para o mercado, nem para crédito. O que vai acontecer no exterior pesa mais para as perspectivas de inflação e juros", diz Nehmi.
Essa é também a visão do gestor da Augme. "O Brasil está inserido no contexto global e tem várias incertezas lá fora que não são desprezíveis", diz Urbano. "Eu acho que a inflação no Brasil vai ser controlada, mas o descontrole fiscal do país e a possibilidade de recessão preocupam", completa.