O Nubank vem para IPO na Nasdaq com a pretensão de um valuation entre US$ 75 bilhões e US$ 100 bilhões, segundo publicou a imprensa. Esse valor supera o do Itaú, que vale US$ 55 bilhões em bolsa, e está no mesmo patamar de Vale, cujo valor de mercado é de US$ 100 bilhões.
Mas os números da empresa não sustentam isso, e pretendo te explicar o porquê no “A bolsa como ela é” de hoje. (Adianto: não é pela superioridade de Itaú, mas sim pelo exagero em Nubank.)
A Empiricus é de uma época em que não existia capital abundante para startups de países emergentes. No seu ano de fundação pós-crise do subprime de 2008, dar lucro era condição cine qua non para a continuidade do negócio.
Não havia dinheiro sobrando para colocar piscina de bolinha no escritório ou financiar grafites descolados nas paredes do prédio. Criar um modelo de negócio que gerasse caixa era condição de sobrevivência. (Ouça mais detalhes dessa história no maravilhoso episódio #37 do Puro Malte: “Startup com piscina de bolinha”.)
Mas o mundo é diferente agora. Juro real negativo nos países desenvolvidos levou a uma abundância de recursos entrando em ativos de risco na busca de maiores retornos. Startups que só consomem caixa passaram a ser avaliadas pelo seu múltiplo de EV/Receita, pela impossibilidade de calcular a razão EV/EBITDA ou Preço/Lucro quando se tem um denominador negativo.
Nos últimos trimestres, surgiu, ainda, uma nova métrica: EV/Usuário. Porque, agora, não só as queimadoras de receita vêm para a bolsa; mas, também, aquelas que têm muitos usuários, mas geram pouca receita. Onde isso vai parar?
O PicPay queria vir para mercado com um valuation de mil dólares por usuário ativo, o que implicaria um valor de mercado na casa dos US$ 20 bilhões (já descontando a dívida líquida). Diante de um mercado que estava disposto a pagar “apenas” US$ 6 bilhões, a companhia desistiu do IPO.
Agora, o Nubank, com um valor de mercado de US$ 88 bilhões (assumindo o ponto médio da faixa indicada), estaria valendo mais de dois mil dólares por usuário (são 40 milhões de clientes). Os múltiplos não param de crescer.
Mas qual a história que as demonstrações financeiras do Nubank nos contam?
O Nubank teve um produto bancário (soma da receita de crédito mais a receita de serviços, menos o custo de captação do dinheiro dos clientes) de R$ 1,7 bilhão em 2019, e de R$ 2,8 bilhões em 2020 — um robusto crescimento de 60%, há de se reconhecer.
Considerando esses números como a receita da instituição e um valor de mercado que equivale, em reais, a R$ 454 bilhões, o mercado estaria pagando um múltiplo de 162 vezes a receita de 2020, ou, assumindo um crescimento de iguais 60% para o ano atual fechado, 102 vezes a receita de 2021.
Se considerarmos as despesas de inadimplência, o produto bancário líquido de provisões para perdas esperadas foi de R$ 1,0 bilhão em 2019 e de R$ 2,0 bilhões em 2020, implicando uma expansão de 50%.
Descontando todas as despesas da fintech, em que pesem os gastos com processamento de dados (R$ 500 milhões em 2020) e com pessoal (R$ 709 milhões no mesmo ano), o Nubank teve prejuízos líquidos de R$ 313 milhões e de R$ 230 milhões em 2019 e 2020, respectivamente. Como falamos acima, calcular múltiplos de lucro líquido quando este é negativo nos leva a números sem sentido.
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Nubank vs outras fintechs
Vamos, então, usar o múltiplo de receita de Nubank, de 102 vezes para 2021, como nossa base de comparação com outras fintechs listadas em bolsa.
Méliuz, listada na B3, negocia a 21 vezes a receita de 2021. Stone, empresa brasileira listada na NYSE, 15 vezes. A Robinhood, plataforma de investimentos americana que é um fenômeno entre os millenials, 19 vezes.
Finalmente, o Tinkoff, banco digital russo que é o grande benchmark para Nubank, fez sua última rodada de investimentos a um valuation de US$ 6,3 bilhões, o que significaria um múltiplo de 2 vezes a receita de 2021 (aqui assumindo um crescimento de 30% sobre a receita de 2020).
Como se pode ver, nada chega nem perto do múltiplo de aproximadamente 100 vezes almejado por Nubank.
Não estou dizendo que o mercado não vai pagar. Somente na precificação da oferta é que saberemos qual o apetite do mercado para uma promessa de geração de caixa no futuro.
A esses preços, eu não pagaria para ver.
Um abraço,
Larissa