Bolsonaro vs Biden: A boiada vai ter de parar
Nas próximas semanas, as mensagens que sairão de Brasília para Washington impactarão fortemente a cotação do dólar e das ações negociadas na B3

Desde a campanha eleitoral, em 2016, o presidente Jair Bolsonaro se declarou adepto de Donald Trump. Só que, agora, a partir do dia 20 de janeiro, data da posse de Joe Biden, ele terá de se relacionar com o novo ocupante da Casa Branca.
Sempre que menciona o Brasil, às vezes sem citar o nome, Biden enfatiza a necessidade de preservação do meio ambiente em geral e da Amazônia em particular. Como todo mundo sabe, isso não é uma das prioridades do Planalto.
Muito pelo contrário. Ou alguém já se esqueceu do “passar a boiada”, expressão usada pelo ministro Ricardo Salles na reunião ministerial de 22 de abril deste ano, num momento em que a Covid-19 se espalhava pelo país?
Sempre foi tradição da diplomacia brasileira não se meter na política interna de outros países, com exceção de alguns pitacos em eleições paraguaias. Isso fez do Itamaraty uma instituição respeitada.
São inúmeros os exemplos de neutralidade, reconhecida pelas demais nações.
Em 25 de outubro de 1998, Fernando Henrique Cardoso presidiu, em Brasília, a assinatura do acordo de paz entre Equador e Peru, após três anos de negociações de nossos diplomatas com as autoridades dos dois países andinos sobre disputas territoriais.
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Durante seu breve governo, Jânio Quadros incluiu o Brasil no Bloco dos Não Alinhados. Melhor explicitando, procurou se afastar da área de influência dos Estados Unidos e União Soviética.
No terreno de pacificação militar, participamos de três missões importantes:
Vinte contingentes do Exército Brasileiro atuaram como uns dos componentes das forças de paz das Nações Unidas na área do canal de Suez, após o conflito das forças de Israel, Reino Unido e França contra as do Egito, ocorrido em 1956.
Como curiosidade, naquela ocasião os Estados Unidos, presididos por Eisenhower, ficaram ao lado do Egito, como se proclamassem:
“Sem ouvir primeiro a Casa Branca, os aliados do Ocidente não podem fazer nada.”
Entre maio de 1965 e maio de 1966, três contingentes brasileiros garantiram a paz na República Dominicana, país que se encontrava na iminência de uma guerra civil.
Nossa maior missão de paz, tanto em número de soldados como em tempo de duração, ocorreu no Haiti. Uma força do Exército Brasileiro que, em determinado momento, chegou a ter 37.500 oficiais, sargentos e praças, permaneceu no país durante 13 anos, cabendo a ela o comando da operação, que contou com militares de diversos países.
Apesar dessa aparente independência, com exceção do bloco dos não alinhados dos meses de Jânio Quadros, o Brasil sempre se enfileirou com os Estados Unidos.
Essa aliança, que teve alguns momentos de divergência, nunca muito séria, começou em 1876 quando o imperador D. Pedro II viajou para Nova York acompanhado de sua mulher, a imperatriz D. Teresa Cristina Maria.
Momentos dessa viagem são descritos, em linguagem deliciosa, pelo escritor americano Gore Vidal em um trecho de seu livro “1876”.
Vale acrescentar que isso aconteceu numa época em que os chefes de Estado raramente viajavam para o exterior, a não ser para países próximos.
Após o término de seu mandato na Casa Branca, o presidente norte-americano Theodore Roosevelt fez, em caráter particular, uma expedição pela floresta amazônica. Seu guia foi ninguém menos do que o marechal Cândido Rondon.
Em tempos mais modernos, Franklin Delano Roosevelt, parente distante de Theodore, assinou em Natal, no Rio Grande do Norte, com Getúlio Vargas, durante a Segunda Guerra Mundial, um acordo através do qual o Brasil cedia uma base aérea aos Estados Unidos.
Ela serviu como ponto de reabastecimento para os aviões da USAF poderem se deslocar do território americano para o teatro de guerra no norte da África.
A partir desse encontro, tornou-se rotina os presidentes americanos virem ao Brasil. Com raríssimas exceções, os chefes de estado brasileiros nunca deixaram de ir em visita oficial aos Estados Unidos.
Jânio Quadros, talvez porque tenha governado por pouco tempo, é uma exceção que confirma a regra.
Há um episódio curioso.
Itamar Franco ainda era presidente e seu sucessor, Fernando Henrique Cardoso, já tinha sido eleito.
Ambos compareceram juntos à Cúpula das Américas, em Miami, no mês de dezembro de 1994.
Todas as atenções se concentraram em FHC, pois faltava um mês para sua posse. Além disso, Itamar Franco era monoglota e Fernando Henrique falava fluentemente diversas línguas, entre elas obviamente o inglês.
Percebendo que o presidente Franco estava sozinho em um canto, emburrado, Bill Clinton se aproximou para uma conversa, levando um intérprete.
“Você sabia que nós temos uma coisa muito importante em comum?, perguntou Clinton, para em seguida ele mesmo responder:
“Ambos perdemos nossos pais antes de nascermos.”
Aquilo conquistou Itamar, cujo mau humor cessou imediatamente.
Brasil e Estados Unidos sempre foram amigos e parceiros comerciais.
O presidente Harry Truman chegou a propor a seu colega brasileiro, Eurico Dutra:
“Que tal se o Brasil concordar com a política externa americana em todo o mundo, com exceção da América do Sul? Em contrapartida, aqui acompanharemos o que o Brasil decidir.”
Na época do regime militar, Castelo Branco e Costa e Silva tinham ótimas relações com os Estados Unidos. O mesmo não aconteceu com Ernesto Geisel, que rompeu o acordo militar Brasil/EUA.
Para piorar as coisas, Jimmy Carter veio a Brasília, onde cobrou de Geisel respeito aos direitos humanos. Como se não bastasse, fez questão de se encontrar com os opositores Lula e o cardeal Evaristo Arns, na casa de hóspedes da Gávea Pequena, no Rio de Janeiro.
Lula e Dilma, por exemplo, viajaram diversas vezes aos Estados Unidos, apesar de apoiarem os regimes esquerdistas de Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador.
O republicano George W. Bush (Bush filho) foi recebido por Lula em Brasília. Também na capital federal, em um almoço para Barack Obama no Itamaraty, Dilma convidou Sarney, Collor, Fernando Henrique e Lula. Só este último não foi.
Donald Trump jamais prestou atenção ao Brasil. Fazia piadinhas dizendo que Bolsonaro era o Trump brasileiro e não passou disso.
Estados se relacionam com Estados. Se puder haver uma empatia pessoal entre os dirigentes, melhor ainda.
Mas é preciso levar em conta que “não há países amigos mas interesses comuns”, tal como dizia John Foster Dulles, secretário de Estado americano no governo Eisenhower.
Dulles veio ao Brasil várias vezes. Seu filho, John W. F. Dulles (1913-2008), fluente em português, tornou-se um dos brasilianistas mais importantes, tendo escrito, entre outras, as biografias de Carlos Lacerda e Humberto Castelo Branco.
O Brasil não pode se dar ao luxo de alfinetar os Estados Unidos de Biden, como faz com a China de Xi Jinping, ou ofender o novo ocupante da Casa Branca, como acontece com o presidente argentino Alberto Fernández.
Imaginem se a gente deixa de ter relações amistosas com nossos três maiores parceiros comerciais: China, Estados Unidos e Argentina.
Durante sua campanha presidencial, Jair Bolsonaro disse que jamais faria acordos com a velha política.
Medidas provisórias e vetos derrubados pelo Legislativo o fizeram mudar de ideia.
Hoje conversa amistosamente com o Centrão, que nomeia cargos para os diversos escalões do governo.
O capitão-presidente compareceu a comícios nos quais o Supremo Tribunal Federal foi ameaçado.
Ao ver a bobagem que cometera, voltou atrás e impediu que a turma do ódio voltasse a insultar o STF.
Para o bem do Brasil em geral, e do mercado financeiro em particular, espero que Bolsonaro ouça o que alguns assessores mais sensatos já devem estar lhe aconselhando.
Quanto mais relações tivermos com os Estados Unidos e a China, as duas maiores potências do mundo, melhor para nós, brasileiros.
O mercado financeiro vai olhar com lupa as primeiras iniciativas do Planalto com relação a Washington.
Se estabelecermos boas relações diplomáticas com o novo ocupante da Casa Branca, inclusive mudando radicalmente nossa política ambiental, a eleição de Joe Biden poderá ser um ótimo negócio para ambas as partes.
Caro amigo leitor. Nas próximas semanas, as mensagens que sairão de Brasília para Washington impactarão fortemente a cotação do dólar e das ações negociadas na B3.
O Brasil precisa se compenetrar de uma vez por todas que não é uma ilha autossuficiente, seja quem governe aqui, seja quem governe lá fora.
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