ESG: a sigla para evitar novas Brumadinhos
“Environmental, Social and Governance” não trata de abraçar árvores, mas de proteger patrimônio
“Lá no Brasil vocês não têm interesse em ESG? Esta é a primeira vez que um grupo de fundos de pensão vem aqui e ninguém pergunta sobre isso” – questionou em belo sotaque britânico um dos executivos da MSCI, a famosa provedora de índices que servem de referência para investidores no mundo todo.
Do outro lado da mesa, gravador a postos, eu passava da repórter que acompanhava, em Londres, um grupo de fundos de pensão em sua busca por internacionalizar o portfólio (que não aconteceu até hoje) ao desconfortável papel de porta-voz do Brasil.
A resposta certa à pergunta era um sonoro “não”, mas eu dei uma disfarçada para não passar vergonha.
Por sorte eu sabia do que ele estava falando – infelizmente, mais na teoria do que na prática. ESG é a sigla em inglês para “Environmental, Social and Governance”. O executivo da MSCI fazia referência a ter em conta fatores ambientais, sociais e de governança na hora de selecionar uma empresa na qual investir.
Papo de quem abraça árvores? Mesmo que você, assim como eu, use sacolas plásticas no supermercado e ainda não tenha se acostumado aos canudinhos de papel que derretem na boca (não tenho orgulho disso, é só a realidade), talvez perceba a importância do tema depois de assistir, chocado, aos efeitos do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho na última sexta-feira (25).
Se algum sangue corre em suas veias, na certa você está sem fala diante do número de mortos e do impacto ambiental ocorrido.
Mas mesmo que nenhum sangue corra nas suas veias e você seja um investidor-robô, dificilmente passou incólume. A empresa perdeu mais de 70 bilhões de reais em valor de mercado – batendo todos os recordes para uma companhia brasileira em um único dia de Bolsa – somente na última segunda-feira.
Se você tinha Vale, perdeu dinheiro. Se você estava posicionado no Ibovespa, perdeu dinheiro. Se você investe em algum fundo de ações, também é provável que tenha perdido dinheiro, já que os gestores voltavam a namorar a companhia dados os avanços de governança (ninguém se lembrava mais de Mariana).
Ou seja, ESG não trata de abraçar árvores, mas de proteger patrimônio. Os riscos ambiental e trabalhista de investir em Vale claramente não estavam nos preços, assim como não estão no de várias outras companhias listadas. É um risco oculto – e nada pequeno, como acabamos de perceber.
Lá fora, especialmente investidores com olhar de longo prazo levam em conta critérios ESG para avaliar as empresas que entram no portfólio. A tese é: se vou virar sócio desta companhia por muitos anos, na certa é com meu dinheiro que ela vai pagar as indenizações que vão estourar pela frente.
O que isso significa para você que não está nem aí para questões ambientais, sociais e de governança? Que grandes investidores no mundo estão, o que, naturalmente, afeta o valor do que você compra.
E o que isso significa para você que detonou todo mundo que tem falado de dinheiro e investimentos nas redes sociais ao se referir ao rompimento da barragem da Vale? Que você está do lado errado. Um caminho rápido para evitar novas tragédias como a de Brumadinho é garantir que mais investidores coloquem no preço impactos ambientais e sociais.
Que empresa vai querer ter seu valor em Bolsa descontado?
Barragem de rejeitos da Vallourec transborda em MG às vésperas do aniversário de 3 anos da tragédia de Brumadinho
Apesar do transbordamento, não houve rompimento da barragem; rejeitos invadiram pista da BR-040 e pelo menos uma pessoa ficou ferida
Perfuração levou à tragédia em Brumadinho, diz universidade catalã
Financiado pela Vale, resultado do estudo foi divulgado pelo Ministério Público Federal
Vale prevê gastar quase R$ 17 bilhões com Brumadinho neste ano; Credit Suisse mantém recomendação de compra para ação
O Credit Suisse reconhece que existe um risco de multas adicionais ou desdobramentos de Brumadinho frustrarem os planos da empresa
Após sindicato pedir indenização maior, Vale diz ter acordos com 1,6 mil familiares de vítimas de Brumadinho
O Sindicato Metabase Brumadinho recorreu à justiça solicitando a elevação de R$ 1 milhão para R$ 3 milhões no valor da indenização a ser paga pela mineradora
CVM acusa ex-CEO e ex-diretor da Vale no caso Brumadinho
Ao comunicar a abertura de inquérito, em 2019, a CVM destacou que a apuração não incluía a atuação sobre questões relativas à legislação ambiental
Vale fecha acordo em MG e pagará R$ 37,7 bilhões em reparações por Brumadinho
Montante, a ser utilizado em ações socioeconômicas e ambientais, é considerado positivo por analistas
Vale confirma continuidade das tratativas com MG e instituições de Justiça
Em caso Brumadinho, ação civil pública pede R$ 54,7 bilhões; proposta da Vale foi de R$ 29 bilhões, abaixo do que os autores consideram viável para um acordo
Brumadinho: Justiça de MG nega bloqueio de R$ 26 bilhões da Vale
O pedido havia sido feito por Ministério Público Federal e de Minas Gerais, Advocacia-Geral da União (AGU) e Defensoria Pública da União e de Minas Gerais.
Com Brumadinho, produção de minério da Vale cai 21,5%
Empresa manteve a estimativa de produção entre 340 milhões e 355 milhões de toneladas para 2020, apesar dos possíveis impactos do coronavírus
Após Brumadinho, grupo com mais de US$ 14 tri sob gestão pressiona mineradoras por transparência
Movimento capitaneado pelo fundo The Church of England divulgou um banco de dados global com informações de 1.939 barragens
Leia Também
-
Mais um baque para a Vale (VALE3)? STF determina que executivos da mineradora sejam julgados na Justiça Federal por mortes em Brumadinho
-
Barragem de rejeitos da Vallourec transborda em MG às vésperas do aniversário de 3 anos da tragédia de Brumadinho
-
Perfuração levou à tragédia em Brumadinho, diz universidade catalã
Mais lidas
-
1
O carro elétrico não é essa coisa toda — e os investidores já começam a desconfiar de uma bolha financeira e ambiental
-
2
Ações da Casas Bahia (BHIA3) disparam 10% e registram maior alta do Ibovespa; 'bancão' americano aumentou participação na varejista
-
3
Acordo bilionário da Vale (VALE3): por que a mineradora pagou US$ 2,7 bilhões por 45% da Cemig GT que ainda não tinha