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Felipe Miranda: Bem-vindo à Holanda

Investimentos em renda fixa durante a guerra

"Conceda-me a serenidade
Para aceitar aquilo que não posso mudar,
A coragem para mudar o que me for possível
E a sabedoria para saber discernir entre as duas
.”

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— Reinhold Niebuhr 

Sobre os ombros de gigantes, iniciamos mais uma semana. Para enfrentar a segunda-feira de maior aversão a risco no exterior, com commodities derretendo em meio à preocupação com ampliação dos lockdowns na China, recorro à sabedoria de Emily Pearl Kingsley, em seu clássico moderno “Bem-vindo à Holanda”. 

Bem-vindo à Holanda

Quando você vai ter um bebê, é como planejar uma fabulosa viagem de férias – para a Itália. Você compra uma penca de guias de viagem e faz planos maravilhosos. O Coliseu, o Davi, de Michelangelo. As gôndolas de Veneza. Você pode aprender algumas frases úteis em italiano. É tudo muito empolgante.

Após meses de ansiosa expectativa, finalmente chega o dia. Você arruma suas malas e parte. Várias horas depois, o avião aterrissa. A comissária de bordo diz: ‘Bem-vindos à Holanda’.

‘Holanda? Como assim Holanda? Eu escolhi a Itália. Deveria estar na Itália. Toda minha vida sonhei em ir para a Itália.’

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Mas houve uma mudança no plano de voo. Eles aterrissaram na Holanda e lá você deve ficar. 

O mais importante é que não levaram você para um lugar horrível, repulsivo, imundo, cheio de pestilência, fome e doença. É apenas um lugar diferente.

Então você precisa sair e comprar novos guias de viagem. E deve aprender todo um novo idioma. E vai conhecer todo um novo grupo de pessoas que você nunca teria conhecido.

É apenas um lugar diferente. Tem um ritmo mais lento do que a Itália, é menos vistoso que a Itália. Mas depois de estar lá por algum tempo e respirar fundo, você olha ao redor… E começa a perceber que a Holanda tem moinhos de vento… E tem tulipas. A Holanda tem até Rembrandts.

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Mas todo mundo que você conhece está ocupado indo e voltando da Itália… E todos se gabam de quão maravilhosos foram os momentos que lá passaram. E pelo resto de sua vida você vai dizer: ‘Sim, era para onde eu deveria ter ido. É o que eu tinha planejado’.

E a dor que isso causa não irá embora nunca mais… Porque a perda desse sonho é uma perda extremamente significativa. 

Porém… Se passar a vida lamentando o fato de não ter chegado à Itália, você nunca estará livre para aproveitar as coisas muito especiais, as coisas adoráveis… da Holanda.”

Um admirável mundo novo no Brasil

O Brasil parecia caminhar para juros civilizados. Fizemos uma reforma da Previdência, vamos terminar um mandato presidencial, pela primeira vez, com gastos públicos sobre o PIB inferiores àqueles do início do governo, o ministro da Economia é um liberal convicto e declarado. Colhíamos os frutos fiscais e institucionais do governo Temer (a ser julgado pela História). 

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Você se preparou para aquilo. Tirou seu dinheiro do bancão, deixou vender seus CDBs do Bradesco, teve a difícil conversa com a querida gerente, explicando que, apesar da longa relação, chegara a hora do divórcio financeiro. 

Você poderia continuar passando para um café, mas não mais para as alocações mensais — ao que ela, se esforçando para ser educada, respondeu com um sorriso, amarelado pelo consumo excessivo daquela bebida amarga. 

Todos animados com um admirável mundo novo. Finalmente, superaríamos o paraíso do CDI, ligando um maçarico sobre os rentistas, com siricutico ao ver seus retornos pós-fixados corroídos pela inflação. Havíamos de nos preparar para algo antes impensável: o juro real baixo e — pasmem! — negativo no Brasil. 

A chegada da pandemia e as mudanças no mercado financeiro

E aí, então, veio a pandemia. A tendência à digitalização, o expansionismo fiscal e monetário no mundo, os gurus messiânicos que sabiam de tudo sobre ações e criptomoedas aceleraram a tendência. Fizemos em um ano o que demoramos quase um século: multiplicamos por n vezes o número de CPFs na B3.

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O investidor se preparou para um mundo de juro baixo, fora do banco, estimulado pela necessidade de diversificar a carteira em ativos de risco e no exterior. Ele já poderia imaginar as gôndolas, a Bienal em Veneza… os Barolos (ah, aquele Gaja é mesmo espetacular!), Brunellos e Supertoscanos…

A tal hipótese da Moderna Teoria Monetária estava sendo levada ao teste empírico. Levaríamos os juros a zero, expandiríamos indefinidamente os balanços dos Bancos Centrais, iríamos do “forward guidance” à “inflação transitória”, sem qualquer problema, certo?

O dragão da inflação global retorna

É…. Mais ou menos… Surpresa! O modernismo da teoria monetária foi superado pelo original: era o velho Friedman nos atormentando. A expansão monetária e fiscal, somada às sucessivas restrições de oferta, acordou a inflação global — algo desconhecido da geração Z, aquela turma que sabe tudo das grandes tendências globais, mas não arruma a própria cama. 

A leitura da inflação transitória morreu com o Powell Pivot, quando o presidente do Fed mudou de ideia sobre o comportamento dos preços e passou a flertar com aperto monetário mais intenso; agora, já se fala em “one and done”, um ajuste rápido com altas de até 75 pontos-base, levando a Fed Funds Rate para mais de 3%.

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A realidade e o estouro da bolha tech nos EUA

Estouramos a bolha tech nos EUA. O sonho das startups descoladas e das mesas de pingue-pongue virou pesadelo. Os escritórios “pet-friendly” se depararam com Sérgio Zimerman vendendo 10 milhões de ações da sua companhia. A realidade morde mais do que cão raivoso.

A preparação para um mundo de juro baixo, fora do bancão, comprado em US tech, se deparou com uma aterrissagem forçada em Amsterdã.

Há motivos para desespero? Não acho. A vida e a condição humana são em si da incerteza e do inesperado. 

Podemos reconhecer o quanto estamos suscetíveis à aleatoriedade e ao desconhecido, ou viver sob a pretensão do desejo de controle, em que suprimimos a volatilidade, empurrando-a para debaixo do tapete, até que encontremos uma ruptura ainda maior lá na frente, como sapos em panela de água quente.

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Passos para encarar a nova realidade da inflação e juros

Minha proposta pragmática para viver na Holanda poderia ser sintetizada num livro, possivelmente relacionado, para minha tristeza, na estante de autoajuda com os seguintes passos:

Como montar sua carteira de investimentos?

Prefiro os indexados à inflação, mas diversificaria entre pós-fixados e uma pitada de pré, passando por boas debêntures de infraestrutura, LIGs e crédito privado dentro do FGC. Do outro lado, uma boa dose de ações brasileiras excessivamente descontadas (sim, elas são ativos reais, e algumas negociam a valuation hediondo). 

Dentro dessa alocação em ações, montaria outro Barbell: bancos e commodities de um lado; small e midcaps cíclicas domésticas a múltiplos baixos (com earnings! Value sempre!) de outro.

Assim, em dois anos, talvez se perceba que morar na Holanda não é propriamente um mau negócio.

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A Itália, na verdade, é uma grande ilusão. Para todos nós. Cada um vive uma vida diferente daquela pretendida e idealizada, cheia de nuances, dúvidas, frustrações, problemas, mensagens de “esqueci minha senha”, PIX (mais saindo do que entrando) e boletos — acima de tudo, boletos. Esses parecem aumentar mais que o CDI.

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