O documento “Punhal Verde e Amarelo”, que detalhou os planos para um golpe de Estado em 2022, ganhou um autor. Em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), o general da reserva Mário Fernandes confirmou a autoria do arquivo.
O “Punhal Verde e Amarelo” propunha o sequestro ou homicídio do ministro Alexandre de Moraes, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente, Geraldo Alckmin.
Apesar de confirmar, durante interrogatório, que escreveu o documento, Fernandes alegou que o arquivo era pessoal e que “não foi compartilhado com ninguém”.
“Não passa de um pensamento digitalizado. Hoje eu me arrependo disso, era apenas um pensamento de um militar, que não foi compartilhado com ninguém”, afirmou.
Ele ainda relatou que imprimiu o documento para ler, mas “rasgou” o papel em seguida. “Eu imprimi para não forçar a vista e logo depois eu rasguei. Não compartilhei com ninguém”, disse.
Fernandes está preso desde novembro do ano passado e é um dos réus do núcleo 2 da ação penal da trama golpista. O grupo é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de planejar ações para tentar sustentar a permanência ilegítima de Jair Bolsonaro (PL) no poder, em 2022.
- CONFIRA: O Seu Dinheiro liberou acesso gratuito a análises de mercado aprofundadas e recomendações de investimento; confira como turbinar seus ganhos
As acusações contra o general e as visitas aos acampamentos
Durante o governo do ex-presidente, o militar foi o número dois da Secretaria-Geral da Presidência. Fernandes é apontado como elo entre os golpistas que estavam acampados e o governo de Bolsonaro.
O general confirmou que esteve algumas vezes no QG do Exército durante o depoimento. Fernandes afirmou que chegou a ir entre cinco e sete vezes aos acampamentos em frente aos quartéis, onde manifestantes pediam intervenção militar.
“As vezes que eu fui no QG, fui como cidadão, vendo que era importante para o brasileiro apresentar suas demandas sociais e políticas”, disse.
O militar também defendeu os manifestantes que estavam no acampamento e disse que parte deles não era golpista. Segundo ele, era “uma festa cívica” de pessoas “humildes”.
“Chamar as pessoas que estiveram no 8 de janeiro como golpistas, eu posso até aceitar. Todos eles? Ali foram só alguns. Os que estavam na frente dos quartéis do Exército entraram lá por vários motivos, até mesmo pelo festejo de reunirem patriotas, pessoas vestidas de verde e amarelo para conversarem sobre questões do país”, disse.
Embora tenha confirmado a presença nos acampamentos, Fernandes negou ter tido interlocução com líderes do movimento, como aponta a denúncia da PGR.
- LEIA TAMBÉM: Leitores do Seu Dinheiro acessam em primeira mão análises e recomendações sobre a temporada de balanços; vai ficar de fora dessa?
Além do “Punhal Verde e Amarelo”, o gabinete de crise
Ao responder às perguntas do juiz auxiliar Rafael Rocha — que atua no gabinete de Alexandre de Moraes, relator do caso no STF —, o general afirmou que o documento “Punhal Verde e Amarelo” seria apenas para “assessoramento” do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) em uma eventual crise.
Assim, segundo o militar, o documento era destinado ao general Augusto Heleno, que comandava o GSI e também é réu na ação penal por tentativa de golpe de Estado.
Fernandes negou que o arquivo seria apresentado em uma reunião com Bolsonaro. Além disso, ele admitiu ser o autor de uma minuta de implementação de um “gabinete de crise”.
“A determinação foi minha ao meu chefe de gabinete, Reginaldo Vieira de Abreu, que emitisse seis cópias (do documento Punhal Verde e Amarelo). Essas seis cópias foram emitidas. O objetivo delas era apresentar ao GSI, que, doutrinariamente, era responsável pela montagem do gabinete de crise”, disse.
Segundo a denúncia da PGR, o “gabinete de crise” seria chefiado pelo general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e ex-candidato a vice de Bolsonaro. Atualmente, o general também está preso preventivamente.
Já Fernandes revelou que ele próprio faria parte da assessoria estratégica, enquanto a assessoria de Relações Institucionais seria ocupada por Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro para assuntos internacionais.
“Não quer dizer a crise que a PGR pensa que é. Poderia ser qualquer outra crise. Era um assessoramento em apoio ao general Heleno, que é um grande amigo, um grande mentor. Não tinha nada a ver com apresentação ao Bolsonaro”, completou.
Punhal Verde e Amarelo, gabinete de crise e… Minuta do golpe de Estado
O Supremo começou na quinta-feira (24) a ouvir os réus dos núcleos 2 e 4 da ação penal do golpe. De acordo com a PGR, os acusados do núcleo 4 eram responsáveis por disseminar notícias falsas e desinformação para criar desconfiança nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral.
Filipe Martins, também réu do núcleo 2, negou ter confeccionado uma das versões da chamada minuta do golpe, que previa meios de anular o resultado das eleições de 2022. “Tomei conhecimento pela imprensa”, declarou o ex-assessor em depoimento.
Martins foi citado na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. De acordo com o ex-ajudante de ordens da presidência, Martins foi o responsável por entregar a Bolsonaro uma minuta golpista.
No entanto, o ex-assessor negou a informação. “Não éramos amigos. Tínhamos um contato profissional”, disse o ex-assessor sobre o militar.
Ao ser questionado sobre o plano Punhal Verde e Amarelo, Martins afirmou que também só soube do assunto pela imprensa e que a vinculação de seu nome a um “gabinete de crise” é “especulativa”.
“Eu jogo Fifa no videogame. Ali, eu escolho Cristiano Ronaldo, Messi e Neymar. Isso não significa que eu tenha cacife para contratar essas pessoas para jogar no meu time, nem relação com essas pessoas. O que se pode inferir, a partir do que consta na imprensa, é de que aquilo ali [gabinete de crise] era uma lista meramente aspiracional”.
Martins foi preso preventivamente em fevereiro do ano passado. O argumento da Polícia Federal (PF) — e acolhido por Moraes — para justificar a prisão foi o fato de o nome do ex-assessor constar na lista de passageiros do voo presidencial que decolou do Brasil com destino a Orlando, nos EUA, em 30 de dezembro de 2022.
Já a defesa alega que, apesar de constar na lista de passageiros, Martins não viajou. Durante o interrogatório, ele voltou a afirmar que não saiu do país e disse que se considera um preso político, submetido a “restrições injustificadas”.
Em agosto do ano passado, Moraes converteu a prisão preventiva do ex-assessor em medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica.
Além de Martins, o réu Marcelo Câmara também prestou depoimento em interrogatório do STF. O coronel negou a participação na trama de golpe.
Câmara atribuiu a Mauro Cid o monitoramento de Moraes e afirmou que foi “usado”. Ele também confirmou que o codinome “professora”, identificado pela PF, se referia ao ministro do STF.
“Partiu do coronel Cid o termo ‘professora’. Ele diz que foi uma brincadeira. Eu entrei nessa brincadeira. Não tinha o objetivo de esconder nada”, disse.
Avaliação da Procuradoria sobre o depoimento
Para a Procuradoria, Fernandes assumiu a responsabilidade por “ações de monitoramento e neutralização de autoridades públicas, em conjunto com Marcelo Câmara, além de realizar a interlocução com as lideranças populares ligadas ao dia 8 de janeiro”.
Em relação ao “gabinete de crise”, a PGR avalia que o objetivo seria “estabelecer diretrizes estratégicas de segurança e administrativas para o gerenciamento da crise institucional”, afirmou o órgão.
*Com informações do Estadão Conteúdo e Agência Brasil.