A maré da tributação está virando. Do contracheque aos investimentos, o imposto de renda do brasileiro pode passar por uma transformação completa nos próximos meses. No Congresso Nacional, tramitam um projeto de lei e uma medida provisória que colocam as novas regras em debate.
O projeto de lei (PL 1.087/25) amplia a isenção para salários de até R$ 5 mil — com a contrapartida de uma alíquota mínima de 10% para a alta renda. Já a medida provisória (MP 1.303/25) reduz o benefício fiscal de ativos isentos de IR e cria uma alíquota única de 17,5% para os ativos que hoje já são tributados, como fundos de investimento, ações, títulos de renda fixa bancária e títulos do Tesouro Direto.
O maior risco para a carteira de investimentos está na MP 1.303/25. O texto ainda não é definitivo e depende da aprovação dos parlamentares para virar lei, mas a simples possibilidade do fim da isenção com a introdução de uma alíquota de 5% já desencadeou uma “corrida aos isentos” entre gestores e investidores. O movimento mira títulos de renda fixa que têm o benefício, antes da mudança prevista.
O efeito da proposta do governo é mais claro para esses títulos, que incluem LCIs, LCAs, CRIs, CRAs e debêntures incentivadas emitidos a partir de 1º de janeiro de 2026.
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Menos óbvio é o efeito da alíquota única de 17,5% para os demais investimentos, hoje já tributados a alíquotas que variam de 15% a 22,5%
Quanto essa mudança altera os retornos de títulos públicos do Tesouro Direto? Produtos de longo prazo, como o Tesouro RendA+, ainda fazem sentido para quem busca aposentadoria?
Para responder a essas e outras dúvidas, o Seu Dinheiro ouviu especialistas: Rosiene Nunes, sócia do Machado Associados, Igor Machado, advogado do Meirelles Costa Advogados, Cristiano Luzes, sócio do Serur Advogados, Neimar Rossetto, contador no Nimbus Tax, Roberto Freitas, assessor de investimentos da Warren e Julio Ortiz, sócio-fundador da CX3.
Mudança no imposto de renda do Tesouro Direto
Atualmente, títulos do Tesouro Direto estão sujeitos à tabela regressiva de imposto de renda. Essa tabela vincula a alíquota cobrada à data de resgate do investimento. Quanto mais tempo o dinheiro ficar aplicado, menor será a alíquota do IR.
Quando instituída, o objetivo da regra era incentivar aplicações de longo prazo. Para atingir a menor alíquota, de 15%, o investimento tem que durar — ainda é a regra vigente — pelo menos dois anos.
A MP 1.303/25 propõe o fim deste modelo. A tabela regressiva sai de cena e uma alíquota única de 17,5% entra no lugar. Aplicações curtas e longas passam a ser equivalentes em termos de cobrança de imposto.
Veja as mudanças propostas no imposto para investimentos:
Período de aplicação | Antes - alíquota de IR | Proposto na MP - alíquota de IR |
---|---|---|
Até 180 dias | 22,5% | 17,5% |
Entre 181 e 360 dias | 20% | 17,5% |
Entre 361 e 720 dias | 17,5% | 17,5% |
Acima de 721 dias | 15% | 17,5% |
A mudança vale para uma série de ativos além dos títulos públicos: CDBs, ações e fundos de investimento diversos, como multimercados, cambiais, de renda fixa e mais. Confira os detalhes das regras aqui.
A cobrança continua sobre os rendimentos — não o principal —, e a incidência acontece no momento do pagamento de juros e amortização e quando houver resgate, liquidação ou alienação (venda, cessão, doação e transmissão por herança, por exemplo) da aplicação.
A regra do estoque
Diante de mudanças tão significativas, o governo propôs uma “regra do estoque” na medida provisória. Essa regra determina que os ativos isentos de imposto de renda manterão esse benefício até o vencimento, desde que emitidos até 31 de dezembro de 2025.
A regra do estoque é válida para títulos como LCIs, LCAs, CRIs, CRAs, debêntures incentivadas e outros. Na prática, significa que o investidor que comprar esses papéis emitidos até o fim deste ano conseguirá manter a isenção de IR sobre os rendimentos.
Quem comprar títulos públicos até 31 de dezembro de 2025 também cai na regra do estoque e mantém a tributação pela tabela regressiva? Não.
A regra do estoque vale apenas para os títulos e fundos com benefício fiscal, segundo os especialistas consultados pelo Seu Dinheiro. Os ativos financeiros tributáveis, elegíveis à alíquota única, estarão sujeitos à nova regra a partir de 1º de janeiro — caso o Congresso aprove a MP nos termos atuais.
Se o investidor comprar um Tesouro Selic 2031 em 27 de agosto de 2025 ou em 2 de janeiro de 2026, a incidência de imposto será a mesma: 17,5%. E essa cobrança acontecerá no pagamento de juros ou no resgate do papel.
De modo geral, os especialistas acreditam que os investidores mais impactados serão os que têm aplicações de longo prazo. Para eles, haverá um aumento de carga tributária a partir de janeiro do próximo ano. Quem resgatar antes de dois anos, terá a mesma alíquota de imposto, ou até menor do teria antes.
“Em termos de rentabilidade, a alta de 15% para 17,5% pode parecer pouco, mas representa uma aumento de carga de 14,28% para os rendimentos de investimentos acima de dois anos”, diz Neimar Rossetto, da Nimbus Tax.
Um caso prático — o Tesouro RendA+
O Tesouro RendA+ é um título do Tesouro Direto criado para ser uma opção complementar à aposentadoria.
O título funciona de modo similar a um fundo de previdência. Existe um período de acumulação de capital. Neste período, o investidor pode comprar mais títulos ou apenas deixar o dinheiro alocado rendendo. Quando chegar a data de vencimento, o Tesouro RendA+ devolve a aplicação em 240 parcelas mensais consecutivas — equivalente a 20 anos de aposentadoria.
Por se tratar de um título voltado para o longo prazo, a incidência de imposto sobre uma aplicação no Tesouro RendA+ certamente seria, pelas regras atuais, de 15% de IR. Se aprovada a alíquota única de 17,5%, porém, o imposto aumentará. Será uma conta maior para aqueles investidores que já começaram a formar seu pé de meia no título público.
A pedido do Seu Dinheiro, Roberto Freitas, da Warren, calculou quanto essa mudança significa em perda financeira nas parcelas do Tesouro RendA+.
A simulação estabelece uma aplicação de R$ 100 mil no Tesouro RendA+ 2050, em agosto de 2025. O título oferece atualmente uma rentabilidade de IPCA + 7,10% ao ano — o que significa a correção anual da inflação mais um prêmio prefixado de juro real para quem o levar ao vencimento.
Freitas considerou uma média de inflação anual de 6%, que somada ao juro real entrega um rendimento anual médio de 13,53%.
Sem realizar mais aportes, passados 25 anos, o Tesouro RendA+ 2050 acumulou um total (principal + rentabilidade) de R$ 2.384.423,55, o equivalente a uma parcela mensal bruta de R$ 9.935,09.
A mudança de alíquota, de 15% para 17,5%, incidiria justamente nas parcelas mensais de pagamento do Tesouro RendA+, já que o título não libera o valor todo de uma vez.
Com uma alíquota de 15%, a parcela mensal líquida seria de R$ 8.444,83. Com uma alíquota de 17,5%, o valor líquido das parcelas cai para R$ 8.196,45 — uma diferença mensal de quase R$ 250, que quando multiplicada pelas 240 parcelas chega a R$ 59.611,20.
Uma colher de chá para o investidor
Segundo o texto atual — que ainda será debatido na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, ou seja, tudo pode mudar —, a alíquota única é essa, e o pagamento de juros e o rendimento final do Tesouro Direto estão sujeitos a ela.
Mas há uma pequena colher de chá no meio de números e juridiquês da medida provisória: a possibilidade de compensação de prejuízos.
Essa é uma medida que já existe atualmente para ações. A MP 1.303/25, no entanto, amplia essa possibilidade para mais ativos — renda fixa, renda variável e fundos —, e com o prejuízo sendo compensado entre eles.
Os especialistas consideram que essa medida tem o potencial de reduzir o impacto tributário para investidores com carteiras de investimento mais diversificadas.
No caso de uma saída antecipada de um título do Tesouro Direto, com prejuízo no preço do papel, essa perda poderá ser compensada ao diminuir ganhos com outros investimentos, como ações, por exemplo. Como consequência, o IR devido sobre esses ganhos também diminui.
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Tesouro Direto ainda vale a pena?
O aumento da alíquota não é irrelevante. Representa uma perda considerável de renda futura. Entretanto, como a mudança na tributação abarca a maior parte dos ativos — 17,5% para CDBs, ações e fundos, além de tirar a isenção de LCIs, LCAs, debêntures incentivadas e mais — os especialistas não veem a medida como desproporcional.
“Não sei dizer no futuro, mas hoje, as taxas que os títulos públicos estão oferecendo são excepcionais e valem a pena mesmo com o aumento da tributação”, diz Julio Ortiz, sócio-fundador da CX3.
O gestor afirma que os papéis do Tesouro Direto indexados à inflação — Tesouro RendA+ e Tesouro IPCA+ — estão pagando 7% de juro real, uma taxa historicamente alta. Diante do prêmio significativo, da previsibilidade em relação à rentabilidade e às datas de pagamento, o balanço é positivo na sua visão.
Ortiz considera o título de aposentadoria do Tesouro Direto um ótimo instrumento para o planejamento de previdência complementar. Entretanto, não descarta acrescentar os fundos de previdência privada — VGBL e PGBL — neste planejamento.
Em termos de alíquota de imposto, o modelo de tabela regressiva dos fundos de previdência continua intacto — e cobra 10% de IR no resgate ou nas parcelas após dez anos de aplicação.
No caso dos fundos VGBL, essa alíquota incide apenas sobre os rendimentos. Enquanto no PGBL, o imposto incide sobre o valor total (principal + rendimentos), mas o investidor pode deduzir as contribuições ao plano na declaração de imposto de renda. Saiba mais sobre os fundos de previdência aqui.
“No final, a decisão está na ponta do lápis. Precisa fazer conta para entender o tamanho do impacto e qual é o melhor investimento”, diz Ortiz.
Seja como for, a nova tributação amplia a vantagem tributária dos planos de previdência em relação ao Tesouro RendA+, mas não tira a atratividade desses títulos em relação a outras aplicações financeiras.