O Federal Reserve anunciou ontem o primeiro corte de juros em quase um ano, reduzindo a taxa básica em 25 pontos-base, para o intervalo entre 4,00% e 4,25%. A medida já era amplamente antecipada, mas tem um peso simbólico significativo: marca o início de um novo ciclo de flexibilização monetária.
Este é o terceiro ciclo de cortes com Jerome Powell à frente do Fed, ainda que a economia não mostre, de forma inequívoca, sinais de desaceleração — os dois anteriores ocorreram em 2019 e 2024.
Além da redução, a autoridade monetária sinalizou a possibilidade de mais dois cortes até dezembro, o que totalizaria 75 pontos-base ao longo de 2025. A mensagem central é clara: o Fed está priorizando o enfraquecimento do mercado de trabalho, mesmo que a inflação permaneça acima da meta de 2%.
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O único voto divergente veio de Stephen Miran, indicado por Trump, que defendeu uma redução mais agressiva, de 50 pontos-base (reforçou a dimensão política em sua postura, destoando da abordagem técnica necessária de condução gradual defendida pela maioria do comitê).
Vale notar que a saída de Powell em maio do ano que vem aumenta a possibilidade de Trump consolidar maioria no Board do Fed, o que eleva a percepção de que a política monetária americana poderá se tornar mais influenciada por interesses políticos, um risco adicional que os mercados terão de monitorar de perto.
Do ponto de vista dos mercados, o recado é que o Fed seguirá cauteloso, mas a abertura de um novo ciclo de cortes reforça a perspectiva de enfraquecimento global do dólar e sustenta o apetite por ativos de risco em diversas praças, inclusive no Brasil.
Além disso, a decisão dá maior flexibilidade para que outros bancos centrais também iniciem seus próprios ciclos de flexibilização monetária, criando um ambiente de liquidez mais favorável.
Copom e recordes do Ibovespa
Já no Brasil, o Ibovespa engatou seu terceiro pregão consecutivo de alta ontem, embalado pelo início do ciclo de cortes nos Estados Unidos e pelo maior apetite global por risco. O índice renovou recordes históricos, encerrando acima dos 145 mil pontos.
Na noite do mesmo dia, o Copom manteve a Selic em 15%, em linha com as expectativas, mas trouxe nuances relevantes no comunicado. O Banco Central preservou a expressão “período bastante prolongado” para indicar a manutenção dos juros em patamar elevado, reforçando o caráter contracionista, mas retirou a menção à possibilidade de retomar altas — sinalização que, mesmo improvável, transmitia até então uma postura mais dura. A retirada formaliza o fim do ciclo de aperto, deslocando o debate para a questão central: quando começará o ciclo de cortes.
Nas projeções de referência, o BC manteve o IPCA estimado para o primeiro trimestre de 2027 em 3,4%, ligeiramente acima das expectativas do mercado. Esse detalhe reforça a percepção de cautela, já que reflete também a revisão da estimativa para o hiato do produto — ponto que deverá ser detalhado na ata da próxima semana. Na prática, isso sugere que um corte em dezembro ficou mais difícil, empurrando a possibilidade para janeiro.
Ainda assim, não se pode descartar totalmente um ajuste já neste ano, caso os dados de atividade mostrem desaceleração adicional, a inflação continue convergindo para a meta e o Fed mantenha sua trajetória de cortes. Nesse cenário, dezembro poderia trazer uma redução de 25 pontos-base, enquanto um movimento em janeiro tenderia a ser mais robusto, de 50 pontos-base.
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O que esperar do futuro
Para os mercados, o quadro é positivo: um ciclo doméstico de cortes, somado ao dólar mais fraco no exterior e à flexibilização monetária nos EUA, formaria as duas primeiras pernas do tripé que tem sustentado os ativos brasileiros. A terceira deve vir do chamado “rali eleitoral”, que tende a ganhar força à medida que o calendário eleitoral entrar na janela de 12 meses até o pleito.
Em síntese, a sessão de ontem marcou uma virada importante no cenário global. O Fed inaugurou um ciclo de cortes graduais, equilibrando a necessidade de apoiar o emprego com a vigilância sobre a inflação, enquanto no Brasil o Copom consolidou o fim do aperto e começa a preparar o terreno para flexibilizações futuras.
Esse novo ponto de inflexão seguirá norteando o humor dos mercados ao longo das próximas semanas, em meio a uma conjuntura que combina política monetária, dinâmica cambial e expectativas eleitorais.