Alguém está brincando com fogo. No início da semana, embarcações militares de países europeus avistaram ondulações incomuns perto da rota por onde passam as tubulações dos gasodutos Nord Stream 1 e 2.
As estruturas são a fase final do caminho entre os campos de gás natural da Rússia e terminais no litoral da Alemanha. Moscou e seus parceiros na Europa gastaram bilhões e bilhões de dólares para construí-los.
O primeiro está com as operações suspensas. A Rússia alega que as sanções internacionais impostas desde a invasão da Ucrânia inviabilizam o funcionamento do Nord Stream 1.
Já o segundo deveria ter sido inaugurado no início do ano, mas a concessão do alvará de funcionamento do Nord Stream 2 pela Alemanha perdeu-se no fundo de alguma gaveta desde a eclosão do conflito, em fevereiro.
Mesmo assim, as tubulações estão lá, no fundo do mar, cheias de gás.
Vazamentos e suspeitas de sabotagem
Desde segunda-feira, pelo menos quatro pontos de vazamento de gás foram avistados em uma área de águas internacionais no Mar Báltico.
Especialistas citados pelo jornal norte-americano The Washington Post especulam que o vazamento poderia representar o mais grave incidente individual já registrado de liberação de gás metano na atmosfera.
Entretanto, prosseguem eles, o vazamento em si não teria escala suficiente para impactar de modo significativo as mudanças climáticas em andamento.
E, embora não se pudesse descartar a possibilidade de uma falha estrutural ter causado o vazamento, líderes europeus logo passaram a denunciar que teria havido sabotagem.
A União Europeia (UE) iniciou inclusive uma investigação formal para averiguar a hipótese. O suspeito número 1 dos europeus, claro, é o presidente russo, Vladimir Putin.
O que a Rússia teria a ganhar (ou perder) com isso?
É verdade que a Rússia tem usado com frequência a questão energética para pressionar a Europa em meio ao conflito na Ucrânia e isso faz dela quase uma suspeita natural.
É preciso ponderar, porém, que a estrutura pertence à estatal russa Gazprom.
Não só os investimentos da empresa chegaram à casa dos bilhões como seu lucro com as vendas do gás transportado pelo Nord Stream 1 para a Europa também é bilionário.
União Europeia e Otan apontam o dedo para Putin
À Reuters, uma fonte no alto escalão da UE disse hoje que o incidente “muda fundamentalmente a natureza do conflito” na Ucrânia, citando também a mobilização de 300 mil reservistas e a anexação de quatro áreas pró-Moscou.
Já a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) emitiu nota advertindo que qualquer ataque deliberado contra a infraestrutura vital de um membro da aliança militar de 30 países “seria recebido com uma resposta unida e determinada”.
Segundo a Otan, os vazamentos derivam de “atos de sabotagem deliberados, imprudentes e irresponsáveis”.
Navios da marinha russa foram avistados nas proximidades dos locais dos vazamentos no início da semana, disseram fontes em serviços de espionagem de potências ocidentais à CNN.
Por sua vez, o Kremlin afirma que a presença de navios de países que integram a Otan era maior naqueles mesmos dias.
Plot twist
Mas como o roteirista de 2022 é um pouco inquieto, a crise teve uma reviravolta hoje.
A Rússia afirmou que concorda com a hipótese de sabotagem.
Mas qualifica o caso como “possivelmente um ato de terrorismo de Estado”. Contra Moscou, claro.
"É muito difícil imaginar que tal ato de terrorismo poderia ter acontecido sem o envolvimento de alguma espécie de agente estatal”, disse Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin.
Mas quem seria o culpado?
Como a Rússia de Putin não é exatamente uma unanimidade no palco do concurso Miss Simpatia Internacional, a lista de desafetos é extensa.
Tanto para os países que integram a Otan quanto para a Rússia, será muito difícil gerar provas irrefutáveis sobre quem causou dano à estrutura.
Mas tanto em um lado como no outro, a lista de suspeitos óbvios é realmente óbvia.
Para os países da Otan, Putin é o culpado. Para os russos, o incidente beneficia os Estados Unidos.
Moscou diz que os pontos de vazamento encontram-se em território "totalmente sob controle" das agências de inteligência dos EUA.
Maria Zakharova, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, alega que Washington poderá aumentar suas vendas de gás natural liquefeito (GNL) se os gasodutos ficarem inabilitados.
E em meio à escalada retórica, enquanto a guerra ficar apenas nas palavras, estará tudo bem.
*Com informações da Reuters, da CNN e do Washington Post.