Quando as primeiras bombas estouraram na Ucrânia em 24 de fevereiro, não só a ordem geopolítica mundial poderia ir para o espaço — os mercados também corriam o risco de implodir com a guerra iniciada pelo presidente russo, Vladimir Putin.
Os investidores correram para entender as consequências do conflito que, com a interrupção das cadeias de suprimentos e sanções sem precedentes, colocou ainda mais pressão em uma economia global que mal havia se recuperado dos estragos da pandemia de covid-19.
Seis meses se passaram e a guerra continua a alimentar a inflação global, colocando em xeque a política monetária dos principais bancos centrais do mundo. As empresas seguem tendo que lidar com as consequências contínuas da invasão.
Nesse front, as companhias europeias — e suas ações — são as que sentem mais os efeitos colaterais do conflito entre Rússia e Ucrânia. Essas empresas apresentam uma exposição mais direta à guerra e à crise energética provocada por ela.
Cálculos da firma de investimentos Rathbones indicam que as ações dessas companhias europeias ainda acumulam uma baixa de pelo menos 5% desde que a invasão começou e que as perspectivas para elas ainda são sombrias diante da incerteza de uma saída pacífica para o conflito.
Como comparação, as ações das empresas norte-americanas mais expostas à guerra estão 2,3% mais baixas no mesmo período.
Preços da energia e a guerra
Se algo esteve o tempo todo na linha de frente da guerra entre Rússia e Ucrânia foi o preço da energia, com a disparada do petróleo e do gás natural.
As cotações globais do petróleo chegaram a US$ 139 por barril no início de março e só caíram devido aos temores de uma recessão que poderia afetar a demanda por combustível.
Desde o início de junho, o petróleo já perdeu cerca de 18% do valor — o mesmo, no entanto, não acontece com o gás natural.
Os preços do gás seguem subindo à medida que a Rússia usa o fornecimento para a Europa como resposta às sanções e também com as ondas de calor aumentando o consumo de eletricidade.
Para se ter uma ideia, os preços do gás bateram recorde na Europa nesta semana e atingiram o maior nível em 14 anos nos Estados Unidos.
O câmbio também sente
Se os preços da energia estão na linha de frente dos efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia, podemos dizer que o câmbio não achou uma trincheira para se proteger.
Prova disso é o euro, que atingiu o menor nível em duas décadas nesta semana por temores de que uma Europa sem energia possa cair em uma recessão.
Não bastasse isso, no mês passado, o euro registrou a paridade com um dólar em alta pela primeira vez desde 2002.
O dólar, por sua vez — que ganha força quando os investidores estão estressados e buscam abrigo em ativos considerados mais seguros —, pode colocar em risco mercados emergentes como o Brasil, que pagam por importações na moeda norte-americana.
Sem comida na guerra?
A guerra entre Rússia e Ucrânia provocou não apenas a disparada do dólar, do petróleo ou do gás natural. As commodities agrícolas também sentiram diretamente o impacto do conflito.
E não foi à toa. A Ucrânia é uma das principais fornecedoras de grãos do mundo. Em março, após a invasão russa, os preços do trigo dispararam no mercado internacional e só começaram a cair depois que as Nações Unidas (ONU) e a Turquia intermediaram a retomada das exportações nos principais portos ucranianos.
A alegria dos investidores, no entanto, pode durar pouco. Segundo o JP Morgan, a logística difícil continua limitando os embarques da Ucrânia, e o clima extremo pode elevar os preços das commodities agrícolas novamente nos próximos meses.
A inflação, um resultado da guerra
A combinação da guerra, da disparada dos preços da energia, do fortalecimento do dólar e do enfraquecimento de uma economia global que não havia se recuperado da pandemia de covid-19 levou a apenas um caminho possível: a inflação.
Os preços dispararam no mundo todo. Países como os Estados Unidos viram a inflação atingir o maior nível em mais de 40 anos — o que fez os bancos centrais entrarem em ação.
O Brasil foi um dos poucos países no mundo que se anteciparam ao movimento e cujo banco central começou a elevar a taxa de juro — principal ferramenta para conter o aumento de preço — bem antes das autoridades monetárias das economias avançadas.
Enquanto por aqui estamos nos aproximando do fim do ciclo de aperto monetário, nos Estados Unidos, por exemplo, o Federal Reserve mantém o pé no acelerador do aumento da taxa básica.
Por lá, o Fed vem elevando o juro desde março e já promoveu duas altas de 0,75 ponto percentual (pp) seguidas. O mesmo se viu no Reino Unido, no Canadá, na zona do euro e em outras grandes economias mundiais.
O banho de sangue da guerra
Nesses seis meses de guerra, o que se viu foi um banho de sangue na Ucrânia, com cidades completamente destruídas e muitos mortos.
De acordo com dados de segunda-feira (22) da ONU, 5.587 civis ucranianos morreram como consequência do conflito — mas acredita-se que o número real seja de dezenas de milhares.
Além disso, o número de refugiados ultrapassou 6,6 milhões e as perdas militares foram pesadas dos dois lados: cerca de 9.000 ucranianos e até 25.000 russos mortos.
Os números do Pentágono, no entanto, estimam que entre 70.000 e 80.000 russos foram mortos ou feridos, e colocam o número de mortos ucraniânos em 20.000. Autoridades dos EUA disseram que as estimativas foram baseadas em imagens de satélite, interceptações de comunicação, mídia social e relatórios da mídia local.
Bombardeios russos e ataques com mísseis na Ucrânia destruíram mais de 130.000 prédios desde fevereiro, segundo pesquisa da Escola de Economia de Kiev, com base em informações de ministérios do governo ucraniano.
Desde fevereiro, 311 pontes foram danificadas ou destruídas; 188.000 carros particulares foram danificados, destruídos ou apreendidos; e mais de 15.400 milhas de estradas danificadas ou destruídas.