No Brasil, a cultura futebolística está em toda parte – no senso de patriotismo, no vocabulário da população, na incorporação dos jogos ao calendário oficial e, aparentemente, até na forma como o governo federal encontrou para conduzir as estatais, em especial, a Petrobras (PETR4).
Assim como nos principais times brasileiros, a rotatividade no comando máximo da petroleira é bastante elevada e, para tentar acalmar a torcida, o último ocupante do cargo não durou mais do que dois meses.
Na noite de ontem, o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou a demissão de Mauro Ferreira Coelho do cargo de CEO da estatal e indicou um desconhecido do mercado para o cargo – Caio Mario Paes de Andrade, chefe da Secretaria Especial de Desburocratização e membro do conselho de administração da EMBRAPA e da Pré-Sal Petróleo (PPSA).
Se eleito pelo conselho – e existem dúvidas que colocam sua nomeação em risco –, Paes de Andrade será o terceiro presidente a ocupar a cadeira em 2022.
Mudanças no comando de uma estatal sempre são delicadas, principalmente quando os interesses do controlador esbarram com os dos acionistas minoritários da companhia, o que leva a uma reação negativa do mercado.
Hoje, as ações de PETR3 e PETR4, negociadas na B3, operaram em forte queda. Por volta das 12h45, o recuo era de 4,12% e 4,76%, respectivamente. Uma perda de R$ 22 bilhões em valor de mercado em apenas algumas horas.
Uma queda dessa magnitude incomoda, mas mostra que o mercado já se encontra um pouco menos sensibilizado com as trocas de comando constantes promovidas pelo governo de Jair Bolsonaro.
Prova disso é que as ações PETR3 acabaram fechando o dia com baixa menor, de 2,85%, a R$ 34,40, enquanto PETR4 recuou 2,92%, a R$ 31,60.
Quando Roberto Castello Branco foi o primeiro presidente da estatal a ser demitido pela gestão Bolsonaro, em fevereiro de 2021, os papéis da companhia recuaram cerca de 20%. Por que tamanha diferença nas reações?
Petrobras (PETR4) e o mercado
De lá pra cá, os investidores chegaram a algumas conclusões importantes – embora o governo seja o acionista controlador da Petrobras (PETR4), existem entraves legais para impedir (ou dificultar) a indicação de nomes de profissionais sem experiência no setor, e uma mudança na política de preços da companhia não é tão simples quanto uma canetada.
Para os analistas do Morgan Stanley, o governo manda uma mensagem importante para a população em ano eleitoral – a de que está preocupado e buscando alternativas para resolver a forte inflação que atinge o preço de combustíveis e alimentos –, mas nada além disso, já que é difícil imaginar o que pode ser feito de diferente.
A volatilidade desnecessária causada pelo governo, no entanto, incomoda, assim como a falta de estabilidade na gestão para dar sequência aos planos de longo prazo da companhia.
Eduardo Cubas, sócio e head de alocação da Manchester Investimentos, avalia que a troca de comando tão recorrente machuca muito qualquer plano de crescimento, um fator muito visado por investidores que possam vir a escolher a Petrobras como uma opção para se ter na carteira.
Na opinião de quase todos os analistas, o mais indicado é a exposição do seu portfólio a outros players do setor – como a PRIO (PRIO3), a antiga PetroRio –, mas é inquestionável que as ações da estatal estão baratas diante dos resultados que vêm sendo apresentados e o balanço robusto.
As dificuldades seguem escoradas na sinalização de que o governo não deve desistir de mudanças até conseguir o que quer. Para Victor Benndorf, da Benndorf Consultoria, a atual gestão só não vai além nas mudanças porque não possui capital político para isso, mas uma possível eleição de Lula pode mudar o quadro.
Uma chegada incerta
A indicação de uma mudança tão drástica é preocupante, mas o mercado tem lá suas dúvidas sobre as chances de Caio Mario Paes de Andrade assumir, de fato, a presidência da companhia.
Há dois meses, Adriano Pires e Rodolfo Landim desistiram de suas indicações para o conselho de administração da Petrobras (PETR4) após constatarem impeditivos para assumirem os cargos — e o mesmo pode ocorrer agora.
Paes de Andrade não tem a experiência mínima no setor de óleo e gás exigida pela Lei das Estatais ou na diretoria de empresas do porte da Petrobras.
Além disso, a queda de Mauro Ferreira Coelho exigirá que um novo conselho de administração seja eleito. Ou seja: ainda que o nome de Andrade seja aceito, mudanças não devem acontecer da noite para o dia.
“Não dá para mudar a política de preços na base da canetada. O Conselho tem que decidir. Dos 11 membros, seis são representantes do governo, mas não vai acontecer tão rápido. Devemos ver uma maior defasagem nos reajustes de preço enquanto isso” - Fred Nobre, líder de análise da Warren Investimentos
O espaço para manobra
Os analistas do Itaú BBA apontam, no entanto, que existe um espaço para que ajustes sejam feitos.
Historicamente, a Petrobras já tem feito reajustes mais espaçados e menores do que o mercado considera saudável para manter a paridade internacional com o barril de petróleo. Com isso, o recuo recente do valor do diesel e da gasolina no mercado internacional podem ser utilizados como justificativa da nova gestão para um corte – ainda que não exista uma margem real para essa redução.
*Colaboraram com essa matéria Victor Benndorf, da Benndorf Consultoria, Fred Nobre, da Warren Investimentos e Rodrigo Boselli é gestor e sócio da 3R Investimentos