O mercado financeiro não foi escalado para participar do elenco do reality No Limite, mas teve um gostinho do que é viver sob pressão em um ambiente hostil, lutando por sua sobrevivência.
Sabatina de membros e ex-membros do governo Bolsonaro para falar da administração da pandemia no Congresso? Que nada, isso nem passou pela cabeça do mercado hoje. Hoje o dia foi dedicado a outra CPI. Melhor dizendo, outro, já que estamos falando dos dados de inflação dos Estados Unidos. E só se falou nisso.
Há algum tempo já se discute um temor de pressão inflacionária após os pacotes trilionários de estímulos. Mas agora a situação ganha novos contornos. E mostra para o mercado que aquele discurso pregado pelo Federal Reserve - de que o aumento de preços é pontual e transitório -, pode não ser bem assim.
Como se não bastasse a pressão absurda vinda do temido dragão, o déficit fiscal também não agradou. E o resultado foram os juros dos títulos mais longos do governo americano atingindo máximas que nem um leilão do Tesouro conseguiu aplacar. Em alguns vencimentos, a demanda nem mesmo foi suficiente.
O saldo desse movimento já é conhecido: o dinheiro migra para os investimentos mais seguros e deixa os países emergentes - e a própria bolsa americana - no vermelho. Com mais dinheiro entrando na principal economia do mundo, o dólar à vista fechou o dia com uma alta de 1,59%, a R$ 5,3055.
O tombo de 2,65%, aos 119.710 pontos, da bolsa brasileira assusta, mas foi em linha com o comportamento dos pares americanos. O Nasdaq recuou 2,67%, o S&P 500 caiu 2,15% e o Dow Jones teve queda de 1,99%.
Para Ariane Benedito, economista da CM Capital, a queda marginalmente mais expressiva da bolsa brasileira tem uma explicação - nos últimos dias, enquanto Wall Street recuava, as commodities metálicas salvavam o Ibovespa do vermelho.
Com os investidores precificando uma alta dos juros lá fora, aqui o mercado também passa por uma “calibragem”, afinal, é preciso manter o país atrativo e evitar a fuga de capital. Confira as taxas de fechamento do dia:
- Janeiro/2022: de 4,78% para 4,89%
- Janeiro/2023: de 6,50% para 6,71%
- Janeiro/2025: de 8,07% para 8,24%
- Janeiro/2027: de 8,66% para 8,83%
Com os dois olhos bem abertos
Que os investidores temem que a rápida vacinação e trilhões em estímulos fiscais e monetários exerçam pressão para o fim dos juros nas mínimas históricas pode não ser uma novidade. Acontece que nesta manhã o temor ganhou um impulso extra em forma de números que mostraram que o dragão da inflação está longe de estar adormecido.
O CPI avançou 0,8% em abril, enquanto o núcleo subiu 0,9%, na base mensal. As projeções apontavam para alta de 0,2% do índice cheio e ganhos de 0,3% para o núcleo, em relação ao mês anterior.
A inflação é um indicador importantíssimo para a definição da política monetária de um país. Com os estímulos fiscais e monetários empregados para contornar a crise do coronavírus, o mundo vive um aquecimento nos preços.
No Brasil, o avanço fez o Banco Central retomar a alta da taxa básica de juros - medida adotada em outros países emergentes também. O temor do mercado é que os BCs do hemisfério norte sigam o mesmo caminho.
Por isso, todos estão atentos à postura do Federal Reserve (BC americano) com relação à compra de ativos e estímulos monetários. Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, explica que a meta de inflação nos Estados Unidos funciona um pouco diferente do que estamos acostumados. Existe uma meta perseguida - de cerca de 2% -, mas não existe um piso ou um teto. O índice tem se mantido dentro dessa faixa, mas a economista destaca que isso só ocorre porque os dados de 2020 ainda entram na conta. O que deve mudar em breve.
Um ponto importante: o CPI não é o principal índice de inflação utilizado pelo Federal Reserve na sua decisão de política monetária. A instituição prefere o PCE, mas os dados divulgados hoje - considerados uma prévia - mostram que este também deve vir acima do esperado.
O Federal Reserve mantém sua política acomodatícia e seus dirigentes tentam acalmar os mercados afirmando que uma inflação acima da meta de 2% ao ano será tolerada por um período e que o mercado de trabalho - e a economia em si - ainda estão longe de uma recuperação plena.
O payroll, com dados sobre o desemprego divulgados na semana passada, frustrou os economistas e afastou o fantasma da inflação. Mas é fogo cruzado. Argenta lembra que essa discrepância - inflação e desemprego - é comum em cenários de crise.
Às vezes o discurso do Fed cola, às vezes não. O cenário hoje favoreceu o segundo caso. “O número hoje muda um pouco a ideia da forma correta de o Fed seguir com a política monetária. Várias declarações dos membros do BC americano aceitavam uma inflação mais alta para que se atingisse o pleno emprego, mas o CPI mostra que ela está muito mais pressionada, então diminui essa margem de atuação”, pontua a economista.
Sobe e desce
Com o cenário amplamente negativo, poucas ações conseguiram ter força para fechar o dia no azul. O principal destaque ficou com a BR Distribuidora, que trouxe números animadores no primeiro trimestre.
CÓDIGO | NOME | VALOR | VARIAÇÃO |
BRDT3 | BR Distribuidora ON | R$ 25,00 | 4,52% |
IRBR3 | IRB ON | R$ 6,35 | 1,60% |
SUZB3 | Suzano ON | R$ 68,85 | 0,78% |
UGPA3 | Ultrapar ON | R$ 19,52 | 0,41% |
CIEL3 | Cielo ON | R$ 3,48 | 0,00% |
Assim como nas maiores altas, as maiores quedas também tiveram relação com a divulgação dos balanços corporativos. Ariane Benedito, da CM Capital, também pontua outro ponto importante para entender o movimento dos ativos hoje - a queda de expectativa de crescimento para o setor de serviços, um número que mexeu principalmente com o segmento de shoppings. “O mercado precificou um otimismo anual, mas, quando chegam os dados da economia real, é hora de correção”. Confira as maiores quedas do dia:
CÓDIGO | NOME | VALOR | VARIAÇÃO |
BIDI11 | Banco Inter unit | R$ 187,11 | -8,01% |
MRFG3 | Marfrig ON | R$ 19,14 | -7,63% |
RENT3 | Localiza ON | R$ 58,20 | -7,38% |
IGTA3 | Iguatemi ON | R$ 40,69 | -6,65% |
LCAM3 | Unidas ON | R$ 24,10 | -6,26% |