Quando Donald Trump se encontrou na semana passada com o presidente do Federal Reserve (Fed), manifestou um desejo: ver os juros caírem nos EUA. Como neste caso o pedido não é uma ordem, o banco central norte-americano manteve a taxa básica na faixa entre 4,25% e 4,50% ao ano.
A decisão, no entanto, não foi unânime. Michelle Bowman e Christopher Waller defenderam o corte de juros em 0,25 ponto percentual (pp) neste encontro. A dissidência chama atenção já que Waller está entre os possíveis candidatos a substituir Powell no comando do comitê de política monetária (Fomc, na sigla em inglês) e pode ser um sinal na direção do afrouxamento monetário.
Essa também é a primeira vez desde 1993 que dois integrantes do Fomc divergem do voto da maioria em uma mesma reunião, de acordo com a imprensa norte-americana.
O movimento significativo vem na esteira de meses de ridicularização de Powell por Trump pela cautela em reduzir os juros — o que, segundo especialistas, impulsionaria o crescimento econômico, mas também poderia causar uma alta desenfreada dos preços ao consumidor.
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Para piorar, membros do governo Trump também disseram que a orientação de Powell sobre a reforma no prédio do banco central norte-americano poderia ser motivo para demissão do chefe do BC dos EUA.
Ainda assim, o Fomc vem mantendo a posição de que não são necessários cortes imediatos nos juros, visto que a economia norte-americana permanece sólida.
No meio desse braço de ferro entre a Casa Branca e o BC, o mercado tenta se segurar. Nesta quarta-feira (30), a Wall Street mudou o curso na esteira da decisão do Fed. O Dow Jones chegou a operar em queda assim que o comunicado foi divulgado, enquanto o S&P 500 e o Nasdaq se mantiveram em alta.
Por aqui, o Ibovespa seguiu operando em queda (-0,30%), aos 132.325,08 pontos, e o dólar à vista também manteve a trajetória de valorização: +0,68%, a R$ 5,6072.
Por que o Fed não cortou os juros (de novo)
Ao defender a redução dos juros, Trump citou os cortes realizados no início deste ano pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Banco da Inglaterra (BoE), além de defender que a inflação nos EUA até o momento em 2025 permaneceu relativamente baixa.
No entanto, o índice de preços para gastos pessoais (PCE, na sigla em inglês) — a métrica preferida do Fed para a inflação — subiu em junho para uma taxa anualizada de 2,3%, acima da meta de 2% do banco central norte-americano, e um sinal de que as tarifas podem estar elevando alguns preços.
No comunicado com a decisão de hoje, o Fomc diz que busca atingir o emprego máximo e a inflação à taxa de 2% no longo prazo. Embora não cite diretamente as tarifas de Trump, reforça a incerteza do momento.
"A incerteza quanto às perspectivas econômicas permanece elevada. O comitê está atento aos riscos para ambos os lados de seu duplo mandato", afirma o comunicado.
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A dissidência na decisão de hoje
A dissidência na decisão de hoje chama atenção, com o diretor do Fed Christopher Waller e a vice-presidente de supervisão do BC norte-americano, Michelle Bowman, votando por um corte de 0,25 pp.
Antes da reunião de hoje, os dois já tinham sinalizado que poderiam apoiar uma redução nos juros.
Waller chegou a dizer que um corte de 0,25 pp seria um movimento de segurança para apoiar a atividade doméstica e garantir que não haveria pouso forçado da economia dos EUA.
No mesmo sentido, Bowman apontou que a flexibilização de política monetária poderia acontecer, a depender das leituras de inflação.
Questionado sobre essa divisão no comitê, Powell afirmou que os dois dirigentes pensaram com cuidado e manifestaram suas posições: "tivemos uma boa explicação hoje", disse ele sem dar mais detalhes.
O presidente do BC norte-americano ainda ressaltou que o Fed fará um julgamento sobre a taxa de juros neutra — aquela que não aquece e nem desacelera a economia — "à medida que avançamos" e que há diversas visões sobre o que é a taxa neutra neste momento.
"Chama atenção é o dissenso entre os membros do comitê, com dois diretores votando pela redução na taxa de juros. Isso pode ser interpretado como um sinal ao governo Trump, dado que um desses diretores é um dos cotados para substituir Powell em 2026", diz o economista sênior do Inter, André Valério. O mandato de Powell à frente do Fed termina em maio do ano que vem.
Após a decisão de hoje, as chances de que o Fed reduza os juros na reunião de 16 e 17 de setembro aumentaram. De acordo com a ferramenta FedWatch do CME Group, a probabilidade passou de 55,9% na manhã de hoje para 61,8% agora.
O Fomc não se reúne em agosto, tornando a reunião de setembro a próxima chance para um corte da taxa básica. Para a ocasião, a aposta majoritária é de um corte de 0,25 pp, o que levaria os juros para uma faixa de 4,00% a 4,25%.
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Powell fala de inflação e emprego
Na coletiva, Powell, disse ainda que o cenário base é de um impacto de curta duração das tarifas na inflação, mas que há possibilidade de efeitos inflacionários mais persistentes.
"Impacto das tarifas amplo nos preços segue incerto", afirmou. "Tarifas estão pressionando para cima alguns preços de bens", acrescentou.
Segundo ele, a incerteza diminuiu "um pouco" em relação ao encontro anterior do Fed, mas há risco descendente ao mercado de trabalho.
Embora tenha comentando bastante sobre a inflação nos EUA, Powell disse que o principal indicador a ser olhado no momento é a taxa de desemprego, atualmente em 4,1%.
"Mercado de trabalho ainda está desequilibrado, demanda e oferta estão desacelerando no mesmo ritmo", disse ele, acrescentando que o número de breakeven (ponto de equilíbrio) para criação de emprego recuou.
Powell afirmou ainda que os ganhos salariais deram sinais de moderação, mas as expectativas de inflação estão consistentes com a meta de 2% do BC norte-americano.
Sobre a economia dos EUA, o chefe do Fed disse que os indicadores apontam para uma moderação no crescimento, refletindo a desaceleração dos gastos do consumo.