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Entre cortes de juros e barulhos de Brasília: por que o desafio brasileiro não dá trégua

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O tão aguardado discurso de Jerome Powell em Jackson Hole, na última sexta-feira, trouxe exatamente o que os investidores esperavam ouvir: a sinalização de que o Federal Reserve pode estar pronto para iniciar, já em setembro, um ciclo de cortes de juros. O presidente do Fed manteve seu tom tradicionalmente cauteloso, mas suficiente para que as apostas de redução voltassem a 80%. 

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Powell destacou os riscos crescentes no mercado de trabalho e classificou os efeitos das tarifas comerciais como transitórios, reforçando o mantra de que a condução da política monetária continuará dependente dos dados de inflação e atividade econômica.

A leitura predominante foi de que se abre, enfim, a porta para um ciclo de afrouxamento monetário. A dúvida que permanece é sobre o ritmo desse processo: se ocorrerá de maneira contínua, com cortes sucessivos, ou mais gradual, intercalado por eventuais pausas ao longo do restante do ano. 

O mercado reagiu de forma positiva, animado pela percepção de que o pior da política restritiva pode ter ficado para trás. Ainda assim, não há espaço para complacência. A inflação segue pressionada e o PCE — indicador favorito do Fed — deve registrar alta de 2,9% em julho, número que poderá atenuar parte desse otimismo dependendo da leitura oficial que será divulgada nesta semana.

Queda dos juros nos EUA abre espaço para corte na Selic?

No Brasil, os movimentos dos mercados locais seguem de perto a dinâmica internacional. A perspectiva de cortes nos juros americanos, que tende a enfraquecer o dólar em escala global, abre espaço para sustentar ativos domésticos e, eventualmente, permitir que o Banco Central brasileiro também dê início ao seu próprio ciclo de flexibilização monetária, possivelmente já em dezembro.

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Nesse cenário, indicadores-chave divulgados nesta semana ganham relevância adicional para a calibração das expectativas em relação à política monetária. A prévia da inflação oficial (IPCA-15) e os dados de emprego estão no radar imediato, com potencial para redefinir o debate.

O relatório Focus desta segunda-feira (15) trouxe a 13ª queda consecutiva das projeções de inflação, sugerindo novamente um IPCA abaixo de 5% em 2025.

Esse movimento reforça a leitura de que, se o quadro fosse analisado de forma isolada, já haveria espaço para cortes de juros. Em agosto, tanto o IPCA quanto o IGP-M podem apontar para um cenário de deflação no mês.

Ao mesmo tempo, multiplicam-se os sinais de desaceleração da atividade econômica, reflexo de uma política monetária que claramente vem cumprindo seu papel de freio.

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Não é bem assim...

O problema, como quase sempre no Brasil, é que o cenário não se resume apenas à inflação e à atividade: as expectativas seguem desancoradas, refletindo a fragilidade fiscal e a trajetória persistentemente ascendente da dívida pública, mesmo diante de uma arrecadação em níveis recordes. 

Afinal, os juros permanecem em patamar tão elevado justamente porque o governo fracassou em entregar um arcabouço fiscal crível. A divulgação dos resultados fiscais de julho, prevista para sexta-feira (29), deve acrescentar novos elementos a essa equação, ao mesmo tempo em que a equipe econômica corre contra o tempo para concluir o Projeto de Lei Orçamentária de 2026 até o fim do mês.

Esse esforço, no entanto, ainda depende de medidas sensíveis e longe de um consenso político. O risco é, mais uma vez, o de se construir um orçamento excessivamente otimista e distante da realidade, ao mesmo tempo em que o governo insiste em propostas de elevado impacto fiscal — como a isenção de IR para rendas de até R$ 5 mil — que seguem em debate no Congresso.

O resultado desse processo é um quadro fiscal desorganizado, guiado por improvisos de curto prazo e pela postergação de decisões estruturais. O inevitável ajuste, que se impõe a partir de 2027, segue sendo empurrado para a frente e, quanto mais adiado, mais pesado se torna.

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Naturalmente, caberá ao próximo governo assumir essa responsabilidade, o que reforça ainda mais a importância de que a eleição de 2026 traga consigo um projeto de caráter reformista, fiscalista e genuinamente pró-mercado.

O peso das eleições de 2026 para o cenário brasileiro e uma possível queda dos juros

Nesse contexto, ainda que a semana passada tenha sido adversa para a tese de uma virada política, surgem sinais de que o pêndulo pode começar a se mover.

Crescem os rumores de que Tarcísio de Freitas desponta como favorito para liderar uma candidatura de centro-direita, apoiada pelo Centrão como força de articulação política, ancorada em uma agenda reformista capaz de atrair investidores e sustentada pelo bolsonarismo como base de apelo popular.

Outros nomes também figuram no horizonte, mas o ponto central é que a corrida presidencial foi claramente antecipada, e esse excesso de antecedência promete manter a volatilidade elevada. 

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Enquanto isso, a tensão diplomático-comercial com os Estados Unidos adiciona mais uma camada de incerteza, com risco de novas sanções econômicas ou restrições a autoridades brasileiras. No curto prazo, tal conflito tende a beneficiar o incumbente, que recorre ao discurso de soberania nacional para mobilizar sua base. 

No entanto, se o presidente Lula insistir em explorar a crise apenas como ferramenta eleitoral, sem apresentar uma solução concreta, o desgaste será inevitável. Como destacou a revista Veja no último fim de semana, vivemos um período de “cansaço social”: a população demonstra fadiga diante do sequestro populista da agenda nacional, em detrimento de uma pauta pragmática e reformista.

Para o investidor, trata-se de um ambiente que exige estômago e paciência, mas que também revela oportunidades. Os ativos brasileiros permanecem descontados em termos históricos, e o posicionamento técnico do mercado ainda está longe de ser impeditivo.

Se uma virada política e econômica se materializar, o potencial de valorização pode ser expressivo, tornando o mercado local um terreno fértil para capturar ganhos relevantes no médio e longo prazo.

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