Site icon Seu Dinheiro

Felipe Miranda: Tarcisiômetro

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas

Em junho de 2002, Daniel Tenengauzer, então analista da Goldman Sachs, ganhou as manchetes ao criar o “Lulômetro” (originalmente, “Lulameter”), uma espécie de termômetro para medir a probabilidade de vitória de Lula à época, com consequências deletérias para os ativos brasileiros. Seu modelo matemático sugeria uma taxa de câmbio de R$ 3,04 ao final do segundo turno daquelas eleições presidenciais, uma alta projetada de cerca de 20% em poucos meses.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

O neologismo encontrou os desdobramentos típicos. Com a força retórica típica de expressões simples capazes de descrever um sentimento geral, o nome de batismo foi rapidamente adotado pelas mesas de operações, recebeu toda a antipatia da esquerda e rendeu a Tenengauzer dura reprimenda de seu empregador.

Em 13 de junho de 2002, a Folha de S.Paulo reportou que a Goldman Sachs havia repreendido seu analista, por considerar a expressão “leviana" e de “mau gosto”. Ao final, a projeção de Daniel Tenengauzer mostrou-se conservadora. O dólar marcou R$ 3,82 depois da eleição.

Há um fato estilizado sobre a história da economia brasileira apontando uma inflexão do comportamento dos mercados e da comunidade investidora a partir da publicação da “Carta ao povo brasileiro” em junho de 2002, quando Lula começa a adotar um discurso menos heterodoxo, menos carregado da ideologia clássica da esquerda radical e mais pragmático.

Embora esse seja mesmo um documento importante, o viés da retrospectiva o confere um peso maior e mais instantâneo do que o efetivamente observado na época. 

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

O ciclo dos mercados brasileiros

O ganho de confiança no governo Lula 1 foi sendo construído de forma gradual. A referida carta pode ter sido o pontapé inicial, mas foram somente a série de reuniões conduzidas com Lula, Armínio Fraga e Pedro Malan, que, aliás, tiveram postura irrepreensível na transição de governo, o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a posterior condução responsável da política econômica que trouxeram real alívio nos prêmios de risco brasileiros.

A “conversão” ao centro e à ortodoxia de Lula em seu primeiro mandato pavimentou a via para um dos maiores ralis já vistos nos mercados locais. Temendo o discurso histórico de calote na dívida externa, desrespeito aos contratos e poucas garantias à propriedade privada, o risco-Brasil teve sua máxima no ano de 2002. Depois, veio caindo para mínimas históricas até o alcance do investment grade em 2008.

Palocci conduzira importante ajuste fiscal no Ministério da Fazenda, com auxílio dos secretários Joaquim Levy, Murilo Portugal, Daniel Goldberg e Marcos Lisboa. Meirelles subira o juro para conter a inflação e dar credibilidade à política monetária.

A guinada do medo da extrema esquerda em 2002 para a ortodoxia dos anos seguintes impactou fortemente nosso mercado acionário. O Ibovespa saiu de 11.268 pontos ao final de 2002 para 63.886 pontos em dezembro de 2007. Uma multiplicação de quase 6x o capital em cinco anos. Nada mal.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Evidentemente, o cenário externo favorável, caracterizado pela batizada “Grande Moderação” (anos de baixa volatilidade do PIB, dos juros e da inflação) e pela entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) com sua grande demanda por commodities, ajudou, mas foi, sobretudo, essa alternância do prognóstico ruim de 2002 para a ortodoxia posterior na economia política que empurrou as cotações.

O último grande ciclo dos mercados brasileiros, entre 2016 e o início de 2020, quando o Ibovespa sai de 39 mil pontos para 120 mil pontos, também se assentou sobre a mesma dinâmica. 

Não é exclusividade brasileira. A América Latina como um todo oferece característica semelhante: o grande rali da Argentina nos últimos anos encontrou como grande pilar a eleição de Javier Milei e de sua plataforma reformista.

Termômetro no bolso

Agora corta para os dias atuais e para o famigerado teste: se parece um pato, nada como um pato e grasna como um pato, há boas chances de não ser um cachorro.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

As últimas semanas parecem apontar um aumento da probabilidade de consolidação do campo da centro-direita e da direita em torno da candidatura de Tarcísio de Freitas à presidência em 2026. 

A esta altura, esse parece ser o fenômeno mais importante a se monitorar para tentarmos definir se o rali dos ativos de risco brasileiros visto em 2025 é um fenômeno conjuntural e de curto prazo ou se estamos diante do começo de um superciclo semelhante àqueles de 2003 a 2007 e de 2016 a 2019.

Sobre o curto prazo, os sinais positivos são quase inequívocos. O resfriamento do mercado de trabalho nos EUA aponta para cortes de juro pelo Federal Reserve (Fed) a partir de setembro, com possibilidades, inclusive, embora reduzidas, de uma redução de 50 pontos.

O dólar continua se enfraquecendo no mundo, o que historicamente conversou com momentos favoráveis de mercados emergentes.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Por aqui, as expectativas de inflação seguem caindo e há evidências de desaceleração da atividade, sugerindo Selic para baixo ali na frente. Os valuations seguem baratos, a posição técnica é convidativa e a oferta de ações disponível frente à demanda potencial é bastante baixa. Os 150 mil pontos são logo ali.

Agora, se o movimento de 2025 transborda para um ciclo longevo de anos, isso dependerá do pêndulo da economia política. Do candidato da centro-direita e da direita será exigida a habilidade de aproximar-se do bolsonarismo a ponto de capturar seu apoio, ao mesmo tempo em que não se aproxima demais para colher também sua rejeição.

Depois dos 150 mil pontos, a conversa vira outra. O mercado vai monitorar cada passo dos presidenciáveis com seu termômetro no bolso. O discurso em movimento supostamente patriota ao lado de uma grande bandeira dos EUA alerta para altos níveis de toxicidade de mercúrio.  

Exit mobile version