"E era como se jogassem Space Invaders
Perdendo mais dinheiro de muitas maneiras
Vivendo num planeta perdido como nós
Quem sabe ainda estamos a salvo?
Ficamos suspensos
Perdidos no espaço”CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADELegião Urbana - Perdidos no espaço
Só há dois tipos possíveis hoje: os perdidos e os desinformados.
Saímos para o final de semana receosos de revivermos algo semelhante a novembro de 1962. O recrudescimento potencial das tensões em EUA e China guardaria paralelos com a crise dos mísseis de Cuba, de tal modo que analistas de grandes bancos correram para alertar para a necessidade de uma “desescalada”. Você nunca sabe quando uma guerra fria, agora em sua segunda edição, pode ficar quente.
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Então, subitamente, parecíamos transportados para 2012, quando do lançamento de “O ruído e o sinal”, livro de Nate Silver. Honrando seu estilo dionisíaco e oscilatório, Donald Trump foi às redes sociais para transmitir calma: não se preocupem com a China; vai ficar tudo bem. Os mercados prontamente se recuperaram.
Cenário político econômico incerto
Nas idas e vindas dentro de nosso DeLorean, o capacitor de fluxo a plena carga de plutônio apoia-se nas manchetes de restrições ao orçamento francês, de décimo-terceiro dia de paralisação do governo norte-americano e de dificuldades fiscais renovadas para o Brasil, agora sob um pacote de (supostas) bondades de R$ 100 bilhões para 2026, para nos lembrar das dificuldades em torno do conflito distributivo e para nos transportar para a década de 30.
Com sociedades muito divididas e polarizadas, um lado não reconhece a legitimidade do outro. As instituições clássicas das democracias liberais são colocadas em xeque. O “rule of law” em crise no mundo, como apontou Solange Sour em coluna recente da Folha. Como aceitar concessões orçamentárias num ambiente assim?
Então, vamos cedendo a um populismo crescente, ao isolacionismo perigoso, cujos paralelos históricos apontam como corolário um subsequente aumento do militarismo. As tarifas comerciais em curso remetem justamente ao governo Hoover. Sabemos como terminou a década de 30.
Busca por refúgio
O comportamento do ouro emite sinal inequívoco da busca por proteção ao risco geopolítico e também oferece analogias com o cenário imediatamente anterior à Segunda Guerra. Sob o “Gold Reserve Act” de 1934 de Roosevelt, o ouro foi reavaliado de US$ 20,67 para US$ 35 por onça – a alta de 70% está entre as maiores da história.
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Outra multiplicação semelhante aconteceu no final da década de 70. Entre 1978 e 1980, os preços do ouro se multiplicaram por mais de quatro vezes, saindo de US$ 200 para US$ 850 por onça. Preocupações com as trajetórias de dívida pública diante de políticas mais keynesianas dos anos 70, dois choques do petróleo e tensão geopolítica diante da Revolução Iraniana e da Invasão Soviética ao Afeganistão estiveram entre os propulsores do valor do ouro.
É curioso como a trajetória do metal precioso não se dá de forma linear, gradual, bem comportada. A análise empírica evidencia longos períodos de certa estagnação ou lateralização, seguidas de grandes saltos súbitos, muito além do que a tendência ao pensamento incremental e gradativo poderia conceber a priori.
Não à toa, o megainvestidor Ray Dalio identifica paralelos atuais precisos com a década de 70, defendendo uma posição de 15% em ouro – parece um tanto exagerado, mas só de estarmos discutindo a hipótese já se percebe a gravidade do momento.
Otimistas ou pessimistas? Perdidos!
Não quero, com isso, transmitir alertas de uma caminhada inexorável rumo à Terceira Guerra Mundial, tampouco contratar uma nova década perdida para o Brasil, tal como tivemos nos anos 80, muito como consequência das mazelas do período imediatamente anterior. Procuramos algum rigor com as palavras. Não falamos em “pessimistas”; estamos todos “perdidos”.
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Há fatores para otimismo também, sendo os dois principais a queda das taxas de juro em âmbito global (note que isso também favorece o ouro e ativos de risco em geral) e toda a revolução advinda da inteligência artificial.
O rigor com o léxico permanece: estamos mesmo diante de uma grande revolução, capaz de guiar o crescimento econômico global a partir de um salto expressivo da produtividade. Mas que isso não se confunda com a prescrição de complacência com riscos. Evoluções quânticas de produtividade são tipicamente associadas à exuberância irracional. Não há muita dúvida de que, cedo ou tarde, viveremos uma bolha associada à IA, pois essa é a natureza dos mercados. Com seu perfil ciclotímico inerente, eles alternam momentos de euforia e depressão. Ao menos desde 1976, Rudi Dornbusch nos mostra como o “overshooting” (movimentos excessivos dos mercados, além dos preços de equilíbrio de longo prazo) fazem parte da essência do preço dos ativos, mesmo em ambientes de racionalidade.
O que muda e o que é igual
Num paralelo com a última grande revolução tecnológica, a questão aqui é se estamos mais perto de 1995/96, quando do início da apreciação das ações ligadas à internet, numa trajetória muito positiva que ainda duraria anos, ou se já flertamos com 99/2000, época do estouro da bolha pontocom. Por ora, mais parece 1996, mas esse é o tipo de coisa que só fica claro mesmo a posteriori – toda boa bolha oferece uma narrativa convincente enquanto está em curso.
Seja lá em qual momento do tempo estivermos, parece razoável supor grandes mudanças à frente. Toda a Ordem Mundial dos últimos anos dá lugar a uma nova orientação, ao menos por enquanto marcada pela Desordem.
O estrategista Michael Hartnett, do Bank of America Merrill Lynch, por exemplo, tem defendido uma segunda metade da década de 2020 bem diferente dos cinco anos vindouros. A imagem abaixo ilustra a transformação sugerida:
O mesmo Michael Hartnett acaba de projetar o ouro possivelmente caminhando para US$ 6.000 por onça. A nova corrida do ouro pode estar apenas começando. O metal precioso precisa compor seu portfólio.