Guerra comercial dos EUA. Tensão geopolítica no mundo. Crise entre os poderes no Brasil. Eleições presidenciais locais em 2026. Tudo parece grandioso e um ápice de incerteza? Não para o Itaú. O banco aumentou sua alocação de risco para o maior nível dos últimos anos.
A visão estratégica do Itaú é construtiva para o mundo nos próximos meses. Todos os assuntos que povoam o noticiário nos últimos tempos são mais do mesmo para Nicholas McCarthy, estrategista-chefe de investimento do Itaú.
“Tem incerteza, mas nada diferente dos últimos tempos. É pior que a Covid? É pior do que as últimas guerras? Sempre tem incerteza, as pessoas têm memória curta”, provoca McCarthy.
Para o estrategista, os eventos-chave que mudaram a perspectiva para os indicadores econômicos e, consequentemente, para os investimentos foram menos especulativos e mais estruturais.
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O primeiro foi o DeepSeek. A qualidade da inteligência artificial da empresa chinesa fez gestores e investidores ao redor do mundo se questionarem sobre o excepcionalismo norte-americano. Segundo McCarthy, até aquele momento, o dinheiro fluia para os EUA sem dúvidas. A partir daí, o olhar para fora se expandiu.
Na sequência, a segunda mudança veio do anúncio dos EUA de que não defenderia mais a Europa. O “vocês que se defendam” resultou em uma corrida de planos de investimentos para defesa nos países do Velho Continente. Com destaque para a Alemanha, que empenhou o maior valor entre seus pares: 500 bilhões de euros.
O efeito secundário desses investimentos, segundo McCarthy, é um maior fomento industrial. O Itaú estima que os países europeus vão crescer mais do que os EUA nos próximos anos.
“Durante 15 anos, gestores e investidores só compraram EUA, como se o resto do mundo não existisse. Agora, esses recursos estão voltados para carteiras locais e devem dispersar para carteiras globais”, diz o estrategista-chefe do Itaú.
Queda do dólar, não dos EUA
A maior tese do Itaú Unibanco, que sustenta a estratégia de alocação atual e as projeções futuras do banco, está ancorada na queda do dólar.
Não uma queda de centavos contra o real, ou contra as moedas globais. McCarthy acredita na tendência de enfraquecimento estrutural e consistente da moeda norte-americana, que pode durar anos.
A análise do time mostrou que o último fosso do dólar globalmente aconteceu no biênio 2010-2012. Naquele momento, o câmbio em relação ao real chegou ao nível de R$ 1,60. No mundo, o índice dólar (DXY) estava na faixa dos 75 pontos, algo que nunca mais se repetiu.
McCarthy acredita que a moeda atingiu uma precificação muito acima do justo globalmente. Desde 2012, a valorização foi de 46%. Eventos históricos como pandemia, boom das empresas de tecnologia e alta dos juros nos EUA fomentaram essa valorização.
Mas agora, o time de estratégia do Itaú vê a reversão desse ciclo. “Pode ser que não volte para o fosso de 2010, mas tem muito valor para devolver”, diz Gina Baccelli, estrategista sênior de investimentos do Itaú Unibanco.
Baccelli acredita que este já era um movimento natural e esperado, mas que deve ser muito intensificado pelas políticas de Donald Trump. Embora o presidente dos EUA e seus secretários não falem abertamente, tudo indica que o enfraquecimento do dólar faz parte dos planos.
A notícia é boa para todo o resto do mundo.
Do ponto de vista econômico, um dólar mais fraco ajuda no processo desinflacionário dos países e melhora a tendência de crescimento pela possibilidade de corte dos juros — é o que acontece no Brasil e em outros países.
Do ponto de vista financeiro, com os EUA e o dólar mais fraco, McCarthy vê os investidores migrando recursos para outros países, entre emergentes e desenvolvidos.
Onde o Itaú está investindo — no mundo
O Itaú está alocado em Bolsas globais e mercados emergentes. A aposta do banco é em empresas de crescimento: 50% dos EUA e 50% fora dos EUA.
Essa alocação também engloba empresas de tecnologia e a tese de inteligência artificial. Baccelli explica que isso também vale para as empresas fora dos Estados Unidos. Atualmente, 30% da cesta de países emergentes corresponde à tecnologia. China, Índia e outros países asiáticos têm se desenvolvido bem no setor.
Com relação aos Estados Unidos, embora a visão seja de enfraquecimento da economia e do dólar, McCarthy avalia que as empresas estão bem, apresentando resultados sólidos e boas condições de negócios, além de bons retornos via dividendos e recompra de ações.
O Itaú não tem posição nas Treasurys, mas gosta dos bonds de maior risco, os high yield. O estrategista-chefe vê boas condições de pagamento e maiores prêmios. Os bonds com grau de investimento ficam de fora.
Já a posição na Bolsa americana existe, mas em reais. O Itaú está comprado em S&P 500 via posição no Brasil, com proteção cambial. É uma estratégia para capturar os ganhos das ações, sem o risco da variação cambial.
McCarthy pondera que essa tem sido a estratégia dos alocadores globais. Segundo ele, a bolsa dos EUA sustenta seus ganhos devido à exposição global via moeda local, não via dólares.
“O problema de desvalorização do dólar é mais significativo para o mercado de títulos do que para o mercado de ações. Nossa visão para a Bolsa americana é construtiva”, diz.
…e no Brasil
Renda fixa. Não tem para onde fugir.
Diante da possibilidade de queda dos juros à frente — que o Itaú espera para o primeiro trimestre de 2026, não em 2025 — a estratégia virou nas últimas semanas para uma maior alocação em títulos prefixados.
Baccelli recomenda vencimentos até três anos para os prefixados, e títulos atrelados à inflação para prazos acima de cinco anos.
O time do Itaú acredita que o processo desinflacionário projetado para o mundo também se aplica ao Brasil. A expectativa atual é de que o IPCA feche o ano em 4,70% — com a possibilidade de uma revisão baixista, alerta McCarthy.
Diante disso, a alocação em títulos atrelados à inflação é para carregar até o vencimento. Segundo o estrategista, o prêmio de IPCA + 7% oferecido atualmente nesses títulos só faz sentido quando o juro real chegar efetivamente aos 7%.
Atualmente, com uma Selic em 15% e uma inflação em 5%, o juro real está em 10%. Aí entra a estratégia dos prefixados, que permite travar taxas de 13% para os próximos dois anos, quando se espera queda da Selic.
Com relação ao crédito privado, o Itaú não tem uma recomendação específica para os títulos. McCarthy afirma que a estratégia está relacionada à rentabilidade, e com a escolha de ativos específicos, que façam sentido para o perfil do investidor.
Bolsa em compasso de espera
Já em relação às ações, o Itaú não tem posição na Bolsa do Brasil. McCarthy e seus analistas aguardam dois gatilhos importantes: queda dos juros e queda do dólar.
Embora as ações brasileiras estejam muito baratas agora, em termos de múltiplos, com os juros em 15%, o estrategista não acha que vale a pena correr o risco.
“Todo o mundo está fora [da Bolsa do] Brasil. Até o brasileiro está fora do Brasil”, diz o estrategista.
Para ele, os investidores locais só vão voltar para as ações da Bolsa quando os juros engatarem o ciclo de queda. Já os investidores globais só vão olhar para o Brasil quando o dólar engatar a sua queda e o call de alocação virar para mercados emergentes.
As ações brasileiras correspondem a 4% da cesta de emergentes, e McCarthy vê a possibilidade de uma alocação maior pelas ações estarem tão descontadas. Isso pensando nos investidores globais.
Se os fundos globais também adotarem o “call” de emergentes, “aí é que vai entrar dinheiro mesmo”, diz o estrategista.
Eleições presidenciais e tarifas de importação McCarthy avalia como ruídos que não mudam os fundamentos. Os gatilhos reais, para o estrategista, são juros para o local e dólar para o estrangeiro.
A valorização de 15% que o Ibovespa registrou neste começo de ano foi uma brisa. Um reposicionamento de “subalocado” para “neutro” de alguns investidores estrangeiros, segundo o Itaú. O movimento foi forte porque a Bolsa está muito depreciada.
Para McCarthy, os gatilhos no Brasil podem ser resumidos da seguinte forma:
“Quando o mundo está ruim para o Brasil, o país tem que olhar para dentro e encarar seus problemas, como o fiscal e os juros. Mas quando o mundo está favorável, os problemas locais ficam em segundo plano, e agora o mundo está favorável.”