Parece até um ataque coordenado: depois de vencer o Brasil em uma série de disputas diretas nos Jogos Olímpicos e assumir a liderança do quadro de medalhas, o Japão, por meio de uma rara interferência na economia, pode desvalorizar o real indiretamente.
Isso porque o Banco do Japão (BoJ), que comanda a política monetária do quarto maior PIB do planeta, elevou a taxa básica de juros do país da faixa de 0% a 0,1% para a banda de 0,15% a 0,25% ao ano.
A elevação da taxa é apenas a segunda desde 2007. A primeira havia ocorrido em março de 2024, quando o Japão pôs fim a 17 anos de juros negativos.
E pode vir mais por aí: segundo o presidente do BoJ, Kazuo Ueda, os juros podem seguir subindo se as atuais projeções para a economia e inflação no país se confirmarem. Inclusive, Ueda não descartou furar o teto psicológico de 0,5% ao ano.
Nos últimos anos, mesmo com o índice de inflação acima da meta de 2% ao ano, o Banco do Japão seguiu estimulando a economia por meio dos juros frouxos, com o receio de que uma postura mais hawkish pudesse desacelerar a economia do país.
“É apenas o início da normalização das taxas de juros no Japão. A verdadeira questão não é sobre o próximo aumento da taxa, mas qual será a taxa terminal”, avalia Junichi Inoue, head de ações japonesas da Janus Henderson.
Além da alteração na “Selic nipônica”, a autoridade monetária anunciou também outra medida restritiva: a redução da recompra de títulos públicos.
E o Brasil com isso? Entenda por que taxas de juros mais altas no Japão podem derrubar o real
A flexibilidade monetária dos últimos tempos acabou custando caro para o iene: nos últimos anos, a moeda japonesa passou de 108 por dólar para 150 por dólar, desvalorização de 29% em relação à divisa americana.
Considerando os juros isoladamente, quanto mais altos eles são, mais a moeda do país tende a se valorizar, já que os retornos mais altos aumentam a demanda pelo dinheiro local.
Com a elevação dos juros no Japão, de ontem para hoje, o iene subiu 1,5% em relação ao dólar - e o ganho diante da moeda brasileira pode ser ainda maior.
“Esse movimento fortaleceu o iene e deve impactar negativamente o real, já que a moeda japonesa é usada como funding para o carry trade no Brasil”, conta o analista Matheus Spiess, da Empiricus.
O carry trade - ou carrego - é uma estratégia de investimento usada para ganhar com a diferença de taxas de juros entre os países. Grosso modo, ela consiste em tomar dinheiro emprestado em um país de juros baixos, como o Japão, e aplicá-lo em um de juros altos, como o Brasil.
Há riscos cambiais e de mercado envolvidos, mas, de maneira simplificada, seria como contrair dívida a 0,25%, por exemplo, e rentabilizar a 10,5%. Nada mau, certo?
O grande problema é que, com os juros mais altos, fica mais caro tomar dinheiro emprestado no Japão. Além disso, a valorização do iene também torna a operação menos lucrativa. No fim das contas, a tendência é haver uma redução nessas posições, o que também baixa a demanda por reais, jogando o preço da moeda brasileira para baixo.
“Esta postura mais agressiva do Japão pode ser interpretada como um indicativo de fortalecimento do iene. Com o grande volume de posições de carry trade que apostam na valorização de outras moedas em detrimento do iene, podemos observar movimentos significativos no mercado cambial. O dólar australiano, por exemplo, apresentou queda, e o real brasileiro pode seguir uma trajetória semelhante”, explica Spiess.
De fato, de ontem (30) para hoje (31), o real cai quase 2% em relação ao iene e 0,4% se comparado ao dólar.