A decisão do Federal Reserve (Fed) desta quarta-feira (14) de manter os juros na faixa entre 5% e 5,25% ao ano poderia ser cantada por Moreira da Silva na forma de samba de breque — caracterizado por paradas súbitas que permitem ao intérprete encaixar comentários alusivos ao tema da canção.
Depois de dez aumentos consecutivos da taxa básica, finalmente o banco central norte-americano resolveu deixar o partido-alto de lado para sambar com a inflação em um ritmo mais orquestrado, marcado pela pausa.
A mudança de tom já era esperada pelo mercado: 93,2% dos investidores apostavam na manutenção dos juros na reunião de hoje, de acordo com dados compilados pelo CME Group.
A reação em Wall Street foi digna de nota — mas uma nota negativa. Os principais índices da bolsa de Nova York — que antes da decisão operavam sem uma direção definida — passaram a cair. O Dow Jones recuava 0,73%, enquanto o S&P 500 e o Nasdaq baixavam 0,32% e 0,37%, respectivamente.
Por que mercado não sambou com o Fed
Embora esperasse a decisão de manutenção da taxa de juros nesta reunião, o mercado não sambou com o Fed — estaria Wall Street ruim da cabeça ou doente do pé?
A resposta é nem um e nem outro e o famoso dot plot, ou gráfico de pontos, explica um pouco desse comportamento da bolsa em Nova York.
Em março, quando o BC dos EUA divulgou suas últimas projeções trimestrais, a previsão dos membros do comitê de política monetária (Fomc, na sigla em inglês) era de que os juros encerrariam o ano em 5,1%.
Agora, as projeções mostram que a taxa básica por lá deve acabar 2023 em 5,6% — ou seja, vem pelo menos dois apertos de 0,25 pp por aí.
Confira abaixa o gráfico de pontos da reunião de junho:
Inflação: o samba de uma nota só
Moreira da Silva contou que o improviso característico do samba de breque nasceu por um mero acaso. Na decisão de hoje do Fed, o acaso não teve nada a ver com isso.
O banco central norte-americano vem, desde março de 2022, elevando os juros em ritmos que variaram de 0,25 ponto percentual (pp) a 0,75 pp para controlar a inflação — que chegou a dois dígitos nos EUA, muito acima da meta de 2% do Fed.
Na terça-feira (13), primeiro dos dois dias de reunião do Fomc, dados do Departamento de Trabalho norte-americano mostraram que o índice de preços ao consumidor atingiu o menor nível em dois anos.
O CPI, como é conhecido na sigla em inglês, subiu 0,1% no mês, reduzindo o nível anual para 4%, de 4,9% em abril — o menor avanço em 12 meses desde março de 2021, quando a inflação estava apenas começando a acelerar para o que se tornaria o mais patamar alto em 41 anos.
Excluindo os voláteis preços de alimentos e energia, o quadro não é tão otimista. O chamado núcleo da inflação subiu 0,4% no mês e a 5,3% em relação ao ano anterior, indicando que, embora tenham diminuído um pouco, os consumidores ainda estão sob pressão.
Por isso, o comunicado com a decisão ainda trouxe um alerta sobre a inflação: os índices ainda permanecem elevados.
"Os sistema bancário dos EUA é sólido e resiliente. Condições de crédito mais apertadas para famílias e empresas devem pesar na atividade econômica, nas contratações e na inflação. A extensão desses efeitos permanece incerta. O Comitê permanece altamente atento aos riscos de inflação", diz o comunicado.
Projeções, a cadência do samba do Fed
A cada três meses, junto com a decisão, o Fed divulga projeções econômicas que ajudam a cadenciar a expectativa do mercado sobre o futuro da política monetária.
Confira abaixo as estimativas do Fed baseadas nas projeções dos membros do Fomc:
PIB dos EUA
- 2023: 1,0% de 0,4% previstos em março
- 2024: 1,1% de 1,2% previstos em março
- 2025: 1,8% de 1,9% previstos em março
- Longo prazo: mantida em 1,8%
Inflação medida pelo PCE
- 2023: 3,2% de 3,3% previstos em março
- 2024: mantida em 2,5%
- 2025: mantida em 2,1%
- Longo prazo: mantida em 2,0%
Taxa de desemprego
- 2023: 4,1% de 4,5% previstos em março
- 2024: 4,5% de 4,6% previstos em março
- 2025: 4,5% de 4,6% previstos em março
- Longo prazo: mantida em 4,0%
Kid Powell Morengueira explica o breque
Moreira da Silva, também conhecido como Kid Morengueira, foi quem popularizou o samba de breque e as famosas intervenções que marcaram o ritmo. No Fed, quem faz isso é o presidente do BC, Jerome Powell.
Em coletiva de imprensa após a decisão de hoje, o chefão do banco central norte-americano parou o samba e falou.
Powell começou dizendo que mais de um ano de aumento na taxa de juros ainda não afetaram a economia dos EUA.
“Aumentamos nossa taxa de juros em 5 pontos percentuais e continuamos a reduzir nossos títulos em um ritmo acelerado. Cobrimos muito terreno e os efeitos totais de nosso aperto ainda não foram sentidos”, disse ele.
Embora tenha deixado a porta aberta para novos aumentos com essa declaração, Powell afirmou que a pausa no ciclo de aperto se justifica porque “o Fed está se aproximando de seu objetivo”.
Ainda assim, ele reforçou que uma decisão sobre a reunião de julho não está tomada. “A reunião de julho segue viva”, disse.
Mas foi quando Powell afirmou que o Fed "avaliará o impacto acumulado da política monetária para as decisões futuras” que Wall Street começou a ensaiar uma recuperação.
O presidente ainda expressou otimismo sobre a luta contra a inflação, dizendo que vários fatores estão mostrando progresso. “Eu diria que as condições que precisamos criar para reduzir a inflação estão surgindo”.
Questionado sobre um possível corte de juros, Powell foi categórico: "Ainda levará alguns anos para que um corte de juros aconteça".
O que pensam os especialistas
Ian Lyngen, BMO Capital Markets: "O Fomc deu uma pausa nessa reunião, mas o tom hawkish [favorável ao aperto monetário] veio na forma de aumentar a projeção do juros ao final de 2023 para 5,6% - ou seja, dois aumentos adicionais de 0,25 pp neste ano. Isso mantém julho como uma reunião ativa e Powell mantém a flexibilidade à medida que o comitê se aproxima do final das altas deste ciclo".
Goldman Sachs: "O comunicado atualizou ligeiramente seu viés já hawkish [favorável ao aperto monetário], observando que o Fomc determinaria a extensão “de” (vs. “até onde” anteriormente) um aperto adicional que pode ser apropriado".
Rubeela Farooqi, da HFE: "Sem surpresas na reunião de hoje, mas as projeções atualizadas sinalizam que a pausa não significa o fim do ciclo de alta dos juros. Isso ficou evidente no aumento na projeção os juros médios não apenas para 2023, mas também para 2024 e 2025".